Almir Gabriel foi um exemplar líder das elites paraenses
Redação

Durante o seu governo, houve o massacre de trabalhadores camponeses em Eldorado dos CarajásUm homem é entrevistado por uma repórter sobre o falecimento de Almir Gabriel. Com sinceridade, responde ser torcedor de um dos grandes times de futebol do Pará e agradece ao ex-governador a conclusão do estádio estadual, realizada anos após a sua inauguração, durante o mandato do ex-governador. A grande mídia destaca outras obras do político e as apresenta como agradecimentos do ‘povo’ paraense: os pontos turísticos Estação das Docas e Mangal das Garças, o complexo de estradas e pontes chamado Alça viária, o Centro de Convenções do Pará; apresenta-o como homem íntegro, exemplo de paraense e político que trouxe uma nova visão de desenvolvimento para o estado. O apresentador lamenta a morte e a emissora apresenta-se de luto.

Muitos trabalhadores possivelmente tomarão para si esse sentimento, seja pelo sincero respeito a um falecido, seja por lembrarem-se das obras (como as do estádio de futebol), o que se torna destaque na política brasileira onde os governantes ensinam a população a lembrarem dos mesmos por grandes ‘monumentos’ construídos, principalmente em um estado como o Pará, onde o nível de desenvolvimento é historicamente atrasado em relação a outros estados brasileiros.

A grande mídia então aproveita o momento para exaltar possíveis qualidades do ex-governador, o que no fim das contas é tentar fazer esquecer o que de fato destacou a passagem política de Almir Gabriel. Sabe que é um momento bom para encher de muitas mentiras a cabeça da classe trabalhadora e fazer esquecer o que realmente fez um governo dos ricos, tendo a clareza de que apenas uma fagulha é necessária para trazer as lembranças da verdade à mente dos trabalhadores.

A história que Almir Gabriel deixou
A origem política desse representante da elite paraense vem do PDS, um partido criado no fim da ditadura militar a partir do ARENA, nada menos que umas das principais organizações responsáveis pelas torturas, assassinatos, e todo o terror da ditadura militar. Pela relação com o conservadorismo de direita e tecendo novas relações partidárias com o PMDB, Almir Gabriel é indicado (ainda não havia aberto o direito às eleições diretas no Brasil) a prefeito de Belém para os anos 1983 a 1986, pelo então governador Jader Barbalho.

De 1987 a 1991 foi senador, mesmo período em que participou da fundação do privatista PSDB, em sua terceira troca de partidos, evidências de uma relação política clássica de extremos jogos sujos por poder. Vem então o destaque de sua carreira, o governo do estado do Pará de 1995 a 2002.

Privatizações e corrupção
Se a própria imprensa nacional destacou Almir Gabriel como o novo e moderno modo de governo da região foi por sua relação com a política de privatização do governo federal de Fernando Henrique Cardoso. Afinal, enquanto FHC e PSDB vendiam a Vale do Rio Doce por alguns trocados, quando comparado ao seu verdadeiro valor e atuais capacidades de lucros (10 bilhões foi o valor estimado, porém estudos posteriores apontaram a possibilidade de 10 vezes mais), Almir Gabriel simplesmente seguia comandos federais e ajudava na maior perda histórica dos trabalhadores paraenses, deixando o Pará a mercê das vontades e investimentos que eram convenientes aos lucros da multinacional compradora (a exemplo, na época a não instalação de uma siderúrgica em Marabá).

Outro destaque veio, em 1998, com a privatização da REDE CELPA. Com o discurso de má administração pública, a venda da empresa de energia elétrica, mais uma feita por um preço de piada, levou à demissão de mais de 3 mil trabalhadores, ao encarecimento da conta de energia elétrica, e a administração pouco melhorou. Após anos, em 2012, a própria grande mídia precisou revelar a toda a sociedade a falência da empresa.

As privatizações também foram alvos de protestos, seja para impedir as vendas quanto pelas denúncias de fraudes depois da privatização. CPIs foram exigidas no caso CELPA, se somando a suspeitas de uso ilícito de verbas nas relações entre FUNTELPA (rede de TV estatal) e a TV Liberal. Nas grandes obras, destacou-se o caso da Estação das Docas, que tinha um prazo de 11 meses e um custo de menos de 6 milhões, sendo inaugurada mais de dois anos depois com um orçamento final quase 3 vezes maior, para no fim Belém ter um lugar onde somente a elite paraense tem condições de pagar.

Assassinatos e o que realmente não se esquece
Mas o ex-governador ficou também conhecido internacionalmente. Em 1996, seu governo foi o responsável político pelo massacre de trabalhadores camponeses em Eldorado dos Carajás. Na época, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) protestava contra a demora da demarcação de terras, obstruindo a BR-155, quando o secretário de segurança, Paulo Sette Câmara, ordenou ação policial, inclusive com uso de força e armas de fogo para desobstruir o trecho. Pelo menos 10 trabalhadores foram assassinados a queima roupa e outros mortos com armas cortantes. Anos se passaram em impunidade, acordos foram feitos para retirar qualquer culpa de Almir Gabriel pelo caso, e apenas o coronel Mário Colares Pantoja e o major José Maria Pereira de Oliveira foram condenados, ficando muita coisa sem ser devidamente esclarecida e justiçada.

Certamente, a grande mídia não desejará relembrar esse fato nesse momento. Estes mortos que possuem o direito de serem homenageados e não um homem com sangue de camponeses nas mãos. Almir tem as devidas homenagens pelo senado, uma casa tão suja quanto ele, atualmente presidida por um dos grandes exemplos de corrupção no Brasil.
Não esqueceremos o fato, nem os movimentos sociais e muito menos a classe trabalhadora. Ninguém esquecerá o que trouxe as privatizações, pois isso se sente no dia a dia; ninguém pode esquecer o quanto de lama e corrupção existe por trás de cada passo deixado pelo ex-governador Almir Gabriel.

Os ricos velam seus mortos, seguimos na luta com nossa classe
A mídia burguesa busca gerar um sentimento entre os trabalhadores e colocar seus líderes como honestos e importantes “representantes do povo”. Nós, como imprensa independente e socialista, queremos chamar a atenção para o que a história mostrou. Almir Gabriel nada mais foi que um exemplar líder das elites paraenses, homem dedicado a governar para empresários e mascarar a realidade para a população pobre, fazendo de sua vida parte da máquina administrativa pública que mantém o poder fora dos interesses de quem de fato trabalha e produz as riquezas.

Nesse momento, temos realmente a lamentar os assassinados em Eldorado dos Carajás, os doentes que morrem nas filas dos hospitais públicos, os jovens que são vítimas da violência urbana crescente na capital e no interior paraense. Almir Gabriel deixa um legado, o legado de contribuir com a desigualdade existente pelo capitalismo. Frente ao mesmo, só podemos dar uma resposta: seguir nas lutas confiando na classe trabalhadora e honrando os nossos mortos.