Redação

Almir

A teoria marxista deve uma grande contribuição a Moreno. Nas palavras do economista marxista Ernest Mandel, seu maior oponente político, “Moreno foi um dos últimos representantes do punhado de quadros dirigentes trotskistas que, depois da Segunda Guerra Mundial, manteve a continuidade da luta de Leon Trotsky em circunstâncias difíceis”.

Uma das grandes contribuições de Moreno para a teoria trotskista (legitima sucessora do marxismo revolucionário na época de decomposição do capitalismo e da iminência de revoluções proletárias) foi atualizá-la sem, contudo, desvirtuá-la.

Para tal, esse revolucionário procurou verificar a validade das teorias e das teses com as mudanças políticas, associando-as com a experiência concreta das várias décadas que se passaram após a elaboração das mesmas. Por sua vez, também foi buscar as bases teóricas e o contexto com que Leon Trotsky desenvolveu tais elaborações.

Assim, procurou resgatar o processo político e teórico que culminou com a formulação da versão final de Trotsky sobre a “Teoria da Revolução Permanente”, no livro do mesmo título publicado em 1929. Dessa maneira, Moreno recuperou a importância do debate Preobrazhensky e Radek contra Trotsky, travado nos anos de 1927 e 1928. Um debate importante até porque o mesmo levou Trotsky a escrever “Revolução Permanente”, isto é, levou-o a sistematizar pela primeira vez a sua interpretação sobre essa teoria, que até então divulgava de maneira dispersa ou dissolvida a outras questões.

A Teoria da Revolução Permanente encontra base em Marx a partir da leitura do livro “Revolução e Contra-revolução na Alemanha”. Trotsky apresentava enfim, sua concepção geral das dinâmicas políticas dos processos das revoluções socialistas, explicando desde a russa de 1917 e as demais que estiveram e estavam em curso naquele tempo, como as eventuais futuras.

Moreno descreve sua análise num breve texto chamado “Escuela de Cuadros” (Escola de Quadros). Originalmente, era um texto preparatório e uma compilação de intervenções de Moreno durante dois cursos de quadros partidários sobre a teoria trotskista da Revolução Permanente e sobre a análise dos Estados Operários sob um olhar da década de 1980 (ainda antes da ruína das experiências do Leste europeu e da URSS, mas que já dava amplos sinais de colapso). Neste texto, Moreno conclui que a inclusão da crítica de Preobrazhensky à Teoria da Revolução Permanente seria o melhor mecanismo para aperfeiçoar a mesma. O que, por sua vez, corrigiria a capacidade de análise e, assim, os erros que o movimento trotskista vinha cometendo ao longo dos anos do pós-Segunda Guerra, anos que Trotsky previra que seriam de ascenso proletário e popular. Contraditoriamente à previsão, o trotskysmo tornou-se uma corrente marginal. As raízes que impediram o trotskysmo de tornar-se a corrente dirigente do movimento de massas internacional estariam num desvio “subjetivista”, uma herança colateral à adoção da versão formulada por Trotsky da Teoria da Revolução Permanente.

A Teoria da Revolução Permanente
A Teoria da Revolução Permanente aparece pela primeira vez nos escritos de Marx em “Revolução e contra-revolução na Alemanha”, inclusive com esse nome – “revolução permanente”. Uma revolução proletária democrática que se transforma, ainda no seu decorrer, numa revolução socialista.

Ao longo do século XIX os levantes proletários só começaram a ganhar forma de revoluções a partir da Revolução de 1848. Ainda assim, estavam associadas à burguesia, isto é, revoluções proletárias sob a liderança de burgueses e/ou combinadas a revoluções burguesas. Tinham um caráter democrático burguês, reivindicando bandeiras burguesas, como Estado de Direito, reforma agrária, parlamento sufragado, etc. A burguesia, porém, a partir de 1848, começou a perder o controle dos rumos das revoluções, traindo-as no meio do caminho ou mesmo abortando-as, na medida em que seu privilégio de classe explorador poderia ser ferido.

Dessa forma, o caráter irreconciliável de classe era exposto no decorrer da revolução, fazendo com que o proletariado e outras classes exploradas avançassem a reivindicações não apenas democráticas-burguesas, mas inclusive socialistas. Esse foi o caso da revolução alemã de 1848, que foi traída no momento em que foi ganhando contornos socialistas. Por sua vez, a primeira revolução exclusivamente proletária foi a “Comuna de Paris”, de 1871, com claro contorno socialista, mas que não triunfou por subestimar a contra-revolução da burguesia.

A visão da época, embora contasse com forte questionamento, era que a revolução proletária só triunfaria ou mesmo se daria em países plenamente industrializados, onde o desenvolvimento do capitalismo consolidaria a dualidade entre o proletariado e burguesia. A revolução implantaria o socialismo. Onde o capitalismo não era desenvolvido, não seria possível seu aparecimento. De acordo com tal visão o proletariado deveria lutar nos países de baixo desenvolvimento da economia capitalista e das instituições estatais burguesas por uma revolução burguesa, por reivindicações burguesas, sendo necessário a coalizão com os setores progressistas da burguesia, setores que estão em contradição com tal situação.

Na medida em que, no fim do século XIX e antes da Grande Guerra, a situação política européia ia se estabilizando, as classes trabalhadoras, parcialmente, ganhavam direitos e tinham a sua exploração amainada, o movimento proletário marxista passou a concluir que, usando os espaços do regime burguês (sindicatos livres, parlamento e eleições) seria possível – paulatina, econômica e politicamente – por dentro do capitalismo e do Estado burguês, construir o socialismo. A isso se chamou de marxismo reformista ou social-democrático.

Havia setores revolucionários marxistas que questionavam parcial ou totalmente essa visão. Os marxistas revolucionários russos, principalmente o grupo de Lênin, acreditavam que o regime czarista, apesar de não totalmente burguês, era um plenamente usado, não cabendo aliar-se com as camadas burguesas. Um Estado e uma economia atrasados. Sendo assim, a única via para as conquistas democráticas seria pela revolução proletária, em aliança entre os operários e os camponeses. Posteriormente, ganharia forças para a construção da revolução socialista, sob direção de um partido de revolucionários profissionais.

Trotsky, inicialmente, era do grupo de Lênin. Depois, com o racha do Partido Social-Democrata Russo – que fez surgirem os bolcheviques e os mencheviques, distanciou-se por acreditar na importância da unicidade do partido proletário para o movimento, mesmo que este estivesse sob programa e liderança reformista. Ele acreditava que a revolução proletária poderia iniciar-se como revolução democrática-burguesa, mas, obrigatoriamente, evoluiria para socialista, embora sob ação do movimento de massas, exclusivamente operário. A tal posição política, ele chamava “revolução permanente”.

A “revolução permanente” trotskista contava com simpatias dentro do partido bolchevique, especialmente de Bukharin (uma das maiores lideranças do partido, que na época era da ala esquerdista) e de Preobrazhenski, economista do partido. Ambos eram grandes teóricos e responsáveis pela formação teórica.

Mas a posição a favor da “revolução permanente” era combatida por Lênin dentro do partido como uma tese “trotskista”. Existia uma polêmica mais focada na questão da necessidade ou não de um partido profissional, no peso do movimento de massas para a tomada do poder, na possibilidade e importância da aliança operária camponesa do que na questão do caráter da revolução proletária e da sua evolução no decorrer do processo. Freqüentemente carimbada se era uma tese marxista ou não.

Para Trotsky, a revolução russa era possível, mas dependia obrigatoriamente dos rumos nos países capitalistas centrais, mesmo que se iniciasse antes. Lênin, embora não negasse essa dependência, enfatizava a maior sobrevida da revolução na Rússia pela força revolucionária advinda da aliança operária camponesa. Essa visão não era compartilhada por Trotsky, que acreditava na limitação política dos camponeses e das outras camadas pequeno-burguesas. A tese leninista acreditava na possibilidade da revolução proletária tornar-se socialista, mas em fases distintas, mesmo que sucessivas, enquanto, segundo Trotsky, embora se dessem desigualmente, eram obrigatoriamente combinados.

Em verdade, a leitura de Bukharin sobre a revolução permanente negava, no processo revolucionário proletário, o “momento” democrático-burguês, isto é, o conjunto de elementos de tal característica. Para ele, a revolução seria imediata e exclusivamente socialista. Não há como dizer que os outros leninistas, adeptos da revolução permanente, compartilhassem tal interpretação.

Acontece que, com a Grande Guerra e o início do ascenso operário-popular na Rússia, Lênin e Trotsky aperfeiçoaram suas interpretações sobre a dinâmica da revolução, aproximando-se um do outro. Essa aproximação culminou nas “Teses de Abril”, em que Lênin diz que os organismos da revolução eram os soviets (organismos do movimento de massa), e a tomada do poder era imediatamente feita para implantar o socialismo.

Por outro lado, Trotsky e seu grupo se filiam ao Partido Bolchevique e, ao presidir o soviet de Petrogrado, ele incorpora ao programa político de reivindicações deste exigências democrático-burguesas e, na tese da revolução permanente, a aliança com os camponeses.

Da Revolução Russa até a morte de Lênin, mais nada foi falado sobre a revolução permanente. Com a doença de Lênin, inicia uma disputa pela sua sucessão. Golpes baixos começam a ser usados. Entre eles, passou a se receptar a polêmica com Trotsky a fim de desmoralizá-lo como herdeiro político ou sucessor natural.

Nesse momento, Bukharin não era mais adepto da revolução permanente, embora, provavelmente, sempre tivesse sido adepto num marco ultra-esquerdista, e, quando gira à direita, abandona conseqüentemente tal teoria. Formula, então, a partir de extratos de textos de Lênin, a teoria da “revolução num só país”, justificativa teórica para a atuação política do grupo dominante dentro do partido (acordos com governos burgueses, abandono dos partidos comunistas e conciliação com os médios empresários no plano interno).

Porém Lênin, nos meses de reclusão de sua doença, fará uma releitura crítica de suas teorias e de outros marxistas, expressando, em suas cartas e anotações (o Testamento e o Diário das Secretárias), a correção das posições “trotskistas” a favor da revolução mundial e do aprofundamento do processo revolucionário interno. Em suma, em torno da dinâmica do desenvolvimento da revolução, embora não muito sistematizado um endosso por escrito à Teoria da Revolução Permanente.

Por outro lado, em seguida à morte de Lênin, surge toda uma polêmica dentro do Partido sobre a política da Rússia socialista, inclusive sobre os rumos da NEP (Nova Política Econômica), que o próprio Lênin afirmava que devia ser mudada, e sobre o processo de burocratização. Surge a Oposição de Esquerda, capitaneada por Trotsky e co-liderada por ilustres figuras do partido, como Evgenyi Preobrazhensky, Karl Radek, entre outros. Polêmicas giravam em torno da administração da parcela da economia estatizada, do relacionamento com a economia livre e com os camponeses, da necessidade de planejamento mais vigoroso. Também debatiam-se questões em torno da acumulação de capitais pelos pequenos negócios, da abertura a investimentos do capital internacional, bem como a exportação da revolução e o apoio a movimentos democráticos e socialistas dos países semicoloniais e coloniais, o sistema de preços e salários, a administração do Estado, a burocratização do partido e dos dirigentes estatais, etc.

Trotsky, a partir das elaborações de Marx, Engels e do próprio Lênin, conclui que o socialismo só é possível em escala mundial, devido ao fato de o capitalismo ser um sistema mundial, onde as economias e os Estados são interdependentes. “Qualquer tentativa de fazer o socialismo num país fracassará”, diz. Isso não significa fazer a revolução em todos os países do mundo e tomar o poder em todos ao mesmo tempo. O que propõe Trotsky é a criação de condições para isso, com a existência de um “partido mundial da revolução” que coordene as lutas – como foi a Internacional Comunista nos anos de 1920 – e que o novo Estado Operário apóie os processos revolucionários em outros países.

As revoluções acontecerão de acordo com a dinâmica interna de cada país. O papel dos partidos internacionais é intervir e fazer avançar a tomada do poder pelos trabalhadores e não estancar esse processo como historicamente fez Stalin e a burocracia soviética a partir da morte de Lênin, quando ascenderam ao controle do Partido, do Estado, dos sindicatos e da empresas estatais.

Infelizmente, a História provou que era verdade o que dizia Trotsky: a experiência soviética mostra que qualquer tentativa de construir o socialismo num só país fracassará. Triunfada a revolução no país, a tarefa não termina. Por um lado, deve-se apoiar a revolução nos outros países e, lá triunfadas, construir a unificação política e das economias, que culminaria com a implementação de uma planificação mundial e a supressão das fronteiras nacionais.

Por outro lado, deve-se criar mecanismos econômicos-políticos na produção nacional para o avanço das técnicas e para a democratização da gestão e do planejamento, a fim de garantir a transição ao socialismo e evitar a degeneração burocrática. Essa última proposição era menos enfatizada por Trotsky, mas constava no programa da Oposição de Esquerda, a partir de um maior destaque dado por Preobrazhensky.

No fim da década de 1920, com a derrota total das oposições, a liderança stalinista, o enfrentamento dual destes com os bukharinista e com a NEP e adoção forçada de algumas das propostas, grupos da oposição não-exilados da URSS – impressionados ou pressionados – reveriam seus ataques e suas posições pró-revolução permanente. Surge, assim, uma polêmica entre os ex-membros da Oposição de Esquerda, principalmente entre Radek e Preobrazhensky, com Trotsky, já expulso da URSS. A tese da Oposição de Esquerda, que antes teve fileiras engrossadas por uma oposição unificada que agregou Zinoviev e Kamenev, antigos rivais de Trotsky, é derrotada mais por ser silenciada e perseguida do que pela verdade dos fatos ou pelo embate teórico-político. Em seguida, a tese da revolução mundial é por fim eliminada.

Radek fará um giro oportunista. Abjurará das posições da oposição, tecendo duros questionamentos à validade da Teoria da Revolução Permanente e, assim, readquirindo seus direitos políticos e “re-galgando” posições dentro do partido.

Por outro lado, Preobrazhensky fará algumas críticas duras ao entendimento de Trotsky – esse debate será plasmando numa série de cartas entre ambos que ficaram para posteridade e basearam a formulação do livro de Trotsky, Revolução Permanente, que busca rebater Radek (de maneira até ácida), mas também explica sua interpretação da teoria para Preobrazhenski, sem, contudo incorporar suas críticas, especialmente em torno da possibilidade de lideranças pequeno-burguesas (social-democratas, stalinistas e nacional-democráticas) dirigirem revoluções proletárias democráticas bem sucedidas e mesmo serem forçadas pelas condições objetivas (contra sua vontade ou consciência) a iniciar revoluções socialistas.

A atualização de Moreno à teoria trotskista
Será esse resgate da controvérsia que Nahuel Moreno utilizará para atualizar o programa e a teoria trotskista diante da realidade histórica de quatro décadas do pós-Segunda Guerra, que foi diferente das teses de Trotsky que dizima ser impossível a implantação de outros estados operários além da URSS e a iminência não concretizada da ascensão à condição de influência de massa dos partidos trotskistas.

O mais importante livro de Moreno foi “Teses para Atualização do Programa de Transição”. Nele, mais do que no “Morenaço” (O Partido e a Revolução) – que narra as experiências que o movimento trotskista teve no pós-Segunda Guerra e como deveria ser sua forma de atuação, resgatando-o dos desvios centristas que vinham incorrendo – está o resumo do acúmulo do aprendizado que o movimento trotskista internacional teve em quatro décadas. Foi escrito no início da década de 1980.

Moreno pretende atualizar as teses presentes no documento da fundação da Quarta Internacional, o “Programa de Transição”, e, indiretamente, aperfeiçoar a teoria ali presente. Expondo as diferenças histórico-estruturais com o período em que Trotsky escreve o “Programa de Transição” e a necessidade de atualizar as teses – que estavam levando a incorreções na elaboração de políticas pelos revolucionários trotskistas, pois haviam caducado, como comprovavam os fatos.

Todavia, para Moreno, o conjunto da teoria presente no Programa de Transição havia sido confirmado pela História. Comprovou-se o vigor dos Estados Operários, a permanente tendência traidora das direções burocráticas stalinistas e social-democratas, a vacilação e a limitação do reformismo. Também a importância de construir partidos bolcheviques para a concretização de novos “outubros” e de fazer revoluções políticas contra a burocracia operária, a capacidade de vitória da aliança operário-camponesa, da lutas antiimperialistas e contra opressão racial, sexual, etc.

Por outro lado, adicionava à teoria marxista revolucionária a categoria das “revoluções de fevereiro”, referindo-se à revolução russa de fevereiro, que derrubou o regime autoritário do czar, implantando uma democracia. Tal adendo corrigiria uma omissão na teoria original, que levava a concluir que todas as revoluções vitoriosas seriam apenas do tipo “outubro” e todos os processos revolucionários vitoriosos seriam sob comando dos trotskistas.

As “revoluções de fevereiro” seriam revoluções operárias-populares de caráter democrático, mas sob liderança de direções pequeno-burguesas, que poderiam, sob condições especiais, evoluir para a tomada dos meios de produção e do Estado das mãos da burguesia (expropriação e derrubada do Estado burguês).

As revoluções do século XX, excetuando a de outubro de 1917 na Rússia, foram todas revoluções de fevereiro, sendo que algumas avançaram mais que sua direção – stalinista, social-democrata, nacional-democrática, guerrilheira – queria, resultando, colateralmente, na implantação de Estados Operários, na medida em que, por um lado, a burguesia desconfiada, desafiada ou prejudicada rompia com os governos ou com regimes implantados por essas direções no poder, ou, por outro lado, o movimento operário-popular, paulatinamente fortalecido, fazia-lhes grandes exigências e pressões, empurrando-os a avançar.

Porém, pelo caráter burocrático das direções, acabam moldando o Estado num caráter degenerado (“Estado operário burocrático”). Tal situação fortaleceu o imaginário do proletariado e das camadas populares em torno dessas direções e deu a elas fortes aparatos institucionais, que fizeram estagnar as revoluções ou mesmo abortá-las, nunca expandindo a revolução para além das fronteiras nacionais.

O “outubro” russo seria uma exceção, embora tenha se degenerado posteriormente. A revolução foi possível pela presença, naquela época, até então inédita, de um partido leninista de influência de massas dirigindo o processo: marxista, centralista-democrático, formado por revolucionários profissionais e internacionalistas, que disputa a direção de organismos dos trabalhadores e seus membros vindos do operariado. Essa situação que não mais se repetiu pela degeneração burocrática proporcionada pelo stalinismo na Internacional Comunista e pela fraqueza do trotskysmo.

Trotsky se equivocara por uma razão. Depositou, na análise teórica, muito peso sobre os sujeitos sociais. O sujeito social da revolução seria o proletariado (especialmente o operariado), e o grupo dirigente seria a vanguarda operária organizada num partido centralizado (o partido leninista). Equivocou-se, assim, ao negligenciar ou subestimar a importância das condições objetivas que lhe determinam ações; que imporia aos sujeitos papéis que contradizem a sua própria natureza original. Preobrazhensky acertara nesse item, parcialmente, ao incorporar tal perspectiva.

Trotsky cometera um desvio “subjetivista”, calcado exageradamente na relevância da consciência dos sujeitos, da sua vontade, decisões e compreensão política. Possivelmente causado pela sua tendência, acertada, mas sobredimensionada, de caracterizar que a resolução das contradições nos processos sociais se efetua no plano político, onde o subjetivo tem maior relevância.

Por sua vez, Preobrazhensky, que era um economista, equivocara-se por esquecer da política, cometendo um desvio “objetivista”. Não via que, na ausência de partidos leninistas, a revolução irremediavelmente seria traída ou se degeneraria.

Os trotskistas sem Trotsky, que poderia atualizar suas posições, e a todo o momento surpreendidos com esse fenômeno, acabavam capitulando a essas direções ou não se armando politicamente para dirigir o movimento de massas, perdendo, assim, o espaço político aberto com situação do capitalismo do pós-Segunda Guerra, que foi extremamente favorável às revoluções proletárias.

É preciso acrescentar que as tentativas de repor esse déficit teórico até então foram feitas de maneira eclética, incorporando elementos não-trotskistas ou mesmo não-marxistas, por dirigentes trotskistas reformistas ou centristas, resultando em revisionismos e políticas traidoras. Nesse rol, incluem-se os oponentes de Moreno na orientação política da Quarta Internacional, tais como Ernest Mandel, dirigente central do Secretariado Unificado da Internacional.

Segundo Moreno, aos trotskistas da atualidade caberia entender esses fenômenos não-previstos por Trotsky e seguir no trabalho de constituir novos partidos leninistas pelo mundo sob um comando internacional, isto é, construir o partido mundial da revolução. Esse pressuposto vinha, paulatinamente, sendo abandonado ou negligenciado pelos dirigentes trotskistas. Seguindo a conclusão de Trotsky, não se poderia depositar confiança alguma nas direções burocráticas e pequeno-burguesas, prosseguindo no trabalho iniciado com a Quarta Internacional.

Assim, a Teoria da Revolução Permanente ganha um caráter maior que uma leitura inicial das obras de Marx e Trotsky. De uma mera teoria que conclui que, por um lado, a revolução proletária democrática pode e deve se transformar em socialista e, por outro, a revolução socialista que triunfa num país implantando um Estado Proletário deflagra sincronicamente uma revolução mundial da qual depende para sua sobrevivência, a revolução permanente passa a tratar também – com maior clareza do que nos textos de Trotsky – que o triunfo da revolução socialista depende da derrota, nas fileiras do movimento de massas, das direções pequeno-burguesas e burocrático-operárias, a chamada “revolução política”.

Para Trotsky, diante da força interna do stalinismo na URSS e de sua capacidade de frear a revolução e bloquear sua mundialização, a melhor forma de fragilizá-la, abrindo espaço interno para atuação de um partido trotskista que lidere a luta por sua derrocada, seria a constituição de novos Estados proletários revolucionários em outros países: mundializar a revolução. Entretanto, para que esses novos estados sejam proletários revolucionários e não burocráticos, as direções dessas revoluções não poderia ser de pequeno-burgueses ou da burocracia operária, mas de revolucionários do tipo leninistas.

O emprego da expressão “revolução política” por Trotsky seria porque o processo de derrota da liderança stalinista dentro da URSS não seria de maneira pacífica e institucional, mas consistiria de uma nova revolução. Uma revolução não de caráter social, de derrota de classe social dominante, pois, para Trotsky, os stalinistas se enquadrariam, do ponto-de-vista de classe, nas camadas burocráticas da classe trabalhadora e em alguns setores pequeno-burgueses, mantendo-se pela burocratização das instituições da democracia proletária interna, devendo, portanto haver uma revolução no plano político para derrubá-las.

Moreno diz que a revolução política não seria apenas a derrubada da burocracia operária na URSS pelos trotskistas e pela vitória da revolução mundial, como defendia Trotsky, mas também – ampliando o espaço de aplicação desse conceito – à imperativa derrota dessas direções em todo o movimento de massa. Assim, o poder político dessas camarilhas volta para as mãos das instituições da democracia operária e das lideranças revolucionárias, as únicas que lutam conseqüentemente pela implantação e manutenção da ditadura do proletariado. Reafirmava-se e ampliava-se, assim, a importância da “revolução política” e dos partidos trotskistas.

Porém, ao incorporar outros elementos do pensamento de Preobrazhensky (o que Moreno faz, mas explicita ou sistematiza), podemos entender que a luta pela revolução permanente, na verdade, quer dizer que a revolução proletária pode e deve seguir um rumo permanente na construção das condições obrigatórias à transição das sociedades ao socialismo. As tarefas revolucionárias não se encerram com a implantação da ditadura do proletariado e da nacionalização da grande propriedade dos meios de produção num determinado país.

É necessário, ao mesmo tempo, completar as tarefas não concretizadas pelo capital e pela burguesia, usando sua força de maneira consciente para reorientar seus resultados a serviço da construção do socialismo. É preciso revolucionar as tecnologias, os padrões e métodos de produção, a organização e a estrutura produtiva, a gestão da economia, que desenvolverão a sociedade até o socialismo, não de maneira linear, mas por saltos. Medidas que serão de iniciativa do movimento de massas intensamente mobilizado, mesmo num Estado Proletário, o que, por sua vez, evitará os obstáculos peculiares, como qualquer estagnação degenerante.

A construção (transição) do modo de produção socialista se dá, talvez mais distinta do que os outros modos de produção, da forma mais dialética possível, em permanente revolução.

O caráter marxista das contribuições de Moreno
Contudo, uma pergunta poderia ficar no ar. Esse aperfeiçoamento realizado por Moreno seria uma revisão da teoria trotskista? Não.

Em nada seria uma revisão, pois as bases teóricas e metodológicas desta foram mantidas. Manteve-se o respeito ao método marxista de entendimento da realidade (materialismo dialético). Foram preservadas e muito bem utilizadas as categorias do materialismo histórico. A concordância com a estratégia revolucionária elaborada por Marx, Engels, Lênin e Trotsky (independência de classe, democracia proletária, destruição do Estado burguês e substituição pelos organismos de poder proletário, partido proletário de caráter socialista, etc.) permaneceram.

Entretanto, setores marginais no movimento trotskista acusam Moreno de revisionista. Esse são marginais justamente por seu alheamento da realidade. Por serem marginais, não têm inserção real no movimento de massas e, logo, não lidam com a realidade. Assim, não têm conhecimento da necessidade de atualizar a teoria diante de novas realidades, bem como aperfeiçoar eventuais falhas e omissões.

Devemos lembrar do marxismo como ciência que, conseqüentemente, necessita ser atualizado sempre e é passível sim de ser aperfeiçoado e mesmo corrigido. Ao contrário de uma posição antidialética que sempre o encararia estaticamente, como uma espécie de dogma.

A atualização do Programa de Transição e o aperfeiçoamento da Teoria da Revolução Permanente são a grande contribuição de Moreno ao socialismo e ao marxismo, juntamente com a luta de uma vida inteira pela manutenção da corrente trotskista no movimento de massas, independente, capaz de intervir na luta de classe e não-capituladora. Foi isso que o levou a criar a Liga Internacional dos Trabalhadores, na tentativa conseqüente de reconstruir a Quarta Internacional, somente possível por conta de suas contribuições teóricas.

*Almir é militante do PSTU, economista pela Universidade Federal Fluminense e mestrando na Universidade Federal de Uberlândia.