Sem-teto marcham quilômetros para protestar no segundo maior hipermercado do mundo
Kit Gaion

Na manhã desta quarta-feira, 19, cerca de 2 mil pessoas marcharam nas ruas de São José dos Campos (SP). Eram mulheres e homens, crianças, idosos, enfim, trabalhadores que saíram da ocupação Pinheirinho, na Zona Sul da cidade, e foram até o hipermercado Carrefour, na Via Dutra, para protestar. A manifestação foi organizada pelo Movimento Urbano de Trabalhadores Sem Teto (Must) e pela Conlutas, da qual o Must faz parte.

Coordenados com a Jornada Nacional contra a Carestia, realizada em nove estados brasileiros e organizada principalmente pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), os moradores do Pinheirinho levantaram sua bandeira por habitação. O Carrefour foi escolhido por ser a segunda maior rede de supermercados do mundo, perdendo apenas para o Wal-Mart, ou seja, um dos maiores símbolos do capitalismo mundial. A crise econômica foi um dos temas mais citados.

O número de mães com carrinhos de bebês chamava a atenção. Mesmo sem ter com quem deixar seus filhos, elas não se intimidaram e foram à passeata com as crianças. Meninos em bicicletas também seguiam a multidão. O Pinheirinho, que em fevereiro completa cinco anos, é um símbolo de luta por sobrevivência.

Greice, 20 anos, casada e mãe de um filho, mora no Pinheirinho há três anos. Entretanto, participa do movimento desde a ocupação em 2004, pois seu companheiro foi um dos ocupantes. A casa onde mora é habitada por seis pessoas. Ela conta que estava no ato porque não tem “onde morar e o aluguel esta muito caro, então a gente tem que lutar por moradia”. Mas não é só isso. Para ela. O protesto “tem a ver com a crise mundial e pra mostrar nossa união, que a gente também pode fazer alguma coisa”.

Ela acredita que não haja interesse em regulamentar o Pinheirinho. “O prefeito falou que não quer que em São José dos Campos tenha favela, e eu não acho que lá seja uma favela”. Para solucionar o problema, ela só vê uma saída: “regularizando e autorizando a gente a construir nossas casas, porque tem muitas casas construídas, mas tem muitas pessoas também que têm medo de construir”.

Durante a caminhada, Donizete de Almeida, do Sindicato dos Metalúrgicos de São José e da Conlutas, lembrou que “o preço do pão está lá em cima, e o salário lá embaixo” e que “é preciso investir em primeiro lugar no povo, na construção de casas para a população”. Uma moradora contou que há 19 anos está inscrita num programa da Prefeitura para obter uma habitação. Sem alternativa, se tornou uma das bravas lutadoras do Pinheirinho.

Os ativistas caminhavam em duas filas de forma muito organizada. Eles cantavam a palavra-de-ordem “é ou não é piada de salão? / tem dinheiro pra banqueiro, mas não tem pra habitação”. Parodiando, uma moradora cantou: “é ou não é piada de salão? / tem dinheiro pra banqueiro, pra pobre nenhum tostão”.

Um aviso contra os banqueiros e empresários
Chegando ao Carrefour, a Polícia Militar, comandada pelo capitão PM Félix, já aguardava a passeata. Esse policial é o mesmo que comandou a [no hipermercado].

No entanto, os manifestantes entraram no estacionamento do hipermercado, onde houve um ato com falas e palavras-de-ordem. O primeiro a falar no microfone foi Marrom, um dos coordenadores da ocupação. Ele explicou a razão da escolha pelo Carrefour para protestar: “hoje, Carrefour e Wal-Mart são as maiores empresas que vendem alimentos e controlam os preços. O povo que está lá na roça vende barato e o Carrefour aumenta o preço e vende muito caro”.

“O governo federal está indo à imprensa dizer que a Caixa Econômica tem dinheiro para salvar banqueiros falidos, mas nós trabalhadores já estamos falidos há muito tempo e não vemos o governo dar dinheiro. Se tem dinheiro pra banqueiro, então tem que ter para construir casas”, disse. E avisou: “se faltar alimento na mesa, com certeza nós vamos ocupar a Dutra, vamos ocupar este supermercado e vamos dar comida para a população”.

Marrom denunciou que terrenos doados pela prefeitura a empresas – entre eles o do hipermercado – foram doados e vendidos. Alertou, ainda, para uma lei que está sendo formulada pelo ex-prefeito e atual deputado federal Emanuel Fernandes (PSDB) que, se aprovada, proibirá o bloqueio de rodovias em manifestações.

Donizete de Almeida, saudou o protesto em nome da Conlutas e dos sindicatos dos metalúrgicos de São José, dos químicos, dos trabalhadores da alimentação e de todas as entidades e oposições que compõem a Coordenação na cidade. “O capitalismo só beneficia uma parte da humanidade e joga o resto na miséria”, falou. Ele foi interrompido por fortes aplausos quando gritou: “Morte ao capitalismo! Que viva o socialismo!”.

“O primeiro passo é o que vocês estão fazendo, exigindo do prefeito Cury a regulamentação do Pinheirinho. Queremos estabilidade no emprego, nenhuma demissão, redução da jornada de trabalho sem redução de sal´rio para que todos vocês que estão desempregados tenham emprego”, completou.

Toninho Ferreira, candidato a prefeito pelo PSTU nas últimas eleições, estava presente. Ele também é um dos advogados que representa a ocupação. “Queremos um pacote econômico para salvar pobres e não para salvar ricos”, disse. Apontando para os edifícios de luxo que podiam ser vistos do local, falou que “aquele pedreiro que constrói estas torres, estes prédios, o Carrefour, não pode morar neles”.

Sobre a possibilidade de saques, temida pelos empresários e que deixou a PM de prontidão, Toninho afirmou categoricamente que “se a população tiver fome, ela vai sim buscar onde tem”.

Toninho lembrou, ainda, Zumbi dos Palmares e o Dia Nacional da Consciência Negra, 20 de novembro. Ele terminou chamando à população a fazer um novo protesto: “neste momento, o prefeito Cury não está aqui, está passeando nos Alpes Suíços, mas quando ele voltar, devemos fazer uma nova marcha, ir até a prefeitura e cobrar o que ele prometeu na campanha eleitoral”.

Em seguida, Cláudio Rennó, advogado do Pinheirinho, parabenizou os manifestantes e informou que os diretores das duas lojas do Carrefour em São José dos Campos marcaram uma reunião com os coordenadores do Pinheirinho. Segundo Rennó, eles se comprometeram a fornecer cestas básicas e brinquedos para a ocupação. Este não foi um ato de bondade dos gerentes, mas uma conquista da pressão exercida pelo movimento.

Para finalizar o ato, Paulão, também da coordenação do Pinheirinho, apresentou uma pauta de reivindicações que incluía a regulamentação do terreno ocupado, a estabilidade no emprego, a redução de jornada de trabalho sem redução de salários, a não-retirada de direitos, a decretação do dia 20 de novembro como feriado municipal, entre outros pontos. Esta pauta foi votada por unanimidade pelos presentes.

Direto de São José dos Campos