Governo Serra quer expulsar as famílias para construir um parqueAo contrário do que possa parecer, as enchentes não faziam parte da vida dos moradores da várzea do rio Tietê. A primeira vez que houve uma grande enchente foi em 1997, uma década depois do início do bairro. Logo descobriu-se que fora causado pelo fechamento das comportas da barragem da Penha, ordenado pelo governo para evitar alagamentos na marginal. Na época, o carnaval oficial da cidade ocorria no Anhembi e uma enchente causaria um enorme desgaste ao governo de plantão.

O problema é que, fechando as comportas da barragem, a água inundou a área ocupada pelas milhares de famílias que vivem na várzea. Na época, houve grande mobilização contra o fechamento. “Ameaçamos até explodir a barragem caso não fosse aberta”, relembra Ronaldo. Após 18 dias, finalmente as comportas foram abertas e a água baixou quase que instantaneamente.

Após esse episódio, uma nova enchente ocorreu somente em 2006, mas mesmo assim em proporções muito inferiores. Nada comparado à tragédia que se abateu sobre a população agora, em dezembro. Dois fatos apontados pelos moradores indicam que não foram as chuvas as causadoras das enchentes.

Verdadeiro culpado
“Antes mesmo da grande chuva do dia 8, quando inundou tudo, muitos moradores vieram comentar comigo que os córregos e o rio estavam quase transbordando, isso desde o dia 3”, afirma o líder comunitário Ronaldo Souza. Keillane, autora de uma das fotos dessa página, comenta um episódio no mínimo estranho. “Choveu e aí depois é que alagou. Quando a água subiu, a chuva já tinha parado”, lembra.

Ao contrário do que mostra a imprensa e das declarações do governador José Serra (PSDB) e do prefeito Gilberto Kassab (DEM), os moradores sabem que não foram as chuvas que inundaram as casas. Sabem que a inundação foi causada pelo fechamento da barragem da Penha. Porém, isso por si só não explicaria uma tragédia desta proporção.

Para eles, a inundação foi uma ação premeditada do governo Serra e Kassab como forma de expulsar as milhares de famílias da região. Para isso, foram abertas as comportas das barragens do alto Tietê e fechada a da Penha, colocando toda aquela área da Zona Leste debaixo d’água.

Esta seria a última cartada do governo Serra para tirar de lá essas famílias e ter o caminho livre para a construção de um parque linear na várzea do Tietê, projeto que é carro chefe de seu governo e com grande apelo eleitoral. Durante todo o ano de 2009, o governo pressionou as famílias para que deixassem a região. “Primeiro tentaram tirar a gente daqui com as máquinas (de demolição), agora mandaram a água”, conta Arlete.

Com a resistência, o governo teria forçado a inundação com o argumento de que a área seria “de risco” e, portanto, imprópria para a moradia. O irônico é que foi o próprio governo que incentivou a ocupação.

As origens
A ocupação da várzea do Tietê começou ao mesmo tempo em que o governo estadual aterrava a área e construía a rodovia Ayrton Senna. “Em 1986 teve uma ocupação no Itaim Paulista e o governo não tinha onde colocar essas pessoas, então colocou na beira do rio, deu uma cesta de material de construção para elas fazerem suas próprias casas”, relembra Ronaldo.

A ocupação reunia inicialmente 300 famílias, e em um ano eram 3 mil. A área só foi considerada de proteção ambiental em 1998, quando o Jardim Pantanal já era um bairro consolidado. O que no começo era uma solução, um lugar para abrigar as famílias num período em que o aluguel em São Paulo atingia seu maior valor e os despejos se alastravam, virou logo um obstáculo ao governo.

Já os moradores nunca tiveram sossego. Construíram lá suas casas e logo viram seu bairro se transformar num enorme piscinão para conter as águas que inundariam a marginal Tietê. Agora, são vítimas de um crime premeditado pelo governo estadual, em conluio com o municipal, para abrir espaço para o parque de Serra.

Ação e reação
Na parte do Jardim Pantanal mais próxima ao rio Tietê, há muita lama, lodo e casas destruídas. As poucas casas que permanecem de pé são marcadas com um “x”, sinal de que serão logo demolidas.

A prefeitura mal esconde sua intenção de expulsar as famílias. Pressionam os moradores para que assinem e aceitem o auxílio-aluguel de R$ 300. Muitos moradores que perderam tudo na enchente e não conseguiam voltar para casa acabaram aceitando e, quando voltaram, encontraram apenas destroços. Por isso, o auxílio-aluguel está sendo chamado de esmola. “Quero ver o prefeito encontrar um lugar pra morar com 300 reais”, desafiava uma moradora.

No momento de maior crise, quando a água tomava boa parte do bairro e havia inúmeros desabrigados, a prefeitura chegou a impedir que as famílias se abrigassem nas escolas da região. “Tivemos que arrombar o cadeado e fomos reprimidos pela polícia”, conta Ronaldo. Tudo para que as famílias aceitassem o auxílio-aluguel e deixassem suas casas.

Os moradores do Jardim Pantanal, porém, após anos de luta, não estão dispostos a largarem suas vidas para trás e resistem. Em vez de escolherem o caminho do desespero, resolveram lutar.

*(Colaborou Vinícius Psoa)

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