Concentração midiática faz parte da estrutura de poder no Brasil. Para superá-la, é preciso questionar a propriedade privada dos meios

Ao que tudo indica, o PSTU terá na eleição para a prefeitura de São Paulo seis segundos de televisão. Nosso tempo, que já era pouco, ficou ainda menor depois da aprovação da Reforma Eleitoral de 2015. Na época, alegou-se que o objetivo era criar obstáculos aos partidos de aluguel, mas acabou afetando apenas os partidos ideológicos, como o PSTU, PCB e PCO. Isso sem falar na exclusão dos debates por conta das emissoras.
 
Não é preciso fazer um grande esforço para ver como uma situação dessas é, no mínimo, contraditória com a propaganda que a burguesia faz de sua democracia. Não há debate quando alguém pode falar minutos e outros apenas alguns segundos. Além disso, os mesmos candidatos que dispõem da maior parte do tempo de propaganda eleitoral são os mesmos que contam com o apoio da grande imprensa.
 
Além disso, com o crescimento e a formação de grandes centros urbanos, é fácil entender a centralidade que a comunicação assume nas democracias contemporâneas. Numa cidade como São Paulo, por exemplo, não é possível chegar corpo a corpo aos seus milhões de habitantes. A única alternativa de fato é a mídia.
 
Capitalismo e imprensa no Brasil
Acontece que, sob o capitalismo, em que prevalece a propriedade privada e a lógica do lucro e do mercado, a imprensa torna-se também mercadoria, inclusive o próprio jornalismo dito imparcial. Obviamente, a maior parte da mídia está sob o controle da burguesia e atende aos seus interesses econômicos, ideológicos e políticos.
 
E atende bem. Tão bem que a burguesia nunca deu de graça a liberdade de imprensa. Desde os tempos do Império, concessões e permissões para realizar algum tipo de atividade de imprensa são negociadas em troca de apoio político. Até por volta dos anos 1940, para se boicotar um jornal de oposição, cassava-se sua licença para importação de papel. Após esse período, com a popularização do rádio e da tevê, a moeda de troca do apoio político passou a ser a outorga e a renovação de concessões de rádio e televisão.
 
Moeda de troca
Isso acontece com as rádios e televisões por três motivos: primeiro, porque é de interesse da burguesia manter sob seu controle a mídia; segundo, porque num país de tamanho continental como o Brasil, o poder federal tem de negociar apoios regionais e locais para governar; e, terceiro, porque toda a legislação elaborada para o setor favorece essa prática.
 
Funciona da seguinte maneira: durante o regime militar, por exemplo, havia interesse por parte dos ditadores de promover a formação de uma cadeia nacional de televisão que servisse aos propósitos de integração e unidade nacional. E assim nasceu a Rede Globo e suas afiliadas.
 
Além de investir em toda a infraestrutura, os governos militares também distribuíram concessões para aliados regionais em troca de apoio político ao governo ditatorial. Não é coincidência, portanto, que caciques e oligarquias de vários estados e regiões do país sejam, além de governadores, deputados e senadores, também donos de emissoras de televisão. Para citar alguns exemplos: família Barbalho no Pará; Sarney no Maranhão; Magalhães na Bahia; Collor de Mello em Alagoas; Jereissati no Ceará e outras.
 
“Redemocratização”
O fim dos governos militares e a redemocratização pouco mudaram o panorama da mídia no Brasil. Pelo contrário, com ela se aprofundou a prática de barganha das concessões por apoio político. A única mudança foi que, ao invés de se trocar concessões de tevê com oligarquias estaduais, passou a se barganhar concessões de rádio e tevês educativas por apoio de políticos locais.
 
Na verdade, essa prática começou no final do regime militar. O general João Figueiredo, já planejando a sua saída e a chamada transição lenta e gradual, outorgou cerda de 100 concessões nos seus últimos meses de presidência – mais de uma por dia. O auge, no entanto, acontece no governo Sarney. O então ministro das comunicações, Antônio Carlos Magalhães, foi responsável por mais mil outorgas. Boa parte a políticos e aliados.
 
Essas outorgas foram usadas como moeda de troca nas negociatas anteriores à Constituinte de 1988. Na época estava em jogo o modelo presidencialista de governo e o mandato de cinco anos do então presidente José Sarney.
 
Método semelhante foi usado por Fernando Henrique Cardoso. Mesmo tento estabelecido o critério de licitação para as outorgas, o presidente tucano usou as concessões para barganhar apoio político. Especialmente nas negociações de apoio à sua emenda nº 16, que permitiria a sua reeleição presidencial. Lula e o PT, que tanto reclamam da mídia golpista, mantiveram a prática, distribuído concessões a políticos aliados. Inclusive, Lula inseriu a SRI (Secretaria de Relações Institucionais) no processo de análise de outorgas. Órgão que tem justamente entre uma de suas funções estabelecer relações entre municípios e o poder federal.
 
 
Democracia dos caciques, padrinhos e coronéis
Mesmo com todas as dificuldades na obtenção de dados e na falta de transparência sobre o assunto, uma pesquisa realizada em 2007 por Venício Lima e Cristiano Lopes mostra que entre 1999 e 2004 cerca de metade das concessões de rádios comunitárias foram dadas a políticos. Prática explicitamente vedada pela legislação brasileira. Pela lentidão com que se gesta políticas de comunicação no país, é de se supor que nada mudou desde então.
 
O resultado dessa prática é nefasto. Anos de barganha das concessões de rádio e tevê em troca de apoio político nos levou a um sistema de mídia entre os mais concentrados do mundo. E não só economicamente. Mas também politicamente, uma vez que boa parte das concessões é controlada direta ou indiretamente por uma casta burocrática de políticos tradicionais e seus familiares. Em bom português: a tal democracia burguesa no Brasil tem pouco de democrática. Seja na política, seja na mídia, ainda permanecemos sob os mandos e desmandos das oligarquias familiares, dos caciques políticos, dos ricos e dos poderosos.
 
Para ter democracia é preciso questionar a propriedade
A mídia não é toda poderosa, como dizem alguns. Porém, de fato, ela cumpre um importante papel na construção de consensos políticos. Por isso a burguesia a trata com tanta atenção. E no caso brasileiro, a mídia cumpre não só um papel ideológico, mas também desempenha um papel importante na estruturação das relações de poder. Ela é moeda de troca entre políticos nacionais regionais e locais.
 
Por tudo o que foi dito, não é possível esperar que a situação se resolva simplesmente com a regulamentação da mídia. É certo que devemos exigi-la como reconhecimento público e político de uma situação calamitosa. Mas isso afetaria toda uma estrutura de décadas consolidada no país e que ajuda a sustentar o poder. É difícil imaginar que algo do tipo passe por um Congresso de corruptos, tal qual o que nós temos.
 
Tampouco é possível pensar em formas de “radicalização da democracia” sem considerar o atual quadro de concentração da mídia no Brasil. É inocência acreditar que isso se resolveria com uma suposta melhor gestão do Estado. Os projetos de “radicalização da democracia” são, na verdade, promessas insuficientes e inconsequentes que não levam em contam as deformações estruturais da democracia burguesa.
 
O caso da mídia no Brasil é um bom exemplo disso. Parte fundamental da construção de uma verdadeira democracia passa pela democratização da mídia. Mas não há mudança de fato se não começarmos a questionar a propriedade privada desses meios.