LIT-QI

Liga Internacional dos Trabalhadores - Quarta Internacional

Todos acompanham com comoção o desenvolvimento da tragédia humanitária em Moçambique. O ciclone Idai causou uma gigantesca devastação e estima-se que serão afetados cerca de 3 milhões de pessoas. Mas será esta tragédia fruto apenas de um desastre natural? Ou as condições de desenvolvimento do país agravam os efeitos da mesma?

Em Luta – Portugal

Ciclone Idai: consequência do aquecimento global

A ocorrência de ciclones nos meses de janeiro a março não é um fenômeno anormal naquela região. O que é invulgar é a intensidade e duração do ciclone Idai. Numa escala baseada na velocidade dos ventos, o ciclone teve a intensidade de 3 numa escala de 1 a 5. Durante cinco ou seis dias, despejou água em terra, sendo que a duração habitual é de dois ou três dias. Esta chuva intensa, somada às chuvas que já haviam ocorrido antes do ciclone, é que levou à inundação de uma imensa área de cerca de 1300 Km2, atingindo as províncias de Sofala, Manica e Zambézia, sendo a cidade da Beira a mais afetada.

As condições específicas de Moçambique, naturais e humanas, deixaram-no mais exposto às consequências do ciclone: as grandes áreas baixas junto à costa e a precariedade das construções.

Em entrevista ao jornal Público,o professor Filipe Duarte Santos, do Departamento de Física da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, relaciona a intensidade do ciclone com as alterações climáticas. “Aparentemente, a causa desta maior frequência dos ciclones mais intensos tem a ver com o aumento da temperatura das águas superficiais dos oceanos que, desde o princípio do século XX, foi superior a 1ºC”. E, por isso, afirma que o ciclone Idai terá sido o mais intenso e poderá não ser o único.

Portanto, esta não é uma catástrofe “natural”, mas sim consequência do aquecimento global, fruto da exploração capitalista desregulada e irracional. Estando os países menos desenvolvidos e, consequentemente, com menos condições materiais muito mais expostos aos impactos devastadores da intensificação destes fenômenos.

O “subdesenvolvimento” de Moçambique é fruto da colonização
Moçambique tem um dos menores IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do mundo, está na 180ª posição, estando acima apenas de países como Serra Leoa, Nigéria e Burkina Faso. A agricultura é responsável por 81% da economia do país, sendo que 80% desta produção é para economia de subsistência. O PIB é o 113º do mundo no ano de 2015 e sua dívida pública é de 80% do PIB, agravada pelas relações de corrupção entre os governantes do país e os bancos internacionais. No ano de 2015, 60% da população vivia em pobreza extrema, uma das maiores percentagens registadas a nível mundial.

Como sabemos, estas condições econômicas não são resultado apenas da má gestão dos governantes pós-independência (1975) ou da longa guerra civil que assolou o país (1977-1992). Claro que as mesmas agravam a falta de desenvolvimento do país. Se após a independência do país se tivesse avançando para a construção de um Estado e de uma economia para os trabalhadores, a história poderia ser outra. Porém, o país já partia de condições econômicas extremas, consequência dos vários séculos de saque colonialista. O roubo das riquezas naturais (ouro, prata, marfim) e da riqueza humana através do tráfico de escravos, bem como a política do imperialismo português de não desenvolvimento nas suas colônias são os principais responsáveis pelas condições precárias da população moçambicana.

É esta situação que leva à impossibilidade de, hoje, o país responder adequadamente a fenômenos como o ciclone Idai, tanto na prevenção quanto na reconstrução do país. Basta comparar as medidas que os EUA podem tomar perante situações semelhantes.

Recentemente, foi organizada pelo governo norte-americano a evacuação de 1,5 milhões de pessoas para remediar as consequências do furacão Florence (2018), tendo morrido 48 pessoas. O custo e logística de uma operação como esta é enorme, sendo poucos os países capazes de a realizar.

Já com o furação Katrina (2005), que devastou uma gigantesca área na região metropolitana de New Orleans, matando quase 2000 pessoas, não houve esta grande evacuação. Esta catástrofe causou uma perda de 80 bilhões de dólares, sendo responsável pela migração de um milhão de pessoas para outras regiões dos EUA. O ciclone Idai já pode estar perto de atingir três milhões de pessoas. Que alternativas e apoios terão para migrarem da área devastada? Claramente, será um agravar da crise de refugiados, onde a União Europeia e os países que lucram com a exploração neocolonialista dos países africanos, demonstram bem claro o seu papel de Europa fortaleza.

Portanto, tanto na prevenção quanto na reconstrução do país são precisas condições materiais que – por conta da colonização e neocolonização do país -, hoje, Moçambique não tem.

Não é ajuda humanitária é reparação
Como se demonstra, a tragédia vivida hoje em Moçambique tem responsáveis e na sua maioria são responsáveis externos. Portugal, que espoliou as riquezas do país durante séculos, e os países imperialistas que hoje continuam a explorar o país através do garrote da dívida e de empresas multinacionais. Também são responsáveis os países que mais contribuem para o aquecimento global, como EUA, China, Alemanha, Canadá, Japão. Os 10 maiores emissores de gases com efeito de estufa são responsáveis por 60% das emissões, gerando e intensificando fenômenos como o ciclone Idai.

Estes países devem ser responsabilizados e devem arcar com as consequências da tragédia. Não basta agora vestirem a camisola da ajuda humanitária e darem migalhas para remediar a situação. Para impedir uma tragédia ainda maior, pois o número de pessoas desalojadas é incalculável e a falta de condições para sobrevivência poderá multiplicar o número de mortos, é preciso mais do que migalhas.

Para salvar os bancos, o estado Português entregou cerca de 17 mil milhões de euros, veremos qual será a relação entre este valor e o que dará para reverter a tragédia em Moçambique, da qual é corresponsável.

A ajuda humanitária é necessária imediatamente. A ajuda com suplementos, roupas, comida, a ajuda médica; com profissionais qualificados, como bombeiros; também a ajuda financeira. Podendo aí também as organizações sindicais e de trabalhadores pelo mundo se organizarem para recolher ajuda numa solidariedade de classe internacional.

Mas será preciso muito mais do que ajuda material, pois as consequências da tragédia serão gigantescas na economia do país. É preciso o perdão da dívida pública, que enforca o orçamento do país, para garantir a reconstrução de Moçambique. Não é esta uma medida de ajuda humanitária, mas de reparação histórica das condições a que o roubo imperialista relegou o povo moçambicano. Chega de dar dinheiro aos bancos e multinacionais, foram eles que causaram esta tragédia e eles que devem pagar por ela.

Os capitalistas destroem o planeta e suas riquezas, dentre elas a humanidade, e devem pagar pelas consequências das suas ações. Mas demonstram assim a falência do próprio capitalismo, onde em nome do lucro exploram e destroem povos e o próprio Planeta. Só poderemos reverter isto mudando radicalmente a forma de produção da nossa sociedade e construindo uma economia planificada voltada para as necessidades da maioria e não para o lucro de alguns.