Existe uma possibilidade de que os movimentos sociais se enfrentem com o governo Lula, neste segundo mandato, num nível qualitativamente superior ao primeiro. Por seus compromissos com Bush e as grandes multinacionais, Lula sabe que vai ter de atacar os direitos dos trabalhadores com reformas neo¬liberais mais duras (como a previdenciária e a trabalhista e sindical). Apesar da popularidade atual, Lula sabe que ela pode acabar caso exista um confronto com os trabalhadores. As grandes convulsões ocorridas na América Latina justificam este temor.

Um dos segredos que explicam o controle que o governo mantém até agora sobre os trabalhadores e estudantes foi o apoio da CUT, da UNE e do MST no primeiro mandato, mas isso custou o desgaste destas forças no movimento. O surgimento da Conlutas e o Encontro Nacional Contra as Reformas Neoliberais, no dia 25 de março, acenderam um sinal de alerta no governo. Está claramente colocada a possibilidade de um plano nacional de lutas de massas, dirigido por fora das entidades “chapas-brancas”. A unificação das mobilizações sindicais atuais, os atos combativos no 1º de Maio, a semana de mobilizações de 21 a 25 de maio e a mobilização contra a reforma da Previdência no segundo semestre, em Brasília, podem construir uma mobilização de massas e uma alternativa de direção de esquerda contra o governo.

Mais ainda, a força do movimento foi tanta que atingiu o MST, que é parte da base de apoio ao governo. O movimento enviou representantes ao encontro do dia 25.

Existe agora uma contra-ofensiva do governo para tentar retomar as rédeas do movimento. Ela se dá por duas vias principais. A primeira é a tentativa de fazer mobilizações que, apesar de dis¬farçadas, são a favor do governo. A segunda é uma pressão clara sobre a direção do MST para que não rompa com Lula.

A ‘mobilização’ chapa-branca
A manobra pensada pelo governo, encaminhada pela CUT e pelo PCdoB, é a defesa do veto de Lula à Emenda 3 do projeto da Super-Receita. A Super-Receita é um projeto reacionário, a serviço das reformas neoliberais de Lula e Bush. Ela funde a fiscalização da Receita Federal com a da Previdência e des¬loca a cobrança e a administração da contribuição previden¬ciá¬ria para o Ministério da Fazenda.

Os recursos que deveriam sustentar a aposentadoria dos trabalhadores passam a ser controlados diretamente pela Fazenda, cujo objetivo central é o pagamento das dívidas aos banqueiros. Assim, vai se generalizar o desvio do dinheiro da aposentadoria, como já acontece com os recursos da Con¬tribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins). É este desvio que gera o famoso “déficit da Previdência”, que não existe. Com a Super-Receita, isso vai se ampliar.

Além disso, vai aumentar o campo da Desvin¬culação das Receitas da União (DRU), mecanismo que permite ao governo deixar parte do orçamento nacional sem um destino definido. Dessa forma, o governo pode aumentar sem controle a parcela a ser paga aos banqueiros pelas dívidas interna e externa.

Na votação da Super-Receita no Congresso, a oposição burguesa introduziu a famosa Emenda 3, que piora ainda mais o projeto. A emenda impede os fiscais de multarem os patrões que burlam direitos trabalhistas, se disfarçando de “empresas de uma pessoa só” – a chamada pessoa jurídica.

A partir daí, se armou uma grande jogada política. Lula vetou somente a Emenda 3 e acertou com a CUT uma “mobilização” em defesa de seu veto. Na verdade, por ter maioria parlamentar, Lula reúne todas as condições de bancar o veto. Além disso, está negociando um acordo com a oposição burguesa para um novo texto em comum. A Emenda 3 vai funcionar como a história do bode na sala: ao ser retirada, permitirá o apoio ao reacionário projeto da Super-Receita, como uma “vitória do movimento”.

A “mobilização” da CUT serve para que a entidade possa mover suas bases em apoio ao governo (e seu veto à emenda 3). Ao lado de outros setores pelegos, a CUT convocou mobilizações no dia 10 de abril e está prometendo uma outra maior para o dia 23. Assim, estes setores estão buscando competir com as mobilizações contrárias ao governo, que são parte do plano de lutas definido pelo encontro do dia 25.
Post author Dirceu Travesso, de São Paulo (SP)
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