Nas últimas semanas, o Irã foi sacudido por mobilizações de massas devido a denúncias de fraudes eleitorais. O levante começou quando uma agência iraniana de notícias proclamou o atual presidente Ahmadinejad vencedor com 63% dos votos, contra apenas 33% de seu opositor Moussavi.

As mobilizações colocaram em xeque a reacionária república teocrática do país, controlada pelo clero xiita. O levante popular exigiu liberdades democráticas e foi reprimido com grande brutalidade pelo governo. Estima-se que ao menos 20 pessoas morreram, como a jovem Neda, morta com um tiro no peito.

UM REGIME REACIONÁRIO
Consolidado na base de uma sangrenta repressão, o regime islâmico incorporou a maior parte das frações burguesas existentes no país. Sob a ditadura dos aiatolás, a renda petroleira iraniana foi a base para um amplo processo de enriquecimento e corrupção de distintas alas da hierarquia religiosa, seus familiares e burgueses associados ao regime. Processo semelhante ocorreu em outros países petroleiros, como Arábia Saudita e Venezuela.

Um dos homens mais ricos e poderosos do Irã é justamente o aiatolá “oposicionista” Ali Akbar Hashemi Rafsanjani, ex-braço direito do líder da revolução, o aiatolá Khomeini. Atualmente, ele é líder da Assembleia dos Especialistas, grupo de clérigos responsável por eleger e até substituir o líder do país.

A disputa pela renda petroleira é o que explica as diferentes alas do regime iraniano e as transformações políticas de muitos de seus líderes. No entanto, com o passar dos anos, a batalha interna entre as frações burguesas do Irã foi aumentando. A crise econômica acirrou ainda mais a disputa entre elas.

O descontentamento de massas, apesar da proibição de se expressar livremente (em partidos políticos, sindicatos e imprensa livres), seguiu se manifestando de forma distorcida por dentro do regime. Como todo o processo político era concentrado dentro das instituições da república islâmica, apareceram alas que buscavam dar alguma margem de expressão que desafogasse a pressão interna. Parte disso foi o período das “reformas” de Khatami entre 1999 e 2005, em que uma parcela da juventude estudantil se mobilizou para pressionar por uma “abertura”. Khatami era mais propenso a reformas no regime, mas para salvá-lo, dando algumas aberturas democráticas. No entanto, nenhuma das reformas foi implementada efetivamente. Foram vetadas pelos aiatolás e Khatami acabou por aceitar o veto.

A evolução política de Rafsanjani também é um exemplo dessa disputa entre as frações. Depois da revolução de 1979, ele foi o primeiro presidente do Parlamento, de 1980 a 1989. Foi justamente em seu mandato que a totalidade de partidos e organizações políticas, sindicatos e organizações feministas foi perseguida, com seus membros presos, torturados e executados.

Posteriormente, presidiu o Irã por dois mandatos, até 1997. Hoje, apoia uma reaproximação com os imperialismos europeu e norte-americano. E foi o articulador da candidatura do oposicionista Mir Hussein Moussavi.

Em 2005, Ahmadinejad, ex-prefeito de Teerã, com uma retórica populista, derrota Rafsanjani, que era apoiado por Khatami. Ahmadinejad representa o setor mais ligado ao aiatolá Ali Khameni, autoridade suprema no Irã, e aos cléricos considerados conservadores, que querem negociar com o imperialismo em melhores condições. Os protestos atuais só escancararam ainda mais essa divisão entre políticos tradicionais da república islâmica.

JOGO DE CARTAS MARCADAS
Todo o processo eleitoral é controlado pelas instituições islâmicas. As eleições são um jogo de cartas marcadas, cujas regras e candidaturas são ditadas pelo conselho dos aiatolás. O resultado é que apenas se enfrentam os representantes das mais influentes frações burguesas e integrantes da hierarquia religiosa.

O candidato “opositor” Moussavi também é um homem do regime apoiado pelos dois ex-presidentes Rafsanjani e Khatami. Moussavi foi primeiro-ministro entre 1981 e 1989 e também perseguiu milhares de oposicionistas. Nem nas eleições, tampouco nas manifestações, Moussavi fez algum tipo de oposição ou crítica à ditadura dos aiatolás. E não poderia fazer diferente, pois ele é parte orgânica do regime teocrático e jura fidelidade à república islâmica. Sua diferença é somente com o governo e porque teme o desmoronamento do regime. Moussavi também era o candidato preferido do imperialismo europeu, em particular dos governos da França, da Inglaterra e da Itália.

Apesar de Moussavi fazer apenas algumas tímidas promessas democráticas, a juventude e os trabalhadores urbanos que buscam maiores liberdades democráticas utilizaram a sua candidatura para expressar seu descontentamento diante do regime e dos efeitos da crise econômica.

CRISE ECONÔMICA E ELEIÇÕES
A crise e a consequente queda abrupta do preço do petróleo só aumentaram uma já crescente insatisfação. Os tempos de crescimento e de alta dos preços do petróleo apenas adiaram os problemas na economia e no regime. Nesse período, Ahmadinejad seguiu governando com mão de ferro e relativa calmaria. O presidente até privatizou 80% das estatais (como bancos, estaleiros e linhas aéreas) e acabou gerando uma inflação de 34%. Atualmente, o desemprego atinge 12 milhões de pessoas. E 25% da população vive abaixo da linha da pobreza, segundo o ministério do Bem-Estar Social.

MOBILIZAÇÕES
O descontentamento gerado pela falta de liberdade e pela crise na economia foi catalisado pelas denúncias de fraude na eleição. Elas fizeram com que explodissem mobilizações por liberdades democráticas nas ruas de Teerã e o próprio Conselho dos Guardiões (defensor de Ahmadinejad) foi obrigado a reconhecer algum tipo de fraude.
As mobilizações são um movimento espontâneo de cidadãos iranianos que Moussavi trata de dirigir. Muitos discutem se a fraude poderia de fato alterar o resultado em favor de Ahmadinejad. O problema é que no Irã não existem liberdades democráticas, nem de organização livre de partidos. Todo o processo é decidido pelas instituições dos aiatolás, ou seja, a manipulação é uma regra do jogo.

Mas, apesar da dura repressão, os manifestantes colocam o regime em xeque e ameaçam a ditadura dos aiatolás, independente dos objetivos do grupo representado hoje por Moussavi.

PAPEL DO IMPERIALISMO
Diante das mobilizações de massa contra a fraude, os governos do imperialismo europeu se apressaram em sair numa hipócrita defesa da “democracia”, denunciando a repressão.

O tom mais cauteloso de Obama tem a ver com sua política de buscar uma colaboração do Irã (mesmo sob a presidência de Ahmadinejad) para resolver os conflitos no Iraque e Afeganistão. Já os governos da Europa, mais próximos de Moussavi, se apressaram em denunciar a fraude eleitoral. Posteriormente, Obama passou a dizer que “era preciso respeitar as liberdades”.

Enquanto falam em “liberdade” do povo iraniano, sustentam ditaduras que reprimem a ferro e fogo a população, como o governo do Egito e a monarquia saudita. Sem falar do apoio dos EUA ao Estado nazisionista de Israel, que assassina palestinos impunemente. Na verdade, o imperialismo busca aproveitar-se da insatisfação para surgir como referência política para as massas, estimulando lideranças “mais confiáveis”.

DEFESA DAS LIBERDADES NÃO PODE FICAR NAS MÃOS DO IMPERIALISMO
Defendemos os direitos dos trabalhadores de se manifestarem pelas liberdades democráticas no Irã. O regime teocrático dos aiatolás é uma ditadura que reprime trabalhadores, mulheres e opositores. Por isso, estamos ao lado das massas, que exigem seus direitos democráticos, ao mesmo tempo em que denunciamos sua direção política pró-imperialista representada por Moussavi.

Uma parte significativa da esquerda, particularmente a ligada aos partidos stalinistas, defende o governo de Ahmadinejad, classificando os protestos como uma “conspiração da CIA”.

Dessa forma, acaba defendendo a sangrenta repressão do governo iraniano sobre as massas, alegando que ele reprime o povo para se defender do imperialismo. Por outro lado, esses setores da esquerda terminam prestando uma valiosa ajuda ao imperialismo, pois jogam em suas mãos a bandeira da defesa das liberdades democráticas. Isso é ainda mais nefasto quando o imperialismo apresenta um novo rosto para a dominação, o de Obama, visto com mais simpatia por setores oprimidos.

A bandeira das liberdades democráticas deve estar nas mãos de organizações dos trabalhadores. Contra a ditadura dos aiatolás, defendemos liberdade de imprensa, eleições livres, Assembleia Constituinte e laica, direito a sindicatos livres e fim de todas as instituições estatais teocráticas.

Se os trabalhadores e a esquerda mundial não abraçarem a bandeira das liberdades democráticas, setores da burguesia e do imperialismo acabam ganhando respaldo das massas. Para avançar, é preciso construir um partido operário que ofereça uma alternativa dos trabalhadores, independente do regime, de Moussavi e do imperialismo.
Post author Joseph Weil, da Marxismo Vivo, e Jeferson Choma, da redação
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