Uma forte mobilização estudantil e de docentes da Universidade Estadual do Piauí (UESPI) sacudiu os campi de Teresina e de outros municípios nas últimas semanas, em protestos contra o sucateamento da Instituição. Estudantes e professores fizeram vários atos na capital, em Picos e Parnaíba desde o dia 21 de março, quando foi deflagrada paralisação docente, retardando em duas semanas o início do período letivo.

“A situação da UESPI, que já estava muito ruim desde o final do ano passado, ficou ainda pior no período da matrícula de alunos calouros e veteranos, no início de março. Para matricular alunos, muitos coordenadores de cursos chegaram a levar resmas de papel e impressoras de casa. Nem mesmo pincel e diários de classe estavam disponíveis nas coordenações de cursos no dia marcado para início do período letivo“, disse a presidente da Associação dos Docentes da UESPI (ADCESP – Seção Sindical do ANDES SN), Graça Ciríaco.

Contra a precarização
Na UESPI, mais de 60% dos professores são temporários, com regime de trabalho precário. No ano passado, 32 cursos foram denegados (não tiveram o reconhecimento) do Conselho Estadual de Educação, devido à inexistência de estrutura e pessoal docente efetivo. Agora em 2011, a falta de material básico nas coordenações de cursos foi a gota d´água para que os docentes decidissem, em assembleia, retardar o início das aulas. Cobrando não apenas papel e pincel, mas também mais verbas e autonomia financeira, para possibilitar a realização de concurso para 700 docentes e 400 técnicos efetivos, finalização das obras, construção de salas de aula e salas para professor, abertura da biblioteca e outras pautas da Campanha “SOS UESPI”, lançada ainda em setembro. A campanha tem o apoio de centros acadêmicos, executivas de cursos, coletivos, Assembleia Nacional de Estudantes Livre (Anel), ADCESP, ANDES SN e CSP Conlutas.

“Queremos mais verbas para a universidade, com aditivo imediato de recursos para conclusão das obras, melhorias nos laboratórios, nas bibliotecas, contratação de pessoal efetivo e assistência estudantil. O orçamento de R$ 110 milhões para este ano é insuficiente para tocar a Universidade. Seria necessário o incremento de pelo menos mais R$ 90 milhões, segundo a própria reitoria, para a Universidade funcionar minimamente neste ano“, afirma o professor da UESPI e diretor regional do Sindicato Nacional dos Docentes de Ensino Superior (ANDES SN), Daniel Solon.

Segundo Daniel Solon, o governo do Estado tem dinheiro para resolver os problemas da Universidade, mas isso não é prioridade. “O governo pretende pagar R$ 710 milhões esse ano em juros e encargos da dívida pública. Ou seja, o Estado tem muito dinheiro para os banqueiros. Esse dinheiro poderia muito bem ser investido em Educação e em outros serviços públicos, que estão completamente sucateados“, afirmou.

Para Daniel, a escolha do Secretário Estadual de Educação é simbólica para se entender o processo de sucateamento do ensino público no Piauí. O secretário é o deputado federal Átila Lira (PSB), um dos maiores empresários do ensino privado no Piauí, dono de várias faculdades particulares. Enquanto atuava no Congresso, era o lobista do ensino privado e defensor das reformas que aprofundam o processo de privatização da Educação.

Docentes aprovam novas paralisações e indicativo de greve
A força do movimento docente e estudantil na UESPI chamou atenção da mídia local e nacional para os problemas da universidade, cujos professores se recusaram a iniciar o período letivo devido à péssima situação estrutural e financeira da Instituição. Na assembleia geral realizada no dia 1º de abril, os docentes decidiram continuar mobilizados, aprovando um calendário de lutas, realizando uma paralisação por semana, e marcando para o dia 27 de abril o indicativo de greve por tempo indeterminado, caso o governo não instale negociações de fato e nem avance no atendimento das reivindicações.

Fruto da grande passeata realizada no dia 30, o governador do Estado, Wilson Martins (PSB), recebeu estudantes e professores da UESPI em audiência no mesmo dia, reconhecendo a força das mobilizações na Universidade. Antes da deflagração do movimento, Martins e a reitoria da UESPI diziam que não havia problema nenhum na Universidade, tentando esconder a realidade de sucateamento da Instituição, que teve 32 cursos denegados pelo Conselho Estadual de Educação por conta de questões estruturais, falta de professores efetivos, dentre outras deficiências.

“Além de conseguirmos o apoio da sociedade e mobilizar toda a comunidade universitária em defesa da UESPI, nossa paralisação teve conquistas como a abertura de negociação com o governo, que anunciou concurso público para 200 docentes efetivos e 250 técnicos, pagamento das bolsas-trabalho dos estudantes que estão atrasadas há cinco meses e liberação de recursos para compra emergencial de papel, pincel e outros materiais. No entanto, precisamos avançar muito mais nas negociações e cobrar prazos e medidas concretas do governo para atender nossas reivindicações“, afirma a presidente da Associação dos Docentes da UESPI, Graça Ciríaco.

Outro elemento que promete fortalecer ainda mais as lutas na Universidade Estadual do Piauí: a campanha salarial da categoria. Além das pautas da campanha “SOS UESPI”, os docentes reivindicam o piso para professor graduado 20h de R$ 2.200,00, tendo por base o salário mínimo calculado pelo DIEESE. Atualmente, o professor graduado 20h tem salário de R$ 900,00.

Ocupação de reitoria e a força do movimento estudantil na UESPI
Embora a paralisação tivesse grande adesão dos professores, foram os estudantes da UESPI que despontaram no processo de mobilização, realizando inclusive a ocupação da reitoria no dia 28 de março, início da segunda semana de paralisação dos docentes. Os estudantes protestaram contra a falta de democracia nas instâncias deliberativas da Universidade, por assistência estudantil, melhorias gerais nos campi e cursos, e contra a adesão da UESPI ao Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM), como forma de acesso à universidade.

No momento da ocupação, a reitoria tentava aprovar a adesão ao ENEM junto ao Conselho Universitário, sem nenhuma discussão com a comunidade acadêmica e com a sociedade. Impedidos de se manifestarem na reunião, os estudantes decidiram entrar na ante-sala da reitoria para pressionar por negociação. No entanto, foram recebidos com violência pelos seguranças patrimoniais particulares do campus. Mesmo os estudantes se manifestando pacificamente, o reitor da UESPI, Carlos Alberto, chamou a “tropa de elite” (Rone) da Polícia Militar para reprimir a ocupação pacífica, mas não houve confronto com os estudantes, que não caíram em provocação.

Pressionada, a reitoria retirou de pauta a proposta de adesão ao ENEM, para que houvesse um debate na comunidade sobre o tema. No final da reunião, tentando reverter o desgaste de ter chamado a Polícia, o reitor aceitou ouvir as queixas dos estudantes. Ele teve que ouvir duras críticas dos estudantes, que denunciaram a subserviência da reitoria em relação ao governo, já que a Administração Superior até o momento se mostra incapaz de responsabilizar o descaso do Estado pela situação da Universidade Estadual. O governo do Estado, que apoiou a eleição de Carlos Alberto, passou a dizer, diante da crise da UESPI, que o problema da Universidade é de gestão. Mesmo assim, o reitor continua omisso e submisso ao Governo do Estado, diante da realidade de sucateamento da UESPI.