Friburgo, ruas destruidas
Rafael Nunes

Militantes encontram situação caótica e uma cidade destruídaQualquer filme desses comerciais que contam histórias de apocalipse e final dos tempos tem cenas que traduzem perfeitamente o que vive hoje Nova Friburgo e a Região Serrana. De uma bela cidade muito freqüentada por turistas, cercada por montanhas e paisagens verdes, o que sobrou foi uma terra arrasada.

Chegamos a Nova Friburgo na sexta-feira, dia 14, em busca de militantes do partido e ativistas dos movimentos sociais, com os quais não conseguimos mais contato desde a chuva de terça-feira, que isolou a cidade e cortou as comunicações. Felizmente, conseguimos encontrar alguns de nossos companheiros que nos relataram que, apesar de toda essa tragédia, todos estão bem fisicamente. Alguns permaneciam praticamente isolados, em locais onde só era possível chegar caminhando muitos quilômetros. Mas estavam vivos. Os problemas estruturais são diversos e a maior gravidade, depois das vidas perdidas, são as casas que estão destruídas ou ameaçadas. Estamos acompanhando e sendo parte de uma organização de solidariedade com os atingidos.

Chegar na cidade, normalmente a cerca de três horas do Rio de Janeiro, é bastante difícil devido a diversas encostas que desabaram com arvores e pedras, casas que estão no alto desses morros ameaçam desabar, parte da estrada em alguns lugares cedeu e para aumentar ainda mais as dificuldades a chuva não para de cair há dias. Na cidade, caminhando pelas ruas do Centro, completamente coberta de grandes espessuras de lama por todo o lado, onde prédios residenciais inteiros vieram abaixo, vemos uma população ainda atônita e desnorteada depois de alguns dias dos principais deslizamentos e desabamentos. O assunto entre os grupos de bate papo, das pessoas que saem de suas casas, são sobre o estado de familiares e conhecidos. Muitos ainda desaparecidos, em locais isolados ou desabrigados. A população denuncia que as imagens veiculadas na grande mídia são poucas, repetidas e que não mostram toda a situação.

Pensar a cidade de Friburgo é imaginar um grande Centro com diversos distritos e conjuntos de casas afastados, em geral na beirada de grandes ribanceiras e montanhas onde brotam rios e cachoeiras. Nesses locais os bombeiros não conseguem chegar ou têm enormes dificuldades e as informações são completamente desencontradas. Por conta dessa triste realidade boa parte dos moradores, sem exageros, acreditam que os números de mortos vão subir muito. Na cidade se fala que o número total deve passar de mil mortos, pois alguns vilarejos desapareceram e centenas de pessoas permanecem enterradas, o que agrava ainda o problema do surgimento de doenças. A todo momento se fala também nas ruas em novas tragédias como novos desabamentos, famílias encontradas mortas, um abrigo que desabou matando dezenas de crianças, carros com pessoas dentro submersos na lama e acaba que as informações muitas das vezes não são confirmadas deixando a população ainda mais emocionada e traumatizada.

A Praça do Suspiro, famoso ponto turístico onde se pega o teleférico que leva para o alto de um morro, de uma bela praça se transformou em um mar de lama. A igrejinha permanece apenas com a fachada, sem as paredes laterais e com seu interior cheio de pedras, terras e, ainda, segundo os próprios moradores, com um carro que teria despencado do alto do morro e parado lá dentro com pessoas mortas. É impossível se aproximar muito para fazer qualquer registro devido a destruição ao redor. Os cabos e assentos dos teleféricos estão todos no chão assim como os postes e orelhões e ha carros, como em toda a cidade, destruídos e enterrados na lama. Parte da montanha veio abaixo e da praça é possível ver construções que a qualquer momento podem desabar.

Além do sofrimento de toda a cidade, com as centenas de pessoas que perderam suas vidas e milhares que estão desabrigadas, há ainda os graves problemas de todas as ruas, casas e prédios estarem cheios de lamas e ainda tem a falta de luz, telefone, água e serviços urbanos. O cemitério perto do centro da cidade permanece cheio de gente a todo o momento, os supermercados e farmácias ou estão fechados ou abrem em “meia porta” fazendo com que a população tenha sérios problemas de abastecimentos, os postos de gasolina que ainda funcionam tem enormes filas de carros e só recebem em dinheiro e ainda existe o problema da sujeira para todo o lado. Além de tudo que foi trazido pelas enchentes, todo alimento e produtos de supermercados e lojas que apodreceram ou foram destruídos pela chuva estão sendo jogados nas calçadas fazendo com que montanhas de alimentos em decomposição causem um cheiro insuportável e ameaças de doenças.

As ruas da cidade parecem que estão em estado de guerra. Onde os carros ainda podem passar ocorrem engavetamentos e engarrafamentos todo o instante. Todo momento carros de diversas polícias, das forças armadas, bombeiros e tratores se cruzam em alta velocidade com sirenes ligadas. É possível ver fileiras de ambulância partindo para socorrer feridos e resgatar mais mortos e muitos policiais, que contam com a presença do Batalhão de Operações Especiais da PM, o BOPE, fazem a segurança dos principais estabelecimentos comerciais, como supermercados fechados, devido às ameaças de saques.

Essa cidade pequena que encantou milhares de pessoas com suas belezas naturais e históricas vai demorar muito tempo para retomar sua velha rotina e algumas cicatrizes profundas infelizmente vão permanecer.