Desde o início da semana, Elder Sano, militante do PSTU (no setor da Saúde e na Secretaria GLBT) encontrava-se no Chile, com seu companheiro, Pedro. Abaixo, reproduzimos partes dos relatos que nos enviaram. Apesar de tanto a viagem quanto os textos terem caráter pessoal, retratam, de forma bastante viva, o impressionante processo de mobilização que está acontecendo no país, a disposição de luta, a solidariedade nas ruas. Veja abaixo os relatos sobre o primeiro dia de greve geral, na quarta-feira, 24.

Elder:
Hoje é o primeiro dia do “Paro Nacional”, a paralisação convocada pelo movimento. É a principal manchete dos jornais. Segundo a Central Única dos Trabalhadores (a CUT daqui), calcula que 50% dos servidores pararam. Avalia-se que muitos dos que não pararam foram motivados pela ameaça do governo implementar Ley de Seguridad (a versão chilena da Lei de Segurança Nacional).

Os estudantes, contudo, sequer tomaram conhecimento da intimidação e saíram em massa nas ruas e, num desafio aberto ao governo, tentaram fechar várias ruas, construindo “barricadas” com sacos de lixo queimados.

Em todos os cantos da cidade é possível sentir os efeitos da mobilização. Os ônibus, por exemplo, estão circulando, mas num número visivelmente reduzido. O governo, noutra tentativa de conter os protestos, fez vários anúncios, pedindo para que as pessoas voltarem pra casa depois do trabalho. A coisa toda soou como um “toque de recolher” e, exatamente, por isso ninguém acredita que a intimidação iria conter o movimento.

Isto apesar da enorme repressão e da violência ilimitada dos “carabineros”. É realmente impressionante, mesmo comparando com a truculência que conhecemos muito bem no Brasil. Os jatos de água são realmente assustadores (algo que poderia ser comparado com as bombas de efeito moral da polícia brasileira).

Mas, numa demonstração de coragem típica das grandes mobilizações de massa, a galera não se dispersa, somente recua para se reorganizar. Além dos jatos, as ruas estão contaminadas com o cheiro de gás pimenta. Em todos os cantos, as pessoas espirram, tossem e choram.

No meio de tudo isto, há cenas inesquecíveis. Ao invés de se intimidarem, muitos partem para o “contra-ataque” da forma que for possível. Vi, por exemplo, uma garota enfiando o dedo no nariz do cavalo de um carabinero, numa tentativa um tanto desesperada, e definitivamente inusitada, de deter a ação do policial.

Nas ruas próximas à Universidade, o comércio fechou as portas. Mas os trabalhadores da lojas ficaram nas ruas, integrando-se à moblizacão ou simplesmente ficando na rua, simplesmente para “marcar posição”: não ir para casa, como quer o governo, mas também não trabalhar, como desejariam os patrões.

No meio da massa e das ondas que se forma (fugindo da água e retomando um novo local), há gente de todo tipo, inclusive engravatados, carregando seus crachás no peito.

Há manifestações dispersas por todos os cantos de Santiago. Contudo, o “centro nervoso” dos protestos continua sendo a universidade e o seu entorno. Para o dia 25, a previsão é de que todos se juntem numa mobilização na principal avenida da cidade (na qual, coincidentemente, ficam tanto a Moneda – sede do governo – e a Universidade), e é aí que a coisa vai pegar. Infelizmente, não estaremos aqui, mas, certamente, estamos voltando para casa com imagens impressionantes (pais e mães marchando ao lados dos filhos, diferentes gerações trocando experiências, gente discutindo política em todos os cantos) e tomados por um “calor” revolucionário que é praticamente impossível de expressar, com toda vida, em palavras.

Pedro:
“O dia começou tranqüilo, apesar de que, por todos lados, eram ouvidos os sons do “apitaço”. Muita gente fazendo barulho, mas o clima, no que se refere à repressão (já esperada), era de certa calma. A polícia se limitava a intimidar, algo que não chegava a espantar os estudantes, já acostumados com a postura repressiva das forças policiais.

A pretensa calma teve fim quando a polícia começou, repentina e gratuitamente, a jogar água nas pessoas. Ação foi indiscriminada, não poupando ninguém: estudantes, trabalhadores do comércio. Enfim, todo mundo… Isso deu início a uma verdadeira “onda”: quando vinha água, as pessoas se dispersavam; logo depois que a água passava, todos, inclusive nós, voltavam a se concentrar.

Com o passar do tempo, a polícia começou a ficar mais agressiva. E, como sempre, toda a confusão e corre-corre foram de responsabilidade. Os estudantes se limitavam a se proteger, mudando permanentemente de local.

A situação ficou realmente tensa quando os policiais começaram a jogar bombas de gás. Numa ação coordenada e covarde, no mesmo momento, a cavalaria começou a avançar sobre todos nós, prendendo quem estivesse pela frente. Eu fui um deles. E o fato de ser brasileiro (e ter bancado o “turista desinformado”) permitiu que eu saísse de lá “apenas” com o braço torcido e as roupas destruídas.

Inegavelmente, foi um momento terrível. A violência é aleatória e generalizada. Ao nosso redor, estavam prendendo crianças. Algo típico daqui, com os “carabineros”, a polícia brucutu “herdada” do regime sanguinário de Pinochet.

Mas, se a repressão foi violenta, a solidariedade era emocionante e, também, generalizada. Conversamos com várias pessoas nas ruas. Todas disseram estar apoiando os estudantes. Todos os que têm filhos, repetiam a mesma história: a impossibilidade de bancar as dívidas com os estudos. Uma das mulheres carregava um cartaz onde se lia: “tenho três filhos, qual deles eu devo educar? “.

Outra mulher, igualmente corajosa, no meio da confusão perguntou aos carabineiros como eles educavam seus filhos.