Essa é a opinião de Michel Löwy, conhecido pensador marxista, sobre a crise econômica e as mobilizações sociais na Europa. Em entrevista concedida a Ruy Braga, professor do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo, Löwy fala sobre a resisUm tema que tem atraído os militantes no Brasil é a crise e as mobilizações dos trabalhadores da Europa. Qual é a sua visão deste duplo movimento?

Michel Löwy – Percebe-se que é uma crise profunda, sistêmica. Por isso, não é de se espantar que haja revolta. Às vezes me pergunto: como é que isso explica essa rebelião da juventude? Aí eu digo: o difícil não é explicar a rebelião, mas entender porque ela não aconteceu mais cedo.

Há todas as razões para se indignar quando se vê a irracionalidade total do sistema, a injustiça social, as desigualdades que se aprofundam. Os bilhões de euros enviados para salvar os bancos, imediatamente seguido por cortes de salários, pensões, corte na saúde e educação. Isso realmente mostra a que ponto o sistema capitalista é insustentável socialmente. E, portanto, há uma onda de raiva. Acho que a raiva é um nobre sentimento, a indignação.

É possível identificar alguma relação entre a Grécia e o Egito?

Sem dúvida. Concretamente, quando aparece o movimento de ocupação da Praça da Constituição (Sintagma), em Atenas; com a Praça do Sol, em Madri, e a Praça Tahir, no Cairo. Claro, o contexto é diferente. Na Europa não se trata de derrubar uma ditadura. Por isso, a coisa é mais complicada. Você tem que enfrentar os governos da democracia, mesmo de uma democracia de “baixa intensidade” com é a europeia.

Esse movimento aparece com a juventude, que é a primeira vítima do desemprego. Mas é uma juventude que acaba atraindo amplos setores sociais. Entram os sindicatos, com a burocracia sindical tentando brecar, mas de alguma maneira sendo obrigada a mobilizar também. Há uma convergência entre os trabalhadores e os jovens rebeldes contra seus inimigos. Na Grécia, é o FMI, a Comissão Europeia e o Banco Europeu. Mas, atrás disso há o sistema capitalista, o neoliberalismo. Há uma consciência e uma revolta anticapitalista. Em alguns conscientemente, em outros mais implicitamente.

O movimento é impressionante. Atrai militantes da esquerda radical, anti-neoliberal e mesmo os setores descontentes da base dos partidos sociais democratas. As formas de organização são novas e há uma politização rápida. Mas, por outro lado, as perspectivas não são muito evidentes. Não é como na Tunísia, onde se derrubou uma ditadura. Se houver eleições, agora, é provável que ganhe a direita, porque a maioria da população, menos politizada, está perplexa. E onde o governo é de direita [a população] vota para centro-esquerda.

De qualquer maneira, as coisas não serão como antes. Essa mobilização criou uma situação inédita, que, de alguma maneira, vai permanecer. Agora, em setembro e outubro, o movimento vai ver como retoma as mobilizações e de que forma. A orientação dada é que, no final de junho ou começo de julho, tanto na Grécia como na Espanha, o movimento se volte para os bairros. E o pessoal tem feito isso. Vai aos bairros e mobiliza a população.

Essa raiva e indignação também começam a alcançar a América Latina, que muitos acham estar imune à crise. Um exemplo é o Chile, supostamente umas das economias mais estáveis do mundo. No entanto, o país tem enfrentado um intenso processo de mobilização. Como você vê isso?

Não há uma relação mecânica entre crise e mobilização social. Isso é uma espécie de materialismo vulgar. Tanto é que o Maio de 1968 aconteceu na França durante os chamados “30 anos gloriosos” do capitalismo.

Vale para o Chile aquilo que se dizia do Brasil na época da ditadura: “a economia vai bem, o povo vai mal”. Isso é parte da lógica do capitalismo. Quanto melhor vai o capitalismo, mais se agrava a injustiça social.

A revolta é muito importante, serviu para desmistificar o governo reacionário que está aí, e teve um impacto social muito grande. A maioria das pessoas tem simpatia pelo movimento, apoia a reivindicação do ensino público. Espero que isso tenha impacto no Brasil. A educação está cada vez mais privatizada, o ensino público muito enfraquecido. E a única resposta do governo é dar bolsa de estudos para o jovem estudar em escolas privadas.

Você é um dos principais autores marxistas sobre o ecossocialismo. Fale um pouco sobre isso.

O ecossocialismo é a tentativa de articular a ecologia e o socialismo. É uma ideia que já vem de anos. Eu diria que um dos precursores era um brasileiro, Chico Mendes. Era um socialista declarado, convicto, revolucionário e ecologista.
O capitalismo não é só explorador é destruidor. Está destruindo o meio ambiente e o equilíbrio ecológico. O resultado mais perigoso disso são as mudanças climáticas, o aquecimento global. Então, precisamos pensar numa proposta radical, que vá à raiz do problema.

O ecossocialismo é uma proposta que implica uma critica ao “socialismo” não ecológico, a experiência soviética. É uma crítica profunda a esse modelo que tentou, sobretudo em meados dos anos 1920, imitar o sistema ocidental ao nível das forças produtivas. Isso levou a [um desastre na usina nuclear de] Chernobyl.

O ecossocialismo é uma critica ao pretenso “socialismo real”, mas também uma critica da ecologia não socialista, ecologia compatível com o capitalismo, pretensamente sustentável, que é uma mistificação.

O ecossocialismo é uma ideia que defende que o verdadeiro socialismo é ecológico. O que implica numa transformação não só das relações de produção, mas do próprio aparelho produtivo. Devemos tomar uma velha ideia de Marx referindo-se ao aparelho de Estado. Dizia [Marx], na Comuna de Paris, que os trabalhadores não podem se apropriar do aparelho de Estado burguês. Tem que quebrá-lo e substituir por outra forma política democrática dos trabalhadores. Acho que isso se aplica ao aparelho produtivo capitalista. Não dá para os trabalhadores simplesmente se apropriarem desse aparelho produtivo, eles tê que transformá-lo radicalmente. A começar pelas fontes de energia, substituindo o petróleo e o carvão pela energia solar e eólica.

O ecossocialismo coloca a questão de mudar as relações de produção, as forças produtivas, o padrão de consumo e o padrão de transporte. Estamos propondo romper com o paradigma da civilização capitalista industrial moderna e ocidental, e lutar por outra civilização, de solidariedade, cooperação e respeito a natureza.
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