Redação

Novo filme de Moore, Farenheit 11 de Setembro, divulga verdades que o poder pretendia ocultar. Nele ficam escancarados os bastidores da guerra de Bush`MichaelMichael Moore é um ser controverso. Como cineasta, conseguiu fazer do documentário um gênero campeão de bilheteria. Como personagem político, ataca Bush e sua guerra, mas defende os democratas. Entretanto, sua obra cinematográfica não é mero material panfletário. Ele apresenta de maneira simples, questionadora e com sua pitada pessoal de sátira, temas cuja discussão é necessária, mas a maioria da população não discute.

Na cerimônia de entrega do Oscar, quando Michael recebia o prêmio de melhor documentário por Tiros em Columbine, usou o microfone para dizer “Vivemos em tempos fictícios, em que resultados eleitorais fictícios elegem um presidente fictício, que nos manda para a guerra por razões fictícias”. A cerimônia ocorria três dias após os primeiros ataques ao Iraque.

Michael é muito criticado, assim como a veracidade de seus documentários. Porém, ele já deveria prever que ninguém ataca Bush impunemente.

Farenheit 11 de Setembro

Numa época de guerra, em que o mundo expressa um sentimento anti-imperialista, o filme Farenheit 11 de setembro é uma bomba para George W. Bush. Isso explica o sucesso no Festival de Cannes: os mais de vinte minutos de aplausos e o prêmio Palma de Ouro.

Mas Michael Moore não fez somente um filme contra a guerra e contra Bush. É preciso talento para mostrar a cena do 11 de Setembro sem a imagem das torres e sem dizer uma palavra e, ainda assim, mostrar mais do que toda a imprensa.

O nome remete-se ao livro de Ray Bradbury, Farenheit 451, de 1953, que François Truffaut transformou em filme em 1966. O livro de Bradbury fala de um mundo dominado por uma organização totalitária que queimava livros, sendo que a temperatura necessária para isso é de 451 graus da escala Farenheit. A resistência consistia em decorar livros e divulgá-los.

Da mesma forma que na história de Farenheit 451, Moore divulga em Farenheit 11/9 as informações que o poder quer ocultar. É a temperatura em que Moore faz a verdade arder.

Um exemplo é a cena em que Bush permanece lendo o livro infantil Minha Cabra de Estimação em uma escola por mais de sete minutos, após saber que a primeira das torres do World Trade Center havia sido atacada.

Moore fala da fraude nas eleições e mostra a vergonhosa cena de posse, com manifestantes gritando que era fraude e ovos sendo arremessados no carro de Bush. As relações comerciais que a família Bush mantinha com a família Bin Laden por décadas também são escancaradas. Nos dias seguintes ao 11 de Setembro o documentário mostra que ninguém podia voar de avião, mas a Casa Branca liberou jatos para retirar 24 membros da família Bin Laden dos EUA.

Fica claro que o maior beneficiário do ataque de 11 de Setembro foi Bush. Moore mostra nos rostos das pessoas a disseminação do medo e como esse medo manteve Bush no poder.

Farenheit 11 de Setembro não é melhor que Tiros em Columbine ou que Roger e Eu. Possui passagens problemáticas, que ridicularizam outros países com estereótipos, como Costa Rica, Marrocos e Romênia.

Contudo, não há dúvida de que o filme possui um importante papel político internacional e uma inegável qualidade cinematográfica. Como se explicaria o público rir num filme que fala sobre os horrores de uma guerra?

Outros filmes

Em seu primeiro filme, Roger e Eu, Michael Moore fala do fechamento de 30 mil postos de trabalho pela General Motors, na cidade de Flint, em Michigan, EUA, ao deslocarem as fábricas para o México em busca de mão-de-obra mais barata. Além de gerar milhares de desempregados para cortar despesas, o fechamento transforma Flint em uma cidade fantasma. É também um relato pessoal de Moore, que é filho de ex-trabalhador da General Motors de Flint. No filme, ele tenta durante três anos entrevistar Roger Smith, presidente da GM, sem obter sucesso.

Talvez seja a obra menos conhecida de Moore, mas é a mais classista, pois coloca frente a frente os interesses conflitantes de grandes empresários e trabalhadores.

Já Tiros em Columbine investiga a fascinação dos norte-americanos por armas de fogo. Moore visita cidades dos EUA onde moradores têm armas em casa. Entre elas está Littleton, no Colorado, onde fica o colégio Columbine. Lá, os jovens Dylan Klebold e Eric Harris mataram 14 adolescentes e um professor. Michael Moore faz uma visita ao ator Charlton Heston, presidente da Associação Americana do Rifle, que dias depois da tragédia foi a Littleton falar em defesa das armas.

A princípio, o filme parece ser só um discurso pelo desarmamento. Todavia, com pergunta atrás de pergunta, animações e humor, Moore conclui que a causa da violência não é a arma, mas a cultura do medo disseminada na sociedade americana.

Os livros

Michael Moore não fez somente os documentários de maior sucesso de todos os tempos. Seus livros contêm os mesmos elementos satíricos e de denúncia. Seu primeiro livro, Enxugue Isso!, apesar do discurso protecionista, denuncia o desemprego causado pelas empresas, que buscam mão-de-obra barata e isenções em países de Terceiro Mundo.

O livro Stupid White Man – Uma Nação de Idiotas (2001) fala da fraude nas eleições de 2000, nas quais Bush foi eleito. Em 2004, Moore lança Cara, Cadê meu País?, no qual aprofunda os temas de Farenheit 11 de Setembro, fazendo críticas a Bush e à guerra. Para a edição brasileira do livro Uma Nação de Idiotas, Moore escreve um prólogo especial, em que afirma estarem ocorrendo “revoluções pacíficas” em muitos lugares sem que as pessoas tomem conhecimento delas. Como exemplos, cita o fim do apartheid na África do Sul, com a posse de Mandela, e a eleição de Lula no Brasil. O desinformado, nestes casos, é ele mesmo.

O político

A obra de Michael Moore é admirável. Porém, não se deve deixar de criticar suas posições políticas. Moore não esconde que colabora para que John Kerry vença as eleições. É preciso lembrar que o governo do democrata Clinton também fez guerras, também construiu a mesma sociedade do medo que Moore critica. É preciso lembrar que os democratas, incluindo Kerry, também votaram a favor da guerra.

Além disso, Moore também tem posturas conservadoras, como Bush. Muitas passagens de seus livros e filmes escondem preconceitos com outros países, como no próprio Farenheit 11 de Setembro.

Se Michael Moore, que disse nunca ter lido Marx, quisesse ser coerente com suas denúncias e com todos os aplausos anti-imperialistas que anda recebendo, teria de deixar de ser democrata. Não é apenas Bush ou os republicanos que criam os elementos que Moore critica. É a sociedade capitalista.

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