Teve início no último dia 22 o julgamento que analisa a denúncia do Ministério Público sobre o mensalão, o escândalo que estremeceu o governo Lula em 2005, revelando um intrincado mega-esquema de corrupção e rapina do dinheiro público. Apesar de todo o estardalhaço, o atual julgamento definirá apenas se o STF (Supremo Tribunal Federal) acata ou não a denúncia.

A denúncia do Procurador Geral da República, Antonio Fernando de Souza, enumera 40 acusados dos mais variados crimes tipificados pelo Código Penal, como formação de quadrilha, corrupção e lavagem de dinheiro. A denúncia do Procurador acusa a utilização de dinheiro público e privado para a compra de votos na base aliada do governo Lula. Souza descreve a ação da “quadrilha”, chefiada pelo ex-ministro José Dirceu.

VELHAS FERIDAS
Dois anos após o escândalo, o tema do mensalão volta às páginas dos jornais, resgatando do limbo figuras já quase esquecidas, como Marcos Valério, José Genoíno, Delúbio Soares, Silvio “Land Rover” Pereira, Gushiken, entre outros, que emergem do anonimato para se defenderem das acusações.

Segundo a denúncia do Procurador, a “quadrilha” atuava em três núcleos coordenados. O núcleo político, eixo do mensalão e comandado por Dirceu, desviava recursos públicos para custear despesas de campanha de políticos do PT e aliados, além de comprar votos de partidos da base aliada para temas importantes para o governo. Já o núcleo financeiro lavava dinheiro para o esquema, enquanto o núcleo publicitário cuidava de elaborar contratos fraudulentos com estatais para desviar recursos.

Documentos anexos à acusação do Ministério Público comprovam o desvio de verbas do Ministério dos Esportes e da empresa privatizada Cosipa, que foram parar, respectivamente, nas mãos dos deputados Paulo Rocha (PT) e João Paulo Cunha (PT).

Segundo a denúncia de Souza, “quem articulou tudo isso e ajustou os serviços da quadrilha liderada por Marcos Valério e aquela dos dirigentes do Banco Rural foram os integrantes desse núcleo central, precisamente os denunciados José Dirceu, então ministro-chefe da Casa Civil, José Genoíno, Delúbio Soares e Silvio Pereira”.

Levantamento cruzando as movimentações bancárias de Marcos Valério e as votações no Congresso mostra que os volumosos repasses realizados pelo empresário aos deputados coincidem com votações importantes, como a reforma da Previdência em 2003.

Por outro lado, causa muita estranheza o fato do procurador não denunciar as empresas corruptoras. Afinal, de onde veio todo o dinheiro do mensalão? Ocorre que uma investigação profunda dos corruptores revelaria que grande parte do dinheiro teria origem nas grandes empreiteiras e bancos, algo que até o corrupto Roberto Jefferson reconheceu recentemente em entrevista à imprensa. No entanto, isso colocaria na mira os principais financiadores das campanhas eleitorais dos grandes partidos. Por isso não se mexe no vespeiro.

As evidências e provas do mensalão existem, são irrefutáveis e mostram como o bando petista roubou dinheiro do orçamento para atacar ainda mais os trabalhadoresSerão, finalmente, processados e punidos pelos seus crimes? O circo montado pelo STF para receber a denúncia aponta exatamente o contrário.

UMA PIZZA DE TOGA
O Supremo Tribunal Federal e a mídia armam um verdadeiro espetáculo para o que está sendo chamado de “julgamento do mensalão”. O caso está sendo tratado como uma espécie de redenção das instituições diante da vergonhosa pizza na qual o escândalo no Congresso culminou. Ou seja, depois da série de absolvições dos mensaleiros na Câmara dos Deputados, tomada pela corrupção, a Justiça, supostamente neutra e isenta, julgaria os criminosos de forma imparcial.

No entanto, se o Congresso é uma instituição falida e corrupta, o Judiciário e sua mais alta Corte, o STF, não escapam à regra. Basta lembrar que nunca em sua história o tribunal condenou alguém. Até mesmo o ex-presidente Fernando Collor, quando julgado pelo STF, foi absolvido por “falta de provas”.

Isso ocorre, pois os ministros do STF são indicados pelo presidente da República, passando pelo crivo do Senado. Ou seja, antes mesmo de vestirem a toga, estão profundamente comprometidos com o Executivo e o Legislativo. Dos atuais 10 ministros que atuam no Supremo, seis foram indicados por Lula. Dois outros foram indicações de FHC, um foi apadrinhado por Collor e o mais antigo por Sarney. As indicações obedecem aos mesmos critérios do loteamento dos cargos das estatais. É o velho esquema do “toma lá, dá cá”. Conchavos, trocas, pressão dos partidos da base aliada, tudo entra no jogo.

Foi o que mostraram, por exemplo, as conversas pela internet – flagradas por fotógrafos – entre os ministros Carmem Lúcia e Ricardo Lewandowski. Mais do que fofocas, os diálogos mostram como as indicações ao cargo de ministro ocorrem por conchavos. Em certo momento, os ministros manifestaram preocupação sobre o fato do jurista Carlos Alberto Direito ser nomeado para a vaga de Sepúlveda Pertence, ministro do STF que vai se aposentar em breve. “Isso corrobora que houve trocas”, comenta Lawandowski a Cármen Lucia, na sessão de julgamento do mensalão. A nomeação de Carlos Alberto Direito contaria ainda com o apoio de cabeças coroadas do PMDB.

Portanto, a despeito de toda a aura olímpica que protege os ministros, o STF é mais uma instituição corrompida, entregue às mesmas práticas que deram origem ao mensalão. É improvável que alguém seja punido nesse processo, que, aliás, caso seja realmente aceito, não tem prazo para terminar, podendo se estender indefinidamente. Juristas afirmam que a ação penal, caso seja aceita, pode se arrastar por anos, inclusive com alguns crimes prescrevendo.

ESQUEMAS PERMANECEM
Dois anos após o estouro da crise, os velhos esquemas fisiológicos permanecem intactos. Trocaram os nomes, mas a estrutura corrupta continua atuante. A recente crise aérea revelou como a direção de órgãos responsáveis pela regulação do setor, como a Anac e a Infraero, torna-se moeda de troca política nas mãos do governo.

Os denunciados pelo Ministério Público, como Delúbio Soares e Silvio Pereira, têm suas defesas garantidas pelos mais famosos e caros advogados do país. Honorários que podem chegar a R$ 1 milhão são pagos por sabe-se lá quem, já que o PT estaria arrumando suas finanças após o fim da farra do valerioduto.

Apesar de ser altamente improvável que alguém seja punido, é inegável que o governo Lula sofrerá um certo desgaste com a reaparição de figuras que foram estrategicamente empurradas para debaixo do tapete.

Porém, terminado o julgamento, a corrupção, o loteamento de cargos e os lobbies de grande empresários continuarão. Pois, na democracia dos ricos, esse é o jogo, essas são as regras.

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