O filme Memória do Saqueio, de Fernando Solanas, investiga as razões e os responsáveis pela crise em que a Argentina afundou e que levou ao levante popular de dezembro de 2001. O “saqueio” do título não se refere aos saques em supermercados legitimamente realizados pela população argentina jogada na miséria, mas ao saqueio do país, à desnacionalização completa da economia, que teve início com a dívida externa e uma política suicida de juros e se completou com a implementação dos planos neoliberais na década de 90.

Com o subtítulo “Um genocídio social”, o filme é um documentário que mostra como um país rico foi levado à eliminação de sua classe média, à elevação brutal do desemprego, à miséria e à indigência, recebendo por tudo isso altos elogios do FMI.
Mais que isso, Solanas mostra as heróicas manifestações do povo argentino, que, em dezembro de 2001, tomou as praças e ruas, chamando a saída de todos os políticos, com um estrondoso “Que se vayan todos!”. Um povo que, diante da brutal repressão, não desistiu e respondeu “El pueblo no se vá”.

Em razão dos temas tratados pelo diretor, Solanas é chamado pela imprensa de “panfletário”. Sobre isso, ele respondeu a uma entrevista coletiva na Alemanha que se sente “orgulhoso de fazer panfletos estéticos com algum esforço para traduzir temas e imagens que são constantemente banalizados pela mídia”. O diretor argentino não esconde seu comprometimento com causas sociais. Vale lembrar que Solanas foi uma das pessoas que assinaram o abaixo-assinado pedindo a libertação dos presos de Caleta Olivia.

Capítulos de uma tragédia e histórias de traição
O filme é dividido em capítulos temáticos que tratam da dívida externa e da rapinagem promovida pelo ministro Cavallo; da desnacionalização do país e das privatizações exigidas pelo FMI e aplicadas com rigor pelo governo neoperonista de Carlos Menem e de tantos outros episódios que aprofundaram a crise social no país, como a retirada de direitos trabalhistas e previdenciários, a falsa equiparação da moeda local ao dólar e o enorme desvio de verbas públicas para os bolsos dos políticos.

Não é mera coincidência que tudo isso soe familiar aos olhos e ouvidos brasileiros. O filme não cita o Brasil, mas todos sabem que os governos brasileiros (Collor, Itamar, Fernando Henrique e Lula) não titubearam em aplicar as mesmas medidas.
Apesar das semelhanças na história entre os dois países, Solanas não faz grandes críticas ao governo Lula, mesmo diante dos atuais escândalos de corrupção. Sobre a crise, o diretor, limitou-se a dar declarações cobrando: “O voto é um contrato social e Lula não está cumprindo sua promessa de um governo mais voltado para as necessidades dos nadies (ninguéns)”.

Continua…
No filme, sente-se falta da história pós-dezembro de 2001, sobre a continuidade daquela revolução em curso que se instalou no país. Essa talvez seja uma resposta a ser dada nos próximos documentários do diretor, ainda não lançados no Brasil. Memória do Saqueio é o primeiro de uma série de quatro. O segundo chama-se La Dignidad de los Nadies e está sendo exibido no Festival de Veneza em setembro e os demais são La Tierra Sublevada e Argentina Latente, atualmente em produção.

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