Cena de protesto por cotas na UFRGS

Se parte das contradições da lei e seus limites tem a ver com a submissão do governo do PT e seus aliados à pressão dos setores mais conservadores (e racistas) do país, particularmente de sua elite, outras são um tanto mais “globais”, na medida em que decorrem da essência do projeto da Frente Popular e sua lógica neoliberal.

Nos últimos dez anos, com ímpeto ainda maior do que aquele utilizado para barrar uma política de cotas, o governo promoveu um bombardeio contra o ensino público deste país. Prova disto é a amplitude e garra da greve nas universidades federais, que há meses tem mobilizado professores, estudantes e funcionários em defesa de melhores condições de trabalho e estudo.

A intransigência com a qual Dilma e o ministro Aloysio Mercadante têm enfrentado o movimento é apenas um dos capítulos mais lamentáveis da série de ataques que o governo promoveu à educação, afetando, particularmente, os mesmos setores que, agora, são alvos da política de cotas.

Afinal, ao retirar verbas da educação, favorecer o ensino privado e sucatear a rede federal, atacando condições de ensino e trabalho, os governos de Lula e Dilma têm contribuído, em muito, para manter negros e negras, estudantes de escolas públicas e carentes fora das universidades e institutos federais. E, infelizmente, é tudo isto que pode acontecer caso o movimento não consiga barrar a implementação de dois projetos já aprovados pelo governo Dilma e o mesmo Congresso que acaba de aprovar as ações afirmativas: a aplicação de 10% do PIB para a Educação somente (e talvez) em 2023 e o Plano Nacional de Educação (PNE).

A negação em destinar mais verbas para um sistema já agonizante é uma contradição aberta com qualquer política realmente coerente para garantir acesso à educação de qualidade, principalmente para os setores mais marginalizados da sociedade. Como também as cotas não podem servir como cortina de fumaça para um PNE que precariza ainda mais as instituições federais.

Se é verdade que devemos comemorar o fato de que, finalmente, teremos mais negros e pobres no interior das universidades, também não podemos esquecer que, a depender do governo, o futuro do próprio sistema de ensino federal não é nada promissor. Pelo contrário. Além de absurdos acadêmicos e pedagógicos como a ampliação do já lamentável ensino à distância para o mestrado e o doutorado, o que esta se ensaiando é um aprofundamento da transferência de dinheiro público para as universidades e escolas privadas e, consequentemente, uma maior deterioração das escolas federais.

Também não podemos esquecer que, ao mesmo tempo em que se recusava a promover uma política de acesso de negros e carentes às universidades que ainda conseguem manter algum padrão de qualidade, os governos do PT patrocinaram o Programa Universidade para Todos, o ProUni, que, com uma só tacada, jogou milhares de negros e carentes para as presas do tubarões do ensino privado e transferiu milhões de reais do dinheiro público para o setor (leia matéria no site “ProUni vira moeda de troca para “perdão” de dívida bilionária”).

Estas e umas tantas outras medidas são evidências mais do que claras da verdadeira política do governo federal para a educação: desprezo e sucateamento. Uma constatação que exige que qualquer comemoração em torno da aprovação das cotas nas federais tem que, obrigatoriamente, vir acompanhada de um chamado à luta, não só pela ampliação do sistema, mas também em defesa do ensino público, gratuito e de qualidade.

Intensificar a luta!
Se não podemos menosprezar a aprovação das cotas às vésperas das eleições e em meio a uma greve que se estende pro meses, muito menos podemos desconsiderar o fato de que também há meses estamos assistindo uma crescente onda de mobilizações do movimento negro, inclusive por fora de suas organizações tradicionais (majoritariamente cooptadas pela Frente Popular e totalmente mergulhadas nos gabinetes governamentais).

Não faltam exemplos, do Norte ao Sul do país. Em São Paulo, o “Comitê contra o genocídio da juventude negra”, tem se mobilizado ininterruptamente, particularmente desde do final de 2011; em São Luis, Porto Alegre e Bahia, há uma crescente luta contra os ataques às terras quilombolas e, país afora, “frentes pró-cotas” tem sido organizadas, engajando milhares de estudantes universitários e secundaristas na luta.

Não temos dúvida que Dilma e seus aliados esperam que, com a aprovação, estas lutas refluam. Contudo, é exatamente de forma oposta que o movimento deve responder. Este é o melhor momento para intensificarmos a organização independente e a luta.

Apoiados e estimulados por esta vitória parcial, é preciso fortalecer a luta por aquilo que realmente precisamos. Primeiro, para aprofundar o projeto aprovado, arrancando ações afirmativas em todas as universidades, inclusive as estaduais. Segundo, para derrotar o projeto global do governo em relação à Educação.

É com este “espírito” que devemos, no início do próximo ano, receber os novos calouros, particularmente os cotistas. Primeiro, é preciso que todo o movimento esteja na linha de frente para acolhê-los e, inclusive, defender cada um deles em relação a qualquer tentativa de racismo, discriminação ou questionamento da legitimidade do sistema que lhes permitiu o acesso ao ensino superior.

Mas também é preciso lhes dizer que, para que possam continuar na universidade, temos que arrancar 10% do PIB para a Educação, também para financiar projetos de permanência e bolsas. É preciso engajá-los na luta pela democratização das universidades e por melhores condições de ensino e trabalho.

Para nós, está perspectiva é um dos elementos mais positivos decorrentes da conquista que tivemos esta semana. Não há como não saudar a entrada de um setor mais amplo da classe trabalhadora e dos oprimidos e marginalizados nas universidades, pois temos certeza que, exatamente pela sua origem, eles não demorarão a perceber, de dentro das salas de aula, a necessidade de se organizar e luta pela universidade e a sociedade que realmente precisamos.

Uma luta que, para nós do PSTU e dos movimentos nos quais atuamos, como o Quilombo Raça e Classe e a Anel, tem que apontar não só em direção à completa transformação do modelo de universidade que existe hoje, como também deve estar vinculada ao combate sem tréguas contra o sistema que criou e mantém este modelo. Uma universidade democrática, livre, de qualidade, não-racista e a serviço dos interesses da maioria. Algo que só pode existir em um mundo socialista.