Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, prometeu e cumpriu. Em apenas duas horas e meia, a boiada passou sem cerimônia sobre uma parte importante da legislação ambiental do país na reunião do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), presidida por ele, no último dia 28.

Nela foram revogadas resoluções anteriores aprovadas pelo órgão, que estabeleciam critérios para a preservação de áreas litorâneas de manguezais e restingas, assim como áreas em torno de reservatórios de água, como mananciais urbanos. Também foram revogadas medidas que regulamentavam a irrigação agrícola.

Ricardo Salles é um bandido que deveria estar na cadeia. Foi condenado pela justiça de São Paulo por fraudar mapas da várzea do rio Tietê nos tempos em que era secretário do meio ambiente de Geraldo Alckmin (PSDB) para beneficiar amigos empresários.

A revogação das medidas revela o atendimento aos mais chulos interesses dos ruralistas, da especulação imobiliária, da carcinicultura e de um punhado de empresário que deseja ganhar dinheiro com a queima de resíduos sólidos.

O conselho é o principal órgão consultivo do Ministério do Meio Ambiente e é responsável por estabelecer critérios para licenciamento ambiental e normas para o controle e a manutenção da qualidade do meio ambiente. No entanto, o governo mudou a composição do conselho, excluiu vários setores que representavam a sociedade civil, enquanto botou até ruralista lá dentro.

O que mudou

As resoluções 302, que foi revogada, determinava quais são as Áreas de Preservação Permanente (APP) nas faixas litorâneas, protegendo toda a extensão dos manguezais e delimitando como APPs as faixas de restinga “recobertas por vegetação com função fixadora de dunas ou estabilizadora de mangues”. Essa era a única medida legal no Brasil que protegia as áreas de restinga. A revogação da medida atende diretamente a especulação imobiliária que deseja expandir hotéis e resorts em áreas litorâneas que estavam até então vedadas a esses setores por serem APPs.

Outro setor chulo da economia beneficiado pelo ministro amigo de garimpeiros é os carcinicultura, criação de camarões em viveiros, principalmente no litoral do Rio Grande do Norte. Esse tipo de cultivo tem enormes impactos ambientais, como destruição de manguezais, salinização de aquíferos, poluição das áreas adjacentes e perda da biodiversidade por meio de escape de espécies exóticas para o ambiente natural.

Já a resolução 302/2002 protegia mananciais urbanos determinando que reservatórios artificiais mantenham uma faixa mínima de 30 metros ao seu redor como Área de Preservação Permanente (APP). Esse tipo de nome se aplica a represamentos e reservatórios de água – como as represas Billings, Guarapiranga e Cantareira, em São Paulo; ou Reservatório do Funil, no Rio de Janeiro – e protege seus entornos de ocupações irregulares. Mais uma vez, a revogação libera essas áreas a especulação imobiliária que agora tem sinal verde para construção de residências de luxo na beira de mananciais, o que vai colocar em risco a qualidade das águas que abastece as grandes cidades.

O conselho também revogou a resolução 284, que determinava projetos de irrigação na agricultura ao processo de licenciamento ambiental. Hoje sabemos que 72% da água consumida no país vai para a agricultura. O licenciamento ambiental serve para dar parecer técnico sobre vazão de água, o estudo sobre o impacto de uma bacia hidrográfica etc. Sem isso, sem a menor regulamentação, o agronegócio tá livre pra roubar a água de rios e de lençóis freáticos, o que certamente vai impactar comunidades e cidades inteiras que terão suas águas roubadas para os monocultivos do agronegócio. Não por acaso, a revogação foi festejada pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA), que tem cadeira cativa no Conama.

Por fim, o conselho e aprovou ainda uma nova resolução que permite a queima de resíduos de poluentes orgânicos, como agrotóxicos, em fornos de produção de cimento. No Brasil é proibido queimar qualquer tipo de lixo. Mas isso poderá mudar em breve, pois a revogação atende os interesses do setor de resíduos sólidos que está interferindo na elaboração do novo Plano Nacional de Resíduos Sólidos. São empresários – a nata do lixo – que desejam abrir as porteiras para a incineração geral do lixo, o que vai acarretar num baita problema de poluição atmosférica.

A boiada de Salles cortou caminho para atender interesses dos ruralistas e de outros setores xucros da burguesia. Muitas dessas medidas já estavam em andamento no Congresso, como uma lei de flexibilização da lei geral de licenciamento ambiental, em negociação na Câmara dos Deputados.

O revogaço de Salles também vai aumentar a violência contra ambientalistas e comunidades que dependem desses ecossistemas para se reproduzir, pois intensifica os conflitos e as disputas pelo uso do território com os representantes do capital. Lembrando que o Brasil já é o país que mais assassina ambientalista em todo o mundo.

Mas tudo isso evidencia a enorme fragilidade da legislação ambiental brasileira. Boa parte dela, naturalmente, foi uma conquista de décadas de lutas do movimento ambiental e de comunidades. No entanto, o capitalismo revela sua face mais cruel com o atual governo que desmonta uma após a outra as frágeis conquistas do passado. Tudo isso demonstra que sem a superação do capitalismo, a catástrofe ambiental vai continuar e ameaça a existência da maioria da civilização.