Nos últimos anos, o governo realizou modificações na legislação sobre riscos e lesões no trabalho com argumento de “proteger” os trabalhadores. O Opinião entrevistou Maria Elvira Mariano, advogada especializada em Saúde e Segurança do Trabalho. Para ela aQuais as principais doenças provocadas pelo trabalho entre trabalhadores e trabalhadoras nas fábricas?

Maria Elvira Mariano – Atualmente as principais doenças são musculoesqueléticas, as chamadas Dort’s (Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho), também conhecidas por LER (Lesões de Esforços Repetitivos). Dependendo da fábrica identificamos rápido onde se localizam os problemas. Na GM as lesões de ombro são a principal causa, seguida por coluna; na Embraer a principal é a coluna, joelho e ombro. Nas fábricas onde tem muitas mulheres e o trabalho é minucioso a principal lesão é a de punho e cotovelo.

Entretanto, os problemas de ordem psíquica têm aumentado vertiginosamente devido às políticas de gestão, isto é, a pressão pelo aumento de produtividade, programas de qualidade, assédio, flexibilização das leis do trabalho, organização do trabalho, insegurança frente às demissões e também em razão das doenças.

A crise econômica tem provocado o aumento do ritmo de trabalho que provoca ainda mais doenças. Como você vê isso?

Maria Elvira – A crise econômica incide diretamente na saúde dos trabalhadores, principalmente pelo aumento do ritmo de trabalho, aliado ao corte de pessoal. Hoje se produz mais com menos trabalhadores. É preciso estar atento aos acidentes típicos, que também aumentam neste momento de crise, dada a instabilidade e a pressão sofrida pelos trabalhadores. Outro fator importante é a “necessidade” das empresas em reduzir custos, fazendo da saúde e da segurança dos trabalhadores o menos importante. Isso tem influência na qualidade dos equipamentos de segurança e nas normas de segurança.

É lamentável ver os trabalhadores em situação tão ruim, enquanto a maioria dos sindicatos e centrais fecham os olhos para os problemas mais presentes no chão de fábrica que afetam os trabalhadores e também a sua família. Não organizam os trabalhadores para lutar contra essa agressão e ainda fazem parcerias com as empresas e aplaudem as políticas do governo federal sem fazer sequer uma única crítica.

Qual é a sua avaliação das políticas públicas do governo como o chamado Nexo Técnico Epidemiológico e o Decreto 6957, de setembro, que altera a aplicação, acompanhamento e avaliação do Fator Acidentário de Prevenção?

Maria Elvira – Há muito tempo vários setores vinham reclamando com razão da falta de critérios nas perícias médicas do INSS, pois para se estabelecer o chamado nexo causal, muitas vezes existia a necessidade de perícia no local de trabalho. Mas com o desmonte no setor o INSS ficou sem pessoal para fazê-las. Então se criou o Nexo Técnico Epidemiológico (NTEP), em suma relação entre o chamado Código Nacional da Atividade Econômica (CNAE) da empresa e a Classificação Internacional da Doença (CID) que acomete o trabalhador. É verdade que aumentou o número de reconhecimento dos acidentes de trabalho, mas a que preço?

A lei que criou o NTEP abriu a possibilidade das empresas recorrerem da aplicação deste. Em alguns casos tem efeito suspensivo como nos casos de LER/Dort, dentre outros. Na prática, quando a empresa recorre do deferimento do acidente de trabalho, a perícia médica do INSS avalia os argumentos da empresa sem vistoriar o local de trabalho, e pode converter o Benefício de Auxílio Doença Acidentário para auxílio doença previdenciário, ou seja, de doença comum. Isso faz que o trabalhador perca imediatamente a estabilidade no emprego prevista no artigo 118 da Lei 8.213/91. Ou ainda, pode obrigá-lo a provar que foi vítima de acidente de trabalho, invertendo totalmente o ônus da prova.

Outro problema é que várias grandes empresas, como as montadoras, e as doenças relacionadas com o trabalho nelas, ficaram de fora da lista do NTEP. Como se as doenças do trabalho não existissem nestas empresas.

O Decreto 6957 apenas alterou a lista do NTEP que já existia, deixando-a mais reduzida. Se a lista já era precária ficou pior.

Com o Fator Acidentário de Prevenção, o governo instituiu uma flexibilização das alíquotas aplicadas às empresas sobre os benefícios pagos pela Previdência decorrentes dos riscos do trabalho. Qual é a sua opinião?

Maria Elvira – Podemos chamar isso de uma vitória do lobby feito pelas empresas sobre o governo Lula. A exposição de motivos do Decreto que criou o Fator Acidentário de Prevenção (FAP) é no mínimo uma afronta a capacidade de pensar dos trabalhadores. Segundo o governo, não seria justo para as empresas que investem em segurança no trabalho pagarem a mesma alíquota das empresas que não investem. Por isso, o governo decidiu que as empresas que aumentarem o número de afastamentos e registros de acidente de trabalho sofreriam um aumento da sua alíquota em 100%. Por outro lado, as que reduzirem seus números teriam reduzida sua alíquota em 50%.

No entanto, perguntamos: qual empresa vai querer emitir a Comunicação de Acidente do Trabalho e concordar com os afastamentos de seus empregados? Aliás, o início para aplicação do FAP estava agendado para janeiro de 2009, mas os índices de acidente tinham aumentando. Devido a isso, o prazo para começar sua aplicação foi transferido para 2011.

Vejo estas medidas do governo federal como meramente populistas, onde é contada apenas uma parte da história dos trabalhadores tentando assim iludi-los. A parte ruim, que retira direitos históricos conquistados com muita luta como a estabilidade no emprego do acidentado, as restrições à concessão do Auxílio Acidente, vão para debaixo do tapete.

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