PSTU-PA

Sérgio Darwich

No dia 29 de julho aconteceu mais uma tragédia no sistema prisional brasileiro: a rebelião no Centro de Recuperação Regional de Altamira, com 62 mortos.

As condições materiais do Centro de Recuperação de Altamira são comuns nos presídios do país: superlotação, 343 presos convivem onde cabem 163, grande quantidade de presos provisórios (sem condenação) e, enfim, sem enfermaria, biblioteca, oficina de trabalho ou sala de aula, segundo o próprio Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

As 62 mortes – 16 por decapitação – ocorreram, segundo a Secretaria de Segurança Pública do Pará, por causa de brigas entre facções. No entanto, em maio deste ano, familiares de presos protestaram pela transferência de membros das facções. Pedido negado pelo governo Helder Barbalho (MDB). Mas, após a tragédia anunciada, Helder, finalmente, determinou a transferência de 46 presos ligados a estas facções.

Para completar o festival de descaso, houve a declaração patética do secretário extraordinário para Assuntos Penitenciários do estado do Pará, Jarbas Vasconcelos, de que nenhum relatório de inteligência indicava um ataque de grandes proporções.

Como se não bastasse, ocorreram outras quatro mortes durante a transferência dos presos. Só a inteligência obtusa do governo e seus secretários incompetentes não previram que presos de facções diferentes não poderiam ser trasladados juntos.

Ao contrário das previsões do governo Helder, era possível evitar esta tragédia. As medidas anunciadas para evitar novos massacres repetem a ladainha de todos os governos: construir mais cinco presídios no estado e a vinda da “força-tarefa” de Moro. Nenhuma palavra sobre combate ao desemprego, ao déficit de moradias ou por mais escolas e hospitais. Nada sobre saneamento e transporte digno. Nenhuma medida que realmente enfrentasse a pobreza e o desemprego, causas centrais da violência, do tráfico de drogas e das prisões em massa.

Nenhuma medida séria para agilizar os processos de dez mil presos sem julgamento e sem penalidades definidas. Nenhuma sobre penas alternativas para milhares de presos por furtos e roubos, como regime semiaberto, trabalho para diminuição de penas, prestação de serviços, entre outras. Nenhuma política para construção de enfermarias, escolas ou oficinas de trabalho nos presídios. As únicas medidas anunciadas preveem apenas o aumento de prisioneiros e, consequentemente, mais massacres.

As verdadeiras causas da tragédia em Altamira
A parteira da tragédia de Altamira é a política econômica de governos atuais e  passados. É, também, a causa de outras rebeliões, como as duas ocorridas em Manaus, em janeiro de 2017 (com 56 mortos) e em maio deste ano (com 55 mortos), a rebelião em Roraima em janeiro de 2017 com 33 mortos e o massacre de Nísia Floresta, no Rio Grande do Norte, também com 33 mortos.

Toda esta tragédia social que assola do Brasil é resultado destas políticas econômicas aplicadas pelos governos FHC, Lula e Dilma, Temer e Bolsonaro. Tais políticas beneficiam os ricos e, de forma brutal, destroem a indústria no país, destroem milhares de postos de trabalho, o mercado interno, os direitos e conquistas dos trabalhadores, como as reformas trabalhista e da Previdência, além da PEC 95 – que congela investimentos nos serviços públicos e, como consequência, fecha escolas e hospitais por falta de investimentos.

Por outro lado, o elemento mais importante desta política econômica cruel é o pagamento da dívida pública, que destina 40% do PIB para os bancos. A dívida pública é responsável maior pelo desemprego e a destruição dos serviços públicos.

Assim, uma economia cada vez mais voltada para a exportação de matérias-primas, o mercado externo e o enriquecimento dos bancos, é extremamente destrutiva para os trabalhadores, aprofundando o desemprego em massa e os ataques a direitos.

Como consequência, o Brasil assistiu nos últimos anos a explosão da falta de trabalho, que atinge 70 milhões de pessoas (IBGE), a explosão da violência com mais de 500 mil homicídios entre 2004 e 2014, sendo 70% assassinatos contra negros (Mapa da Violência) e a explosão da população carcerária: de 90 mil, em 1990, para 812.564 presos, em 2019, segundo o Banco de Monitoramento de Prisões, do CNJ.

No capitalismo, presídio é só para pobres
O capitalismo brasileiro entrou numa fase de destruição brutal das forças produtivas. Não há soluções para os problemas apontados acima por dentro do próprio sistema capitalista.

Na verdade, o caminho que leva os trabalhadores à luta e aos presídios é o mesmo: a exploração capitalista. A prisão verdadeira é o sistema podre capitalista que trata ser humano como coisa a serviço do lucro. O trabalhador excedente é descartado ou morto.

Os dados sobre a população carcerária comprovam o que afirmamos acima: em 2017, praticantes de roubos e furtos somados eram 37% dos presos; homicidas, 11% e ligados ao tráfico de drogas representavam 28% dos presos. Outro fator importante é o aumento da população carcerária que ultrapassou o número de presos da Rússia e ocupa o terceiro lugar no ranking mundial, atrás somente de EUA e China.

O aumento da população carcerária se deve, em boa parte, à nova Lei das Drogas, de 2006. O critério para distinguir usuário de traficante é subjetivo, depende da interpretação do juiz. Na prática, só o pequeno traficante é punido. Muitas vezes, o sujeito é somente usuário, mas, por ser jovem, negro, pobre e morador de favela, é preso.

Dos 812.564 presos, 41,5% (cerca de 337 mil) são presos provisórios, ou seja, sequer passaram por julgamento e não têm condenação. Um número próximo a este (cerca de 300 mil ou 37%) praticaram roubo ou pequenos furtos. Outro aspecto é que 55% é composta de jovens de 18 a 28 anos e 64%, por negros. 50% dos presos não frequentou ou não possui o Ensino Fundamental completo. Ou seja, antes de serem presas, são pessoas socialmente vulneráveis, marginalizadas e com baixa escolaridade (IBGE/INFOPEN).

No Pará, a situação é parecida e, alguns aspectos, pior do que a do restante do país. A população de presos é de 20.005 para 9.970 vagas somente. Destes 20 mil e cinco presos, 9.722 (50%) são presos provisórios, não receberam pena ainda.

Estes números confirmam que a pobreza, o machismo e o racismo estão na base das prisões em massa. Isto se mostra mais escandaloso quando verificamos que a nova Lei das Drogas, aprovada no governo Lula, criminaliza o pequeno traficante e fecha os olhos para os barões do tráfico.

No capitalismo, os ricos ligados ao tráfico de drogas não vai preso. Eles exploram o exército de desempregados na produção e distribuição de drogas. Um exemplo disto é o do ex-deputado Gustavo Perrella (SD) e de Aécio Neves (PSDB), ligados a um helicóptero apreendido com 450 kg de cocaína pela pela Polícia Federal, em 2013, no Espírito Santo. Nada aconteceu. Por outro lado, o  segundo-sargento da Aeronáutica, Manoel Silva Rodrigues, do avião da FAB da comitiva de Bolsonaro, foi pego na Espanha com 39 kg de cocaína mas não vai para um presídio como o de Altamira – se chegar a cumprir pena.  No Brasil, o criminoso rico não vai preso. A lei prega na cruz somente o pobre.

No Pará, o latifúndio tira a terra dos camponeses que vão engrossar os cinturões de miséria da periferia. O desemprego e o subemprego atingem por volta de 1,2 milhão de pessoas (IBGE). O déficit habitacional é de 423 mil casas (IBGE, 2017). Belém é a capital mais violenta do país e o Pará como sexto estado mais violento da união (Núcleo de Estudos da Violência da USP). No entanto, apesar dos problemas, apenas 18,5% do PIB do estado é destinado ao orçamento de governo. Mas empresas bilionárias (Hydro, Coca-Cola e Tramontina) ganham isenções fiscais e descontos de até 50% da taxa de energia elétrica. Só a Norsk Hydro, uma das maiores mineradoras do mundo, recebeu isenções fiscais de R$ 7,5 bilhões até 2030, do governo Simão Jatene. Hélder Barbalho continua e aprofunda esta política.

Portanto, os massacres como o ocorrido no presídio em Altamira são consequências deste sistema capitalista que não oferece mais condições para uma vida digna para a maioria da população do planeta.

Hoje, no capitalismo brasileiro, assim como outras partes do mundo, o lucro significa destruição. A crise nos presídios brasileiros são um dos produtos mais desumanos da agonia capitalista. O mundo não vai melhorar com mais presídios, como quer o governador Helder Barbalho. O mundo só vai melhorar se parar de pagar a falsa dívida pública e se utilizar estes recursos para investir na indústria e na reforma agrária para termos mais trabalho e salários dignos, mais escolas, mais hospitais, mais lazer e mais cultura para os trabalhadores. O mundo, certamente, também melhoraria com a revogação da reforma trabalhista e sem reforma da Previdência, que vão escravizar os trabalhadores e elevar a criminalidade nos setores mais desesperados da população pobre.

Por outro lado, agilizar os julgamentos de 41,5% dos presos no Brasil que estão presos e nem foram julgados ainda, penas alternativas para furtos e pequenos delitos, prisão só em segunda instância para roubos, a presença de oficinas de trabalho, escola, bibliotecas, quadras esportivas, ajudaria a melhorar a atual situação dos presídios.

Porém, não acreditamos que governos entreguistas e capachos dos ricos, como de Bolsonaro e Helder Barbalho, mudem esta situação. Só com o fim do capitalismo e com um governo socialista e dos trabalhadores poderemos ter a democracia real e um mundo mais humano, sem violência nem prisões.