Redação

No dia 9 de novembro de 1988, a cidade de Volta Redonda, no sul do estado do Rio de Janeiro, foi aterrorizada com a notícia do assassinato de três jovens operários que estavam em greve, ocupando com milhares de metalúrgicos a Usina Presidente Vargas, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN).

A greve teve início no dia 7 de novembro e rapidamente os metalúrgicos ocuparam a CSN, exigindo a implementação imediata do turno de 6 horas garantido pela recém-aprovada Constituição de 1988, anistia aos trabalhadores demitidos em outras greves e a recuperação das perdas salariais. Era o ano de 1988 que encerrava a chamada década perdida da economia brasileira e marcava a derrocada do desastroso governo de José Sarney, caracterizado por uma hiperinflação gigantesca e um elevado custo de vida.

A ditadura militar brasileira ainda suspirava seu ódio fascista e repressor aos trabalhadores e rapidamente sitiou a cidade com blindados, tanques, jipes, caminhões, artilharia pesada e disposição para atirar e matar operários. Os militares, ao invadirem a CSN para tentar pôr fim à greve, entraram em confronto com os operários e assassinaram William Fernandes Leite, de 22 anos, com tiro de metralhadora no pescoço; Valmir Freitas Monteiro, 27 anos com tiro de metralhadora nas costas e Carlos Augusto Barroso, 19 anos, com esmagamento de crânio.

Volta Redonda cantou a Internacional Comunista
No dia seguinte, nas assembleias e concentrações para o enterro dos operários, os trabalhadores de Volta Redonda cantaram a Internacional Comunista, em descompasso com a ideologia da música, contraditória para alguns líderes sindicais, mas uníssona para repudiar e expressar o ódio ao exército assassino de José Sarney e a repressão imposta à cidade que aglutinava e mobilizava cada vez mais trabalhadores para as ruas.

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No dia 13, uma missa campal celebrada por D. Waldir Calheiros, concentrou milhares de pessoas da cidade e da região, em uma mobilização de fraternidade e solidariedade aos metalúrgicos e de revolta contra a opressão do exército. Os trabalhadores saudaram Willian, Valmir e Barroso e gritaram: “Povo unido jamais será vencido! A greve continua! A greve continua! ”. No dia 20 de novembro mais de 70.000 trabalhadores abraçaram simbolicamente a CSN, três dias depois a greve termina vitoriosa, sendo considerada uma das mais poderosas ocorridas no Brasil e no mundo, tendo repercussão internacional e influenciando as eleições de 1988, como a eleição de Luiza Erundina do PT para a prefeitura de São Paulo.

O Memorial
No dia 1º de maio de 1989 foi inaugurado o Memorial 9 de novembro, explodido na madrugada em um atentado com bomba. A obra criada pelo arquiteto Oscar Niemeyer foi reerguida e manteve os sinais da violência como símbolo de resistência. O luto na cidade era latente e o sentimento de revolta alimentava a mobilização dos trabalhadores. A cidade do aço era um péssimo exemplo para o país e precisava ser silenciada.

A Farsa Sindical e a Privatização
Sob a direção da Força Sindical à frente do Sindicato dos Metalúrgicos, a CSN foi vendida ao empresário Benjamim Steinbruch. As privatizações no Brasil na década de 1990 eram ditadas pelo FMI através do chamado Consenso de Washington, que era sinônimo de demissão e privatização. A CSN foi arrematada por R$ 1,2 bilhão em moedas podres. Hoje, o valor de mercado da CSN gira em torno de US$ 20,5 bilhões, sendo considerada a maior empresa em valor de mercado do setor de siderurgia e metalurgia das Américas. Anos após a privatização, a CSN e o chamado cinturão do aço, (pequenas e médias empresas de metalurgia) perderam aproximadamente 30.000 empregos, através da política de parceria com a CSN privatizada.

Arigós Negros Luta e Resistência Operária
A Companhia Siderúrgica Nacional foi construída por milhares de migrantes das mais diversas cidades do Brasil, predominantemente do sul de Minas Gerais, que trouxe uma população de famílias negras que foram buscar o eldorado para suas vidas na cidade do aço. No discurso nacionalista da “família siderúrgica”. nem todos eram tratados iguais e as oportunidades não eram para todos. O racismo consolidava-se com a formação da cidade e a mentalidade escravista após pouco mais de 50 anos da abolição da escravatura. permeava as relações sociais. Na Volta Redonda emancipada da década de 1950. os negros não frequentavam clubes de brancos. Foi assim que, em 31 de janeiro de 1965, o Clube Palmares foi fundado como uma alternativa social, de luta e resistência da comunidade negra de Volta Redonda.

Em 1950, Volta Redonda, distrito de Barra Mansa, possuía uma população de 35.964, sendo que 69% dos trabalhadores envolvidos com a construção da CSN eram negros, se acrescentarmos os trabalhadores não especializados, ou seja, os que trabalhavam em situações mais pesadas, esse número sobe para 73,6%.

Siderúrgica da morte

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Acidente na CSN no início do ano

Na CSN em 2014 ocorreram 194 acidentes, em 2015 foram 197 e em 2016, nos primeiros seis meses, já são mais de 100 acidentes. São sete acidentes com vítimas fatais desde 2014. Quatro deles ocorreram esse ano. Quatro operários morreram.

Benzenismo mortal
Em 1991, haviam mais de 2.000 casos na CSN de benzenismo, com cerca de 500 afastados pela impossibilidade de trabalhar, 90% deles eram negros. A CSN alegava que os negros possuíam anemia falciforme, uma questão genética de raça, o que para a empresa não tinha relação direta com os altos índices de leucopenia.

Poluição Ambiental
Nas últimas décadas, a CSN mantém recorrentes infrações contra o meio ambiente e a saúde da população de Volta Redonda. O rio Paraíba do Sul agoniza com os despejos e vazamentos recorrentes de substâncias tóxicas e cancerígenas que impregnam suas águas de chumbo, cobre, naftaleno, benzeno e metais pesados como o cádmio e o ascarel, substância proibida no país também foram detectadas.

O solo do Conjunto Habitacional Volta Grande IV, que a CSN concedeu para a construção de casas para os empregados contém resíduos industriais mortais desde sua construção em 1995. São 750 famílias que sofrem com o risco da leucopenia e outras contaminações graves que também atingem o ar com metais ferrosos.

Uma fortuna privatizada

steinbruchA CSN é um dos maiores complexos siderúrgicos integrados do mundo e atua com destaque em cinco setores: siderurgia, mineração, logística, cimento e energia. A empresa domina toda a cadeia produtiva do aço, e já é a segunda maior exportadora de minério de ferro do Brasil. A CSN produz 5,6 milhões de toneladas de aço bruto sendo que 86% dessa produção destina-se ao mercado brasileiro. De outubro a dezembro de 2015, o lucro líquido da CSN foi de R$ 2 bilhões de reais, 30 vezes maior em comparação ao mesmo período.

Benjamim Steinbruch
A fortuna da Família Steinbruch, capitaneada pelo empresário Benjamin, é nada menos que US$ 543 milhões. Em 2013, Dorothea Steinbruch, mãe de Benjamin, aparecia no ranking de bilionários da Forbes na 1.268ª posição, com fortuna avaliada em US$ 1,1 bilhão.
Erlon Couto, de Volta Redonda (RJ)

Fontes Bibliográficas:
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BEDÊ, Waldyr Amaral. Volta Redonda na Era Vargas (1941-1964). Volta Redonda: SMC/PMVR, 2004.

Da SILVA, Leonardo Ângelo. Industrialização, Relações de Classe e Participação Política: da Criação da CSN à Emancipação de Volta Redonda (1941-1954). Dissertação de Mestrado, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (IM-UFRRJ), 2010.

Da SILVA, Leonardo Ângelo. A Classe trabalhadora tem cor: democracia racial e desenvolvimentismo em Volta Redonda (1946-1987). Dossiê. NORUS – v4, n.5, jan – jul 2016.

DINIUS, Oliver. Work in Brazil’s Steel City: A History of Industrial Relations in Volta Redonda, 1941–1968.PhD, dissertetion in History, Harvard University, 2004.

GRACIOLLI, Edílson José. Um caldeirão chamado CSN: resistência operária e violência militar na greve de 1988. Dissertação de Mestrado em História. Universidade Federal de Uberlândia, 1995.

GRACIOLLI, Edílson José. Um Laboratório Chamado CSN – Greves, Privatização e Sindicalismo de Parceria (A trajetória do Sindicato dos Metalúrgicos de Volta Redonda – 1989/1993). Tese de Doutorado em Sociologia. Universidade Estadual de Campinas, 1999.

IBGE.Censo Demográfico 1950. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1950.