Marvin Gaye
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Morto pelo próprio pai em 1984, o músico teria completado 70 anos no dia 2 de abrilNo dia 1º de abril de 1984, um tiro no peito, disparado pelo próprio pai, silenciou a incrível voz de Marvin Gaye. Uma ironia desmedida, já que a arma foi um presente do músico para o pai. A tragédia, ocorrida um dia antes de seu 45º aniversário, pôs fim à carreira de um dos maiores nomes da soul music de todos os tempos. Se não tivesse sido assassinado, Gaye teria completado 70 anos no último dia 2 de abril. Mesmo sem nenhuma edição especial de sua obra programada para celebrar a data, falar sobre seu legado é sempre um bom motivo para ouvir novamente o Príncipe do Soul.

Vida e música
Primeiro filho do pastor evangélico Marvin Pentz Gay Sr. com a professora Alberta Cooper, Marvin Gaye nasceu em Washington no dia 2 de abril de 1939. Viveu anos difíceis no bairro Deanwood, parte segregada da capital norte-americana. Ainda jovem, Gaye foi carregador de tacos de golfe num clube, em Maryland. Criado dentro da igreja de seu pai, ele se envolveu cedo com a música. Aos três anos, já cantava no coral e tocava instrumentos.

O pai de Marvin Gaye pregava na Igreja Adventista do Sétimo Dia. Era um homem muito rigoroso e defendia um código de conduta ortodoxo e anacrônico. A música se mostrou, então, uma forma de fuga para o jovem Gaye, que durante a infância apanhava do pai todos os dias.

Em sua passagem pela high school, Marvin começou a ouvir doo-wop, ritmo caracterizado por um backing vocal harmonioso e suave, muito popular entre os negros americanos nos anos 1940. Influenciado pelas onomatopeias e imitações dos sons dos instrumentos, típicas do gênero, Gaye ingressou como baterista no DC Tones. O grande músico começava a se formar.

Depois de abandonar a escola, Marvin Gaye se alistou na Força Aérea dos Estados Unidos, mas não ficaria muito tempo. Após fingir uma doença mental, foi dispensado por se recusar a cumprir ordens. No ano de 1959, Marvin gravou, pela Chess Records, com Harvey and The Moonglows, um dos mais importantes grupos de doo-wop da costa leste americana.

Entretanto, o início da carreira do cantor veio mesmo em 1961, na Motown, onde Gaye se transformou rapidamente no principal músico da gravadora, estourando vários sucessos entre os anos de 1960 e 70. “Stubborn Kind of Fellow”, “How Sweet It Is” e “I Heard It Through The Grapevine” são alguns exemplos.

Marvin Gaye fez músicas fantásticas desde o início. Com fortes influências do rhythm and blues e do gospel dos negros da década de 1950, o cantor deixou na história da soul music álbuns antológicos, como What´s Going On (1971), Let´s Get It On (1973), I Want You (1976) e Midnight Love (1982).

Pela Motown, o Príncipe do Soul viu sua carreira deslanchar. Emplacou seus maiores hits e formou duetos inesquecíveis com as mais deslumbrantes vozes femininas da época. Entre os destaques estão Diana Ross, Kim Weston e Mary Wells. Mas a parceria mais marcante de Gaye foi com Tammi Terrell, com quem o cantor gerou os sucessos “Your Precious Love”, “If I Could Build My Whole World Around You” e “If This World Were Mine”.

Entretanto, a relação de Marvin Gaye com a Motown foi repleta de turbulências e choques de interesses. Ao longo da história, foram muitas batalhas travadas entre as opções artísticas do músico e as aspirações por produtos comerciais da gravadora. Gaye queria ser um cantor de baladas de amor sofisticadas, o que por vezes foi incompatível com as exigências de um trabalho mercadológico.

What´s Going On: um divisor de águas
As canções de Gaye sempre refletiram os seus mais profundos sentimentos e ideias. Em vários trabalhos, ele mostrou que sua música vinha de dentro da alma, revelando-se um artista realmente sensível e atento ao que acontecia ao seu redor.

Seu álbum mais aclamado é, sem dúvida alguma, What´s Going On (1971). Para muitos críticos, este disco é considerado um divisor de águas na carreira de Gaye. Marcado por batidas do funk e do jazz e com letras de conteúdo forte, o trabalho é considerado um dos mais importantes da história da soul music americana. Nele, Gaye expõe seu lado espiritual, amoroso e pacifista. O disco marca, também, as preocupações do artista com a natureza, a vida urbana da América e a Guerra do Vietnã.

Na faixa-título do álbum, o Príncipe do Soul pede pelo fim dos horrores no sudeste asiático. Em versos como “Mãe, mãe / Há muitas de vocês chorando / Irmão, irmão, irmão / Há muitos de vocês morrendo” ou “Pai, pai / Nós não precisamos agravar / Veja, guerra não é a resposta”, Marvin Gaye fez – a seu modo – um protesto contra a Guerra do Vietnã.

Durante a década de 1970, o músico ainda lançaria outros discos notáveis, como o bem pessoal Let´s Get It On (1973), sucesso de vendas e que revela seus conflitos com o pai, dúvidas existenciais e outras questões íntimas. No início dos anos 1980, ele ainda emplacaria o hit “Sexual Healing”, música que inaugurou sua fase de erotismo e lhe rendeu dois prêmios Grammy.

Voz e estilo inconfundíveis
Seria estranho não reconhecer a importância de Marvin Gaye para a história da música. Dono de uma voz e de um estilo inconfundíveis, sua influência na cena musical pode ser sentida em muitos outros artistas consagrados, como Rick James, Prince, George Michael, Ben Harper etc.

No dia em que foi assassinado pelo pai durante uma briga, Gaye já era, incontestavelmente, uma das figuras mais significantes da música soul. O apelido de Príncipe do Soul surgiu, provavelmente, da influência que Gaye recebeu de Ray Charles, uma vez que este era considerado o rei. Mas foi a maneira de cantar com a alma que fez a voz poderosa e contagiante de Marvin Gaye ganhar o mundo.

Seu legado musical envolve a história do rhythm and blues, do doo-wop dos anos 1950 e o soul da década de 1980. Definitivamente, seria impossível imaginar o desenvolvimento da black music sem Marvin Gaye. O título de nobreza que possui é realmente merecido.

  • Assista: Marvin Gaye canta “Got to give it up”, ao vivo, no festival de Montreux (1980)