No final de 2013 foi realizada uma Caravana da Anistia para julgar os requerimentos de pedidos de anistia de 25 militantes da antiga Liga Operária (depois Convergência Socialista). Foi uma caravana vitoriosa, com um ato político, para uma plateia que unia novos e velhos lutadores, onde o Estado brasileiro reconheceu o papel cumprido pela Convergência na luta contra o regime militar (clique aqui para ler).  Na ocasião, 21 companheiros e companheiras foram anistiados em emocionantes sessões. Outros três, Carlos Sagranichiny, Mauro Puerro e Vagner Poleto, tiveram seus julgamentos adiados para juntar novos documentos. No inicio deste ano, nos meses de fevereiro e março, em Brasília, estes julgamentos foram concluídos.

Martin Hernández, ou Carlos Alberto, é dirigente da LIT, a Liga Internacional dos Trabalhadores, e esteve sob a ameaça permanente da Operação Condor, que reunia os órgãos de informação e repressão de diversos países da América Latina, responsáveis por milhares de detenções, desaparecimentos e assassinatos de militantes.

Perseguição
A atuação política de Martín Hernández, que tem uma vida inteira dedicada à revolução socialista,  teve início na Argentina. No ano de 1966 e até 1968, participou do movimento peronista, lutando contra a ditadura militar do General Juan Carlos Onganía. Como estudante, foi uma das lideranças da Faculdade de Arquitetura da Universidade de La Plata, e participou dos primeiros grandes enfrentamentos contra o governo militar, sendo preso em diversas ocasiões.

Em 1968, Martín ingressa no PRT (Setor La Verdad), organização que integrava a IV Internacional e cujo principal dirigente era Nahuel Moreno. Como militante do PRT (La Verdad) e dirigente regional do partido em La Plata, Martín foi preso diversas vezes no contexto da luta contra a ditadura argentina do General Lanusse. Em 1972, passa a integrar o Comitê Central do recém-criado Partido Socialista dos Trabalhadores, fusão do PRT (LV) e do PSA (dirigido por Juan Carlos Coral) e participa como candidato a deputado provincial de Buenos Aires nas eleições de 1973.

Em 1975, durante o governo de Isabel Perón, oito militantes do PST, da Regional de La Plata, são brutalmente assassinados pela organização paramilitar Aliança Anticomunista Argentina ou Três A, obrigando Martín Hernandez a refugiar-se na cidade de Quilmes. Ainda neste ano, um dos mais violentos do governo de Isabel Perón, o PST é constantemente atacado. Novos militantes são assassinados e a maioria das sedes é atacada. Martín é eleito Secretário Geral da Juventude Socialista e passa a integrar o Comitê Executivo do PST, dirigido por Nahuel Moreno.

No ano seguinte, depois do triunfo do novo golpe militar, dessa vez encabeçado pelo General Jorge Rafael Videla, o PST passa para a clandestinidade. Muitos militantes da organização são presos e torturados, sendo que mais de 100 estão desaparecidos até hoje.

Nahuel Moreno e uma parte da direção do partido são obrigados a sair clandestinamente do país e se instala em Bogotá, na Colômbia. No exílio, os dirigentes do PST passam a dirigir a Fração Bolchevique da IV Internacional e acabam por constituir a direção do PST no exílio. A outra parte da direção fica no país clandestinamente, encabeçada por Martín Hernandez, que passa a ser o Secretário Geral do partido na Argentina.

No  Brasil
Em agosto de 1978, 23 militantes da Convergência Socialista são presos em São Paulo. Nahuel Moreno, que na ocasião visitava o país, é preso com eles. Muitos atos e manifestações foram organizados pela libertação dos militantes e a campanha ganha repercussão internacional, principalmente em razão da ameaça de extradição de Moreno para a Argentina, o que podia levar o seu assassinato nas mãos do governo da Junta Militar. Martín vem ao Brasil clandestinamente para orientar a defesa jurídica de Moreno.

Ressalta-se que a prisão de Nahuel Moreno no Brasil foi resultado das investigações realizadas a partir da Operação Condor, pois os serviços de inteligência, ao monitorar as atividades consideradas subversivas em todos os países em que vigoravam ditaduras, sabiam que o dirigente estava no país, e que era possível prendê-lo e extraditá-lo à Argentina.   

No final de 1978, novamente como forma preventiva, Martín muda seu domicílio. Dois dias depois sua antiga casa na Argentina é invadida pelo exército. Frente ao ocorrido, deixa o país e se instala, junto com Nahuel Moreno, em Bogotá.

Em 1979, muda-se para o Brasil na cidade de São Paulo, local em que constitui família e  de onde viaja frequentemente para a Colômbia com a finalidade de reunir-se com Moreno, uma vez que este, depois de sua prisão no Brasil, não mais podia entrar no país.

No Brasil, continuou ligado ao trotskismo e passou a militar como membro da Convergência Socialista e trabalhar no jornal Versus , motivo pelo qual seguiu sendo monitorado e perseguido, dessa vez, pela ditadura instalada no país ,que realizava uma feroz perseguição a esta organização revolucionária. O que no seu caso tinha um agravante, pois o regime militar não permitia nenhuma ligação internacional e muito menos qualquer relação com a  quarta internacional.

Martin afirmou aos conselheiros da comissão da Anistia, que era obrigado a viver na mais absoluta clandestinidade pois, se fosse apanhado por qualquer motivo, seria imediatamente deportado para a Argentina e o destino naquele país seria o assassinato e desaparecimento como ocorreu com dezenas de milhares de militantes. Contou que nas delegacias havia listas de estrangeiros procurados pela operação Condor, portanto, se alguém fosse preso por qualquer motivo, por exemplo, falta de documentação ou  uma discussão em um bar, também teria este fim trágico. Por este motivo tinha endereço desconhecido, não tinha e nem atendia telefone e não deixava rastro para garantir sua sobrevivência.  

Como jornalista e fotógrafo do Versus, um jornal da imprensa alternativa, não podia ter registro e nem assinar matérias, pois seria descoberto. Era obrigado a desenvolver o trabalho revolucionário na mais absoluta clandestinidade e escreveu vários artigos e livros. Mesmo assim, apareceu monitorado por diversas vezes nos arquivos da repressão como “o argentino”, o dirigente “Martin Hernandez”. Explicou que as reuniões que realizava como parte da direção da CS tinham que ser muito reservadas para não colocar em risco sua segurança e que só está vivo porque não deixou rastro .

Martin, desta forma, teve sua vida e seu trabalho profundamente afetados pela perseguição da ditadura. O local em que trabalhava, o jornal Versus, foi fechado após uma ferrenha perseguição do regime militar, deixando sem trabalho e sustento seus funcionários. No julgamento da anistia de Martin, assim, além de sua palavra, contaram como provas os depoimentos daqueles que às vezes assinavam as matérias que fazia, ou eram fonte, ou militantes que lutaram juntos contra a ditadura. Assim, foi tomado o depoimento de Luiz Carlos Prates, o Mancha, e anexadoo  de José Maria de Almeida , Maria José de Lourenço , Maria Cecilia de Toledo, Ênio Bucchioni, todos já anistiados. Os depoimentos foram aceitos pela comissão como prova de vínculo empregatício.

Sem dúvida nenhuma, foi um julgamento histórico, de um grande dirigente internacionalista perseguido pela Operação Condor e anistiado por unanimidade dos votos. Num final emocionante, o Estado pediu desculpa a Martin e o considerou um anistiado político, com direito a reparação econômica.

Mauro Puerro e Vagner Poleto também são anistiados
Em outra oportunidade também foi julgado o professor Mauro Puerro , que teve sua primeiras perseguições ainda jovem por se envolver com grupo de teatro que fazia críticas ao regime militar  no ABC. Junto com outro colega professor, conheceu sua primeira demissão. Em 1977, ingressa na Liga Operária, ajuda a construir o sindicato dos professores particulares e o MOAP (Movimento de Oposição Aberta dos Professores) sofrendo sucessivas demissões  por perseguição política. Tem sua vida monitorada constantemente pelos órgãos de repressão. Por ocasião das prisões da Convergência Socialista, foi obrigado a se refugiar, pois teria informações que seria detido. Entre as escolas havia uma lista suja (composta de professores que não podiam ser contratados) e Mauro sempre tinha recusa de trabalho quando descobriam seu nome, fato confidenciado futuramente pelos diretores das escolas.

Depois, como professor eventual na rede estadual, participou de várias greves , construiu a CUT a  Apeoesp e se transformou em um grande dirigente da categoria . Pelas perseguições que sofreu  e pela demissões, Mauro Puerro  foi anistiado . “Não me arrependo de nada do que fiz, lutei por um mundo melhor e socialista , só não acho justo que pessoas, como  as minhas filhas, que não fizeram essa minha opção, sofressem as mesmas consequências, por isso agradeço a compreensão que elas tiveram”, disse emocionado.

Mauro é um excelente professor de cursinho, mas é autodidata pois, pela perseguição sofrida, não conseguiu terminar a graduação na USP. De acordo com a lei, os conselheiros decidiram, além de anistiar Mauro, conceder o direito de ele retornar à USP , para concluir o curso de graduação de Letras. Uma grande vitória. Outro companheiro anistiado foi Vagner Polleto, professor do ABC perseguido e monitorado por vários  anos.