Valdir Martins, o Marrom
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Leia abaixo a carta escrita e distribuída por Marrom durante a audiência pública no Senado sobre o Pinheirinho. O dirigente havia sido atacado pelo senador Aloysio Nunes (PSDB), que o chamara de ‘parasita’. Na carta dirigida aos participantes da audiênciaMeu nome é Valdir Martins de Souza, o Marrom. Comecei a trabalhar muito cedo, aos 10 anos, como todos os garotos que moram na roça. Aos 13 anos perdi parte de um dedo. Não recebi nenhuma indenização, coisa que é muito comum acontecer com as pessoas que neste país afora trabalham na plantação de ramin, na colheita de arroz, trigo, no corte de cana, do sisal, na quebra de coco de babaçu ou ainda outros tipos de trabalho rural.

Até os 18 anos trabalhei de sol a sol, sem carteira assinada. Comia arroz e feijão com molho de mamão verde ou guisado de banana verde, que é como vivem os trabalhadores no norte paranaense.

Depois vim para São José dos Campos. Hoje tenho 54 anos e trabalho há 36 com carteira assinada. Trabalhei na SP Alpargatas, nos Correios, na Rhodia, na Philips, na construção civil, na Avibras e há18 anos trabalho na Tecsat.

Há 14 anos a empresa não deposita INSS, nem FGTS, porque ela entrou em recuperação judicial. O Banco do Brasil, como um dos credores, não quis fazer um acordo para pagar os direitos dos ex-funcionários. E até agora nenhum Juiz ordenou à empresa vender seu terreno para pagar os direitos de centenas de ex-funcionários.

Como funcionário da Tecsat me tornei diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região. Fui proposto como membro da Executiva Nacional da Conlutas como responsável pelo movimento dos sem-tetos a partir da luta do Pinheirinho, porque sempre gostei do movimento popular. Minhas primeiras experiências nos movimentos sociais se iniciaram nas Comunidades Eclesiais de Base (CEB´s), no Paraná.

Aí comecei a entender que a saúde, educação e moradia são um direito do povo e responsabilidade do Estado. Já os movimentos sociais, os sindicatos e associações, se querem lutar de verdade pelos direitos dos trabalhadores e do povo, devem ter vida própria, ser independente e se auto-sustentar a partir da contribuição de seus participantes. Por isso sempre defendi que essas organizações não buscassem recursos junto ao Estado ou empresários. Nada de rabo preso com ninguém.

No Pinheirinho provamos que isso é possível. Ali o povo construiu suas casas com pouco dinheiro. O movimento construiu seu barracão de assembléia e atividades culturais, e também sua sede. Humildes, mas sem superfaturamento.

Em 8 anos praticamente construímos um bairro inteiro, onde apesar de todas as dificuldades, quase não tinha crimes, mesmo pequenos roubos. Não precisávamos de Policia, de Marronzinho ou da Guarda Municipal. Tínhamos uma Coordenação responsável por cada setor do bairro, onde tudo se discutia. Os coordenadores faziam reuniões semanais com os moradores de seu setor. E assim mantínhamos o bairro organizado.

Sem dúvida a experiência do Pinheirinho provocou muito desconforto no Poder Público e nas classes ricas, que sempre marginalizaram o povo pobre e não podiam aceitar o que estava ocorrendo.

O Pinheirinho era um projeto independente do povo pobre que estava dando certo, porque as pessoas estavam recuperando sua dignidade e sua auto-estima. Não foi à toa que o Pinheirinho foi tomado como estudo em diversas teses de mestrado.

Por isso penso que além dos interesses econômicos que levaram à desocupação, havia também razões políticas. Tinha que se impedir a todo o custo que o Pinheirinho fosse um exemplo a ser seguido. Não se podia deixar passar a idéia de que o povo pobre é capaz de se organizar e construir sua própria vida de forma independente, sem depender de favor político.

Isso é o que explica toda uma campanha que foi feita para desmoralizar o bairro, passando a idéia que ali só tinha bandidos e traficantes. Por isso toda tentativa de criminalizar o movimento, de perseguir e a difamar seus dirigentes. Essa campanha é parte de uma campanha maior para desmoralizar a luta do nosso povo. Mas enquanto houver injustiça social, nossa luta continua. Vamos mostrar que temos mais dignidade que essa gente, que apesar de ter mais condições econômicas que o povo do Pinheirinho, não são nenhum exemplo, porque tem as mãos bastante sujas. O episódio da desocupação do Pinheirinho deixa isso bastante claro.

Agradeço o grande apoio que temos recebido dos movimentos sociais, dos artistas, juristas, dos partidos de esquerda e de muitos parlamentares como é o caso do Senador Suplicy.

São José dos Campos, 22/02/2012

Valdir Martins (Marron)