Há 30 anos, em 11 de novembro de 1981, morria Mário Pedrosa, figura cuja história praticamente se confunde com o que houve de mais importante e “radical” na atuação política e na reflexão sobre arte no Brasil, no século 20. Uma história com a qual nós, do PSTU, temos o orgulho de compartilhar um dos seus mais importantes capítulos: a luta pelo socialismo revolucionário e pela construção da Quarta Internacional.

Nascido, em 1900, numa família da elite latifundiária de Pernambuco, Pedrosa começou a implodir as fronteiras entre arte e política já no início de sua carreira quando ingressou no jornalismo, produzindo artigos sobre política internacional e crítica literária.

Para Pedrosa, a explosão do Modernismo brasileiro só poderia ser entendida como reflexo e expressão estética das profundas mudanças pelas quais o país passava. Os textos de Oswald e Mário de Andrade, os quadros de Tarsila e Anita ou a música de Villa-Lobos só poderiam ser analisados como expressão desta nova realidade. Ou seja, a urbanização, a explosão demográfica, a crescente organização do jovem movimento operário brasileiro e os reflexos, no país, das múltiplas crises e “novidades” que sacudiam a Europa estavam questionando a arte elitista e burguesa que vigorava no país.

Foi exatamente esta percepção da íntima (mas complexa) relação que a Arte mantém com a História que fez com que Mário Pedrosa desse outra contribuição decisiva para nossa história: a introdução, no Brasil, da crítica e de estudos teóricos sobre arte a partir de uma perspectiva sociológica, apoiada fundamentalmente no marxismo. E foram estes estudos que o levaram à militância política.

A adesão ao trotskismo
Em 1926, Pedrosa se filiou ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), que logo reconheceu seu incrível talento e decidiu enviá-lo para um curso de formação, em Moscou, em 1927. Contudo, um problema de saúde o obrigou a fazer uma parada em Berlim, onde ele entrou em contato com militantes da “Oposição de Esquerda”, corrente internacionalista que estava sendo organizada por Leon Trotsky para combater o stalinismo.

Pedrosa voltou ao Brasil no final de 1929 e formou o primeiro grupo de trotskistas do país, a Liga Comunista Internacionalista (LCI), tendo entre seus fundadores e primeiros apoiadores dirigentes comunistas como Aristides Lobo e Lívio Xavier; futuros intelectuais e artistas como Benjamin Péret, os irmão Abramo (Fúlvio, Lívio e Lélia) e Raquel de Queirós, e dirigentes sindicais como João da Costa Pimenta (gráfico) e Joaquim Barbosa (alfaiate).

A degeneração stalinista era perceptível na orientação dada aos países coloniais e semicoloniais, nos quais as seções do PC deveriam defender uma política de aliança com os setores “progressivos” da burguesia para a realização de uma suposta “revolução nacional ou antiimperialista”. Totalmente rompido com o stalinismo, Pedrosa participou, em 1938, do Congresso de Fundação da Quarta Internacional, como representante das seções latino-americanas da “Oposição de Esquerda”. A adesão à Quarta Internacional significavam um desacordo global com a concepção de socialismo que estava sendo imposta por Stalin, tanto na política quanto na arte.

“A arte é o exercício experimental da liberdade”
A frase acima foi publicada em um artigo para o “Correio da Manhã”, em 1968, e sintetiza muito do pensamento de Pedrosa. Fiel à sua concepção de que é impossível separar arte, política e revolução, Pedrosa acreditava que tanto para o fazer artístico quanto para o processo revolucionário, a liberdade e a busca por novos caminhos são pré-condições fundamentais.

Foi esta crença que também o transformou em um dos principais divulgadores, no Brasil, das idéias defendidas por Trotsky e o artista surrealista André Breton no manifesto da Federação Internacional por uma Arte Revolucionária e Independente (FIARI).

O Manifesto fazia uma defesa radical da independência e do caráter revolucionário da arte, em oposição ao controle da produção artística pelo Estado, colocada em prática, na ex-URSS, através do “Realismo Socialista”, a estética oficial do stalinismo.

Como lembra a professora Otília Arantes, em “Mário Pedrosa: itinerário
crítico”, a oposição de Pedrosa ao realismo socialista era tanto estética quanto política, já que para ele, o artista só pode cumprir seu papel social se tiver liberdade para “buscar na força expressiva da forma a possibilidade de reeducação da sensibilidade do homem, de modo a fazê-lo ‘transcender a visão convencional’, obrigando-o a enxergar o mundo com outros olhos e, assim, a ‘recondicionar-lhe o destino’”.

Foi exatamente essa crença de fazer com que a arte “obrigue o ser humano a olhar o mundo com outros olhos” que também fez de Mário um dos maiores defensores das chamadas vanguardas artísticas (como o Surrealismo, o Dadaísmo, o Abstracionismo e o Concretismo), tendo sido diretamente responsável pela apresentação destes movimentos ao público brasileiro.

Da mesma forma que combateu o stalinismo, Pedrosa foi um vigoroso militante antifascista, tendo estado na raiz da organização da formação da Frente Única Antifascista, em 1933, e nos mais importantes movimentos de resistência às ditaduras. Combates que o levaram a longos períodos de exílio.

Militante até o final
Foi no Chile, na época da Frente Popular de Salvador Allende, que a história de Mário Pedrosa cruzou com a do PSTU. Apesar de seu gradativo distanciamento do trotskismo, a partir da década de 1950, Pedrosa foi diretamente responsável pelo contato que se estabeleceu, no início dos anos 1970, entre um grupo de brasileiros que se encontrava exilados no Chile e o argentino Nahuel Moreno, fundador da Liga Internacional dos Trabalhadores. O grupo se chamava “Ponto de Partida” e foi o núcleo fundador da Convergência Socialista, em 1978, um dos principais agrupamentos que ajudou a fundar o PSTU.

Poucos anos depois, em 1980, Pedrosa teve sua importância histórica reconhecida ao ser convidado para assinar a ficha de filiação número 01 do Partido dos Trabalhadores, que surgia das poderosas lutas operárias no final dos anos 1970.
A morte de Pedrosa o poupou de assistir à degeneração do PT que, hoje, exerce o poder negando praticamente tudo que ele defendeu durante boa parte de sua vida. Uma razão a mais para que todos aqueles que continuam fiéis aos verdadeiros ideais da revolução tomem para si não só a tarefa de relembrá-lo e homenageá-lo, mas, principalmente, de resgatar o que há de melhor em sua obra: a certeza de que a revolução é o único caminho para a total libertação (inclusive criativa) do ser humano.

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