Marcha das Vadias em Porto Alegre (RS)

Uma reflexão sobre a luta das mulheresNos dias 26 e 27 de maio milhares de mulheres saíram às ruas em defesa da liberdade sexual e pelo fim da violência contra a mulher. Elas organizaram em várias capitais do país a segunda edição da “Marcha das Vadias”. O movimento teve início em 2011, no Canadá, com as slutwalk (caminhada das vadias em inglês), que ocorreu em resposta à declaração de um segurança da Universidade de Toronto que atribuiu a culpa de recorrentes estupros à forma como as mulheres se vestiam, ou seja, como “vadias”.

Foi através do Facebook que o movimento se espalhou para vários lugares do mundo e atraiu mulheres jovens, a maioria estudantes universitárias ou ativistas feministas. Com os lemas “se ser vadia é ser livre, então somos todas vadias”, ou então: “não é sobre sexo, é sobre violência”, a marcha denuncia, a seu modo, a violência sexual contra as mulheres e as “regras” impostas a elas nesta sociedade.

Num país onde a cada duas horas uma mulher é morta e cada dois minutos cinco são violentadas, a “Marcha das Vadias”, pelo seu conteúdo, ganha adesão e adquire um caráter progressivo. Afinal, questiona o papel da mulher como objeto sexual e disputa a visão machista que atribui à vítima a culpa pela violência que ela própria sofre.

Em várias capitais do país, o PSTU participou das manifestações. Foi exigir do governo da primeira mulher à presidência do país, Dilma Rousseff, o cumprimento da Lei Maria da Penha, a destinação de verbas para construção de casas abrigo e um eficiente sistema para punir os agressores. Em cinco anos de existência, a lei sequer pode ser cumprida por falta recursos.

E, mais, foi dizer que mesmo que a Lei fosse cumprida, ela não resolveria o problema da violência porque o sistema capitalista, que se roga defensor das “liberdades individuais”, aprisiona as mulheres trabalhadoras às regras do Estado e tira delas o direito a decidir sobre a sua sexualidade, seu corpo e a sua própria vida.

Todas juntas? O limite das forças presentes na marcha
A “Marcha das Vadias” não é uma organização propriamente dita. Ela é formada por um conjunto de organizações políticas e setores independentes que se reúnem para realizar as manifestações. E, pela forma como se constrói, com a ausência de um programa para classe trabalhadora, limita a força de suas bandeiras e cobra uma reflexão.

A coordenação dos atos se dá de modo horizontal, funciona de uma maneira fluida, sem centralização e sem representação por entidades. Algumas defendem que as mulheres devem representar somente a si próprias “de forma livre”, por isso, é comum utilizarem o próprio corpo para se expressarem. Essa compreensão deriva de que, para algumas, os atos de rua não se tratam de ações coletivas, mas da soma das expressões individuais.

Há também aquelas que se diferenciam dessa concepção e defendem que é uma ação coletiva das mulheres e que, se todas as mulheres do mundo se unissem independentemente dos homens (e algumas contra os homens), seria possível acabar com a violência contra a mulher e transformar a sociedade. Essa visão em geral é referendada por forças que compõem a “Marcha Mundial de Mulheres” (MMM), movimento nascido no ano de 2000, cuja direção apoia o governo.

A mobilização provocada pelos atos é uma resposta coletiva de indignação contra a violência e o preconceito à mulher. Não é uma ação de individualidades que se combinam, mas uma ação política que se expressa de maneira diferenciada. Entretanto, ao não ter uma direção e um programa classistas, não toma de maneira consequente a luta das mulheres

Ir às ruas uma vez ao ano é muito importante. Mas se estamos de fato preocupados com a libertação das mulheres é preciso ter uma luta cotidiana e permanente contra a opressão, combinada com a luta contra a exploração, pois o fim da opressão só será possível com o fim da divisão da sociedade em exploradores e explorados. E para isso é necessário politizar a intervenção e cobrar dos governos suas responsabilidades em relação ao machismo, que é um problema social e afeta a todos.

Acreditar que todas as mulheres juntas e sozinhas podem mudar o mundo não garante a defesa da liberdade das mulheres. Isto porque não é capaz de ir à raiz dos problemas da opressão feminina, que se encontra na sociedade de classes, que para ser derrubada depende da unidade entre homens e mulheres.

Em primeiro lugar, porque é parte das tarefas da libertação de ambos e não somente delas. Em segundo, porque não se dirige contra os homens e não pode ser objeto de divisão da classe, ao contrário, tem de ser instrumento para unificação de homens e mulheres. Em terceiro, porque não é possível, por mais revolucionárias que sejam as mulheres, conquistarem a liberdade sozinhas, já que não se muda a sociedade com apenas metade da classe. E não se conquista a liberdade para as mulheres sem mudar sociedade.

A tarefa de libertação das mulheres é uma tarefa da classe
A opressão atinge todas as mulheres e ao longo dos anos elas têm lutado por seus direitos: voto, aborto, divórcio entre outros. Como se trata do interesse de todas, é comum que em ações de rua, momentos pontuais, nos unamos (burguesas e trabalhadoras) para defender os nossos direitos. Essa unidade momentânea fortalece a luta ideológica contra o machismo.

Ocorre, entretanto, que a luta pelos direitos das mulheres tem um limite que esbarra nas questões de classe. Por exemplo, todas as mulheres se uniram no início do século XIX em defesa do direito ao voto, mas nesse processo houve uma divisão: as burguesas não defendiam o voto para as trabalhadoras. Ou seja, defendiam os direitos das mulheres desde que não ameaçassem os interesses da classe. Assim é em todos os terrenos, porque as mulheres não são todas iguais: a uma minoria interessa o capitalismo a uma ampla maioria o capitalismo é sinônimo de exploração e opressão.

Nesse sentido, dizemos que os aliados das trabalhadoras são os homens da classe trabalhadora e não as mulheres da burguesia. Lutamos pelos direitos das mulheres trabalhadoras e isso em certa medida depende do enfrentamento com as mulheres burguesas, porque elas se beneficiam do sistema e, com isso, contribuem com a opressão e superexploração de outras.

As mulheres trabalhadoras precisam se organizar em organismos separados das mulheres burguesas, em movimentos de mulheres classistas, como é o MML (Movimento Mulheres em Luta) filiado à CSP-Conlutas, onde só participam trabalhadoras e que defende um programa contra o capitalismo.

Os sindicatos e os movimentos populares devem também tomar as reivindicações das mulheres e ser espaços de organização da luta conjunta, podem assim, no marco da luta contra a exploração, fortalecerem a luta contra a opressão.

Para o PSTU, a Marcha das Vadias é uma ação progressiva, mas só terá eco se estiver ligada às lutas dos trabalhadores de forma independente, desde que não fique refém das organizações policlassistas, afinal, sem cobrar dos governos e sem denunciar o capitalismo, a luta contra a violência se perderá em suas próprias bandeiras.