Cerca de 70% dos miseráveis no país são negros

As mulheres afro-brasileiras são duplamente oprimidasA violência a qual as mulheres negras estão expostas é proporcional à exploração a qual são submetidas. Como lembra o relatório da “Rede”, no maior país da América Latina, com a maior população negra (96,7 milhões, ou seja, 50,7% dos habitantes), os dados “revelam que a população afro brasileira e que as mulheres afro brasileiras em particular são as mais pobres das pobres e enfrentam incontáveis barreiras para sua incorporação em condições de igualdade no emprego remunerado e na economia”.

Segundo dados, de 2010, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), por exemplo, há 16,2 milhões de brasileiros (8,5% da população) em situação de extrema pobreza (com renda per capita de até R$ 70,00 por mês). Desse total, 70,8% são afrodescendentes e 50,9% têm, no máximo, 19 anos de idade.

O fato de que são mulheres negras que formam, no Brasil e nos demais países, o maior grupo entre os mais miseráveis está diretamente ligado ao local que a sociedade capitalista e racista tentou lhes reservar desde a escravidão. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), na América Latina, mais de 14 milhões de mulheres trabalham como empregadas domésticas. Sete milhões e duzentos mil só no Brasil, onde sabemos que as mulheres correspondem a 93% dos empregados domésticos, e 61,6% delas são negras, segundo dados de 2009 (em 1999, a porcentagem de negras era menor, de 55%).

Desnecessário dizer o quanto de herança escravista há nesta situação que submete milhões de negras ao “quarto de empregada/senzala” às piores condições de trabalho (geralmente sem direito algum, apesar das leis), a extensas e exaustivas jornadas, inversamente proporcionais aos salários de fome que lhes são pagos.

Alguns dados sobre o Brasil são suficientes para ilustrar o terrível cenário que isto representa. Em 2009, 37,6% dos domicílios chefiados por trabalhadoras domésticas se encontravam abaixo da linha de pobreza e o rendimento médio destas mulheres correspondia a exatos R$ 386,45 (44% a menos do que o pago aos homens que exercem funções “domésticas” e recebiam, em média, R$ 556,73 por mês; e também inferior ao salário das mulheres brancas, que era de R$421,58).

Números que obrigaram os pesquisadores do Ipea a admitir: “O perfil dessa ocupação remonta não só às raízes escravistas da sociedade brasileira, mas também às tradicionais concepções de gênero, que representam o trabalho doméstico como uma habilidade natural das mulheres”.

Apenas para citar outro país da região, no Uruguai, a situação não difere em muito. Aliás, só piora. Lá, as 89,6% das afrodescendentes se concentram no setor terciário, sendo o serviço domestico preponderante: 35% do total da ocupação no setor de serviços, frente a 19% das mulheres brancas.

Para além do serviço doméstico e das fronteiras brasileiras, a situação não é nada diferente. Como lembra o relatório da “Rede”, em toda a região, “as variáveis emprego e desemprego continuam sendo as mais relevantes para caracterizar a situação das afrodescendentes porque evidenciam, de forma contundente, a desigualdade e a marginalização em que se encontram como conseqüência de sua condição de gênero e pertencimento étnico-racial”.

Em Honduras, por exemplo, a taxa de desemprego entre as mulheres é de 8,3%; a dos homens é 4,7%. Na República Dominicana (onde os negros são 90% da população e as mulheres corresponde a 51,4% dos habitantes), apesar de não existirem dados específicos sobre as negras, os números sobre o desemprego também são reveladores: 14,9% dos homens; 24,8% para as mulheres. No mesmo país, como em quase todo o resto do mundo, as mulheres recebem, em média, 79% do que é pago aos homens. Já em em Porto Rico, a diferença salarial entre brancas e negras é de 54,4%.
E se a situação já é terrível nas áreas urbanas, ela não é nada diferente nas rurais, onde trabalham 18 de cada 100 mulheres latinas e caribenhas (68% delas trabalham na colheita; 25% no processo pós-colheita).

A violência cotidiana do Capitalismo
Embriagados com o Neoliberalismo, mulheres como Dilma e Cristina Kirchner; ex-presos políticos e líderes camponeses, como José Mujica (Uruguai) ou indígenas, como Evo Morales (Bolívia) têm sido diretamente responsáveis pelos sofrimentos impostos aos trabalhadores e juventude de seus países e, consequentemente, contra aqueles que se encontram as “mais pobres entre os pobres”.

Grande parte destes problemas decorre dos cortes nas áreas sociais, feitos para satisfazer banqueiros, o Capital internacional e burguesia (sempre racista e machista) dos países latinos e caribenhos. Sujeitas ao desemprego ou recebendo salários miseráveis, mulheres negras ainda têm sofrido com a falta de acesso a serviços básicos como esgoto, água encanada ou potável, ficando expostas a todo tipo de doenças.

No país governado por Dilma, por exemplo (segundo um relatório elaborado pelo Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais da Federal do Rio de Janeiro), 40,9% das mulheres negras (pretas e pardas) têm menor acesso aos exames ginecológicos preventivos; 37,5% nunca fizeram exame de mamas, 40% nunca fizeram mamografia, 15,5% jamais fizeram exames para detectar o câncer de mama.

Por estas e outras não causa surpresa (apenas revolta e indignação) saber que mães de crianças negras têm maior probabilidade de falecer por mortalidade materna: cerca de 2,6 mulheres afrodescendentes morrem por dia por causas maternas, contra 1,5 por dia das mulheres brancas.

Ao mesmo tempo em que são negadas condições básicas para que as mulheres sejam mães e possam criar seus filhos, a grande maioria dos países da região tem legislações criminosas em relação aos direitos reprodutivos. Num momento em que todos os países têm apresentado um espantoso crescimento de gravidez na adolescência e gestações não desejadas, a exemplo do que acontece no Brasil, o direito ao aborto legal e público tem sido sistematicamente barrado pelos governantes e seus aliados entre os setores mais conservadores da sociedade (cristão fundamentalista à frente).

O resultado tem sido um aumento significativo de mortes decorrentes de abortos improvisados, clandestinos (que alimentam uma rede bilionária de “carniceiros”) e perigosos o que faz com que, hoje, na América Latina, 21% da mortalidade materna tenha como causa as complicações do aborto realizado de forma insegura.

Além disso, sabe-se também que, hoje, em escala mundial, 50% das pessoas que vivem com o vírus do HIV são mulheres. A maior proporção das infectadas está na África subsaariana (59%) e no Caribe (53%). Já na América Latina, as mulheres correspondem a 36% dos cerca 1,5 milhão de soropositivos, sendo que entre as jovens de 15 a 24 anos o número se aproxima da proporção mundial.

Junte-se a isso o descaso generalizado dos governos em relação às doenças que negros e negras são geneticamente mais suscetíveis (como anemia falciforme, hipertensão, glaucomas e diabetes) e temos um quadro que beira o genocídio.

A exposição a doenças e a falta de acesso à saúde relacionam-se com um problema também comum a grande parcela das negras que vivem na região: a falta de acesso à moradia. Segundo o relatório da “Rede”, no Equador, esta situação já ultrapassa todos os limites do absurdo: 38% da população afro-equatoriana não conta com um teto, e apenas 15% das afro-equatorianas possuem uma moradia. Dentre os que têm um teto, a situação está longe do minimamente necessário: 21,5% das casas são feitas de material irrecuperável (ou seja, sucata) e 38% das casas estão superlotadas.

Para se ter uma idéia do significado disto para as mulheres negras, basta lembra que, no país, é comum se encontrar, nos bairros de classe média, placas de aluguel com um recado nada sutil: “Aqui negros não são aceitos”.

LEIA MAIS

  • 25 de julho: Dia de luta (e luto) das mulheres latinas
  • Violência sem fim e sem fronteiras
  • Uma luta também de nossas irmãs indígenas
  • Haiti: um símbolo dos sofrimentos e lutas das mulheres negras