Maiakovsky

Em 14 de abril de 1930, o poeta, escritor e dramaturgo russo, Vladimir Maiakovsky, disparou um tiro contra o próprio coração. Vítima do stalinismo e da repressão burocrática que também invadiu o campo das artes na ex-União Soviética, Maiakovsky é, até hojNascido em 19 de julho de 1893, Maiakovsky mesclou a atuação revolucionária à produção artística. Filiado aos bolcheviques desde 1908, amargou 11 meses de prisão, quando ainda era um estudante de 16 anos (em 1909), em função de sua atividade militante.

Foi essa experiência que o levou à pintura, considerada como a melhor forma de expressar seu repúdio à sociedade repressora em que vivia. Foi por meio da pintura e na Escola de Belas Artes (da qual ele seria expulso posteriormente) que Maiakovsky aproximou-se do Futurismo – o movimento artístico surgido na Itália, que tinha na sua origem a exaltação da velocidade, do movimento, da modernidade e da ruptura com as tradições e a estética do passado –, tornando-se um dos principais poetas identificados com o movimento.

Depois da revolução de 1917 o poeta colocou toda sua arte a serviço do Estado revolucionário: escreveu textos de propaganda, desenhou cartazes para campanhas políticas, escreveu peças e atuou em filmes utilizados para divulgar os princípios da revolução. Com enormes posters, fez dos trens soviéticos uma poderosa ferramenta de divulgação das idéias revolucionárias. Também viajou para Europa Ocidental, México e EUA, utilizando de seu sucesso como artista para fazer propaganda para a revolução.

Preocupado com a organização dos artistas no Estado revolucionário, entre 1923 e 1925, o escritor também editou, com Osip Brik, a revista LEF (Frente de Esquerda da Arte) que serviu como aglutinadora e porta-voz daqueles que queriam levar o calor da revolução para o campo das artes.

A partir de 1925, sua poesia tornou-se um tanto mais amarga, principalmente depois da morte de Sierguei Iessiênin, um de seus melhores amigos e um dos grandes poetas da revolução, que encontrou no suicídio a saída para sua crescente desilusão com a situação soviética, após a morte de Lenin. Foi a Iessiênin que Maiakovsky dedicou um de seus mais belos poemas, condenando a atitude que ele próprio viria a adotar cinco anos depois, e cunhando um de seus mais conhecidos versos: “Melhor morrer de vodca que de tédio!”.

Como sempre na vida de Maiakovsky, essa nova situação política impregnou sua arte. São vários os exemplos, um dos melhores é a peça de teatro Os banhos, de 1930, na qual o escritor se utilizou da sátira, um de seus estilos prediletos, para criticar a crescente influência da burocracia que estava se incrustando no aparato do partido e do Estado.

Esse confronto com a burocracia acirrou-se no fim de sua vida. As apresentações públicas de seus poemas e a representação das suas peças começaram a enfrentar-se com problemas “legais” e com audiências cada vez mais hostis, que, incentivadas pelo aparato stanilista, protestavam contra o estilo de Maiakovsky e seus temas “pouco revolucionários”.

Uma vítima do stalinismo
A estética futurista de Maiakovsky, marcada pela experimentalismo e pela ruptura com a tendência realista de autores como Tolstoi e Dostoievsky (idolatrados no período revolucionário), nunca foi inteiramente assimilada por seu povo e, até, pelos revolucionários. Se Trotsky foi um dos poucos a elogiar sua obra e Lenin chegou a declarar que não conseguia ler seus poemas, para o conservador e culturalmente limitado Stalin a obra de Maiakovsky significava puro lixo contra-revolucionário.

Não que o poeta não tenha feito obras abertamente políticas. Pelo contrário, exemplares são os fantásticos Vladimir Ilich Lenin, escrito quando morreu o líder soviético em 1924; Ótimo, escrito em comemoração aos dez anos da revolução. A plenos pulmões ou À plena voz seu fundamental poema-testamento, escrito em 1930, ironicamente o mais político e um verdadeiro manifesto antistalinista.

O inaceitável para o Estado stalinista, contudo, é que, por mais que ele tenha se dedicado à revolução, jamais submeteria sua escrita à lógica do “realismo socialista” defendido como padrão estético pelo stalinismo (veja abaixo).

Avesso ao texto fácil e à propaganda tacanha, em sua poesia, Maiakovsky sempre foi fiel à sua definição de que “sem forma revolucionária não há arte revolucionária”. Seus versos são livres, as rimas são inusitadas e a linguagem foge completamente do formalismo para mergulhar na fala cotidiana do povo, suas gírias e palavrões.
Além disso, seus temas remetem-se a tudo o que aflige o ser humano, não só o que poderia ser do interesse do governo stalinista. O amor – personificado fundamentalmente na figura de Lila Brik, mulher de seu amigo Osip e amante do poeta durante vários anos – surge em versos que trafegam livremente entre o romantismo rasgado e uma sensualidade desconcertante. A dor, experimentada na perda, nas guerras e na opressão, ganha forma e conteúdo em poemas literalmente cortantes.
Uma postura que deixa aflorar toda a sensibilidade de um poeta que um dia afirmou: “em mim a anatomia ficou louca: sou só coração”.

Um sensibilidade incompatível com a repressão e a censura cultural do stalinismo, a quem ele dedicou, em “À plena voz”, que, hoje, ainda deve ecoar no ouvido dos herdeiros de Stalin e dos reformistas em geral: “Os versos para mim não deram rublos, nem mobílias de madeiras caras. Uma camisa lavada e clara basta, para mim é tudo. Ao comitê central do futuro ofuscante… apresento, em lugar do registro partidário, todos os cem tomos dos meus livros militantes.”

Um monstro chamado `realismo socialista`
Oficialmente, a estética do stalinismo, o chamado realismo socialista, só se impôs a partir de 1934, quando foi instalado o 10 Congresso de Escritores Soviéticos. Contudo, o projeto elaborado por Andrej Zdanov, braço direito de Stalin, para a área cultural, já estava em voga desde o fim da década de 1920, tendo sido responsável pela submissão, fuga, prisão ou morte do melhor da vanguarda artística russa.

Basicamente, o que Zdanov pregava era a total submissão da arte à necessidade de educação e formação das massas para o socialismo, ou seja, a constituição de uma arte que não só fosse “proletária”, mas também acessível e compreensível para o povo – o que, na visão stalinista, excluía qualquer forma de experimentalismo e abstração.

Nas artes plásticas, isso resultou em horrorosos cartazes e esculturas povoados por operários, camponeses e soldados cheios de vigor e saúde e na exaltação doentia à Stalin. No cinema, imperou a narrativa linear e a propaganda tosca. Na literatura e na poesia, uma mescla de tudo isso foi acompanhada pela censura a todo e qualquer tema que não se identificasse com os “princípios e valores proletários”.

Foi contra essa monstruosa doutrina estética que Leon Trostsky e André Breton escreveram o Manifesto da Federação Internacional pela Arte Revolucionária e Independente, em 1938, defendendo “a independência da arte, para a revolução; a revolução, para a liberação definitiva da arte”.

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