No momento em que Carlos Mesa fez a manobra da renúncia, lamentavelmente, as principais direções do movimento (MAS e COB) não defenderam a derrubada desse governo das multinacionais, repudiado pelo povoA Bolívia volta ao centro das atenções. Carlos Mesa, o presidente, fez uma manobra com sua ameaça de renúncia, para que o Congresso não aceitasse (como de fato ocorreu) e conseguisse paralisar as lutas atuais, por meio de um pacto com as direções do movimento (o que também não conseguiu).

“Parece que estamos vivendo os mesmos momentos de angústia que antecederam a queda de Lozada”, disse o senador Joaquín Pinckert, do MNR, o partido do ex-presidente Gonzalo Sánchez de Lozada (mais conhecido como Goni), derrubado pelas massas insurretas em 2003. “A convulsão social é de tal envergadura que a de então, com a única diferença de que ainda não há mortos”.

O pedido de renúncia de Mesa, seguido de sua confirmação no cargo pelo Congresso, deu-lhe o respaldo da classe média e a maioria no Congresso para levar adiante sua política, repudiada pelo movimento de massas. No entanto, esse equilíbrio é apenas momentâneo. A continuidade dos bloqueios de estradas e o chamado à greve geral de 48 horas, feito pela Central Operária Boliviana (COB), vão nessa direção.

Gás: Mesa briga pelas petroleiras
No centro da disputa está a Lei dos Hidrocarbonetos, que Mesa conseguiu aprovar em julho do ano passado, em um plebiscito fraudulento. A lei está em discussão no Congresso há dois anos e o governo vem sendo pressionado pelas petroleiras, entre elas a Petrobras, para derrubar até mesmo os tímidos impostos que o plebiscito definiu que deveriam ser cobrados para a exploração do gás boliviano. O plebiscito definiu que as empresas devem pagar até 50% de royalties sobre o lucro, com efeito retroativo, ou seja, valendo para todos os contratos vigentes. As petroleiras não aceitam; e Mesa tenta um acordo alternativo, propondo que as empresas paguem 18% de royalties e imposto de 32%, mas valendo apenas para os novos contratos.

Nenhuma das duas propostas interessam aos trabalhadores e todo o povo boliviano, que vem lutando pela nacionalização total da exploração do gás, com bloqueios de estradas e grandes manifestações em La Paz. Para acabar com as manifestações e conseguir passar a Lei dos Hidrocarbonetos, Mesa tentou fazer um pacto com os líderes das mais importantes organizações de trabalhadores, mas não conseguiu.

Lula contra as massas bolivianas
Com interesses econômicos diretos na Bolívia, Lula e Chávez estão jogando todo o seu prestígio para manter Mesa no governo. A Petrobras é uma das grandes exploradoras do gás da Bolívia. Explora em sociedade com a espanhola Repsol e a francesa Total os campos de San Alberto e San Antonio, no departamento de Tarija, ao sul do país. Esses campos dão à empresa brasileira o controle de 10% das reservas de gás da Bolívia. São 64 bilhões de metros cúbicos, do reservatório total de 680 bilhões que o país possui. Desde 1996 no país, a Petrobras possui uma rede de 80 postos de gasolina, é dona de 51% do trecho brasileiro do gasoduto Brasil–Bolívia (Gasbol) e detém um outro duto que liga as áreas produtoras do sul da Bolívia ao Gasbol.

Com todos esses negócios na Bolívia, o governo Lula, junto com os EUA, o México, a Argentina e outros governos que exploram o gás boliviano, estão apoiando Mesa para evitar o aumento da cobrança de royalties sobre o gás e sua nacionalização.

O papel das direções
No momento mais agudo da crise política, quando Mesa fez a manobra da renúncia, as principais direções do movimento, incluindo Evo Morales do Movimiento al Socialismo (MAS) e Jayme Solares, da direção da COB, não defenderam a palavra de ordem de “Fora Mesa”, o chamado a derrubar o governo das multinacionais, repudiado pelo povo. Ao contrário, desculparam-se dizendo que não queriam sua renúncia. No plenário de El Alto, um dos centros da mobilização, o MAS, fez votar uma resolução dizendo que “não importava se o governo renunciasse ou não”.

A mobilização contra o governo tem uma bandeira tradicional – a nacionalização do gás para que todo o lucro com sua exploração reverta para o país, um dos mais pobres da América Latina –, que não vem sendo empunhada pelas principais direções do movimento de massas. Evo Morales e sua organização apoiaram o plebiscito no ano passado, e agora buscam direcionar a mobilização para a defesa de 50% de royalties (aprovado no plebiscito e não implementado por Mesa).

Apesar disso, essas direções se unificaram agora contra Mesa. Além do MAS, as principais organizações de trabalhadores, como a COB, dirigida por Jaime Solares e o Movimento Indígena Pachakuti, liderado por Felipe Quispe, e a Federação de Associações de Moradores do bairro de El Alto (Fejuve), liderada por Abel Mamani, voltaram a unir-se, como ocorreu em 2003, no movimento que levou à derrubada de Goni.

Essa união é um avanço importante na luta dos trabalhadores, mas o problema é que todos esses dirigentes estão unidos para exigir do governo a aplicação do que foi decidido no plebiscito fraudulento – os 50% de royalties – sem apontar para a única saída que resta ao povo boliviano para não afundar de vez na miséria: a derrubada do governo.

Com exceção dos setores de classe média, que saíram às ruas em uma manifestação articulada pelo governo contra os bloqueios, o conjunto dos trabalhadores, camponeses e indígenas bolivianos continuam na luta pela nacionalização do gás, e prometem radicalizá-la na greve geral chamada pela COB. O Movimento Socialista dos Trabalhadores (MST), que chamou o boicote ao plebiscito do ano passado, agora chama a continuação dos bloqueios e a greve para derrubar Mesa e a construção de um governo das organizações populares, única garantia de conquistar a nacionalização do gás na Bolívia.

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