A defesa da “cidadania” se tornou moda nos dias de hoje. O livro `Cidadania ou Classe?` o movimento operário da década de 80, de José Welmovicki, mostra que, por trás dessa ideologia, se esconde a velha dominação do capitalNos últimos 25 anos, não foram poucas as mudanças que afetaram a vida dos trabalhadores. Em meio a mais uma de suas crises estruturais, o capitalismo faz renascer a receita de economia mundial baseada na idéia de predomínio absoluto das leis de mercado e no desmonte das conquistas sociais vigentes.

A onda neoliberal, mais que um ideário, vem se configurando em um verdadeiro programa de ação do capital. Programa esse que tem imposto importantes derrotas ao movimento operário, aumentando de maneira nunca vista os níveis de exploração e miséria.

No entanto, é sabido, o capital não governa somente baseado nas ações práticas do dia-a-dia. Exerce seu domínio também por meio da constante luta para impor sua concepção de mundo, sua ideologia de classe, para o conjunto da classe explorada. O efeito da ofensiva ideológica do capital não tem sido menos devastador que as medidas práticas. Tem como resultado uma profunda crise ideológica da classe trabalhadora e de sua direção sindical, cuja expressão pode ser percebida claramente pelo esvaziamento da identidade de classe em detrimento da concepção de cidadania, amarração ideológico-conceitual, sob a lógica do capital, desse novo momento histórico. Nos últimos anos, não foram poucas as vezes que escutamos frases repetidas como: “O socialismo morreu!”, “A globalização é inevitável!”, “O livre mercado é a melhor saída para a economia mundial!”. Num mundo sem alternativa para a classe trabalhadora, nos restariam apenas a submissão e participação nos marcos da ordem burguesa.
Essas idéias tão divulgadas pela imprensa e abraçadas por um amplo setor dirigente do movimento sindical convertem-se, portanto, em ante-sala das medidas de desmonte de direitos dos trabalhadores, tornando-as “mais palatáveis”. A concepção de cidadania elimina as fronteiras de classe. Trata, nas palavras de José Welmovicki, de um “homem abstrato”, desvinculado da vida real. De um trabalhador que se firma como parte da sociedade não por meio de sua atividade social concreta, mas nos limites da participação na ordem institucional vigente.

Do classismo à domesticação sindical
No Brasil, como bem ressalta José Welmovicki em sua obra, fruto do intenso ascenso das lutas dos trabalhadores iniciado em fins dos anos 1970, as profundas mudanças em curso nos demais países desde os anos 1980 chegam um pouco depois, retardadas por um vigoroso movimento classista.

O reflexo político-organizativo da situação aberta pelas mobilizações de fim dos anos 1970 e início dos 1980 concretizou-se na fundação do PT (1980), da CUT (1983) e no nascimento de inúmeras oposições sindicais nas mais diversas categorias do país. Esse movimento, que manteve a burguesia na defensiva até o fim dos anos 1980, adiou as principais medidas neoliberais no Brasil. Mas, ao contrário da década anterior, nos anos 1990, a concepção de cidadania se converterá em importante instrumento de domesticação da direção majoritária da CUT e do PT. Tais mudanças encontrarão sua expressão máxima no programa de Lula em 2002, refletindo a direitização da prática político-sindical e o conseqüente abandono das propostas classistas predominantes no início do novo sindicalismo.

A ruptura com a prática político-sindical predominante nos anos 1980, no entanto, para ser compreendida, precisa ser contextualizada não somente nas transformações ocorridas em âmbito mundial, mas também nos seus reflexos nacionais no decorrer da década seguinte, assim como na maneira pela qual as direções do movimento passaram a responder aos novos desafios colocados para o mundo do trabalho. Segundo o autor, “a década de 1980 colocava dois caminhos para o novo movimento operário: ou aprofundava o caráter de classe e se colocava a questão do poder ou se burocratizava e se tornava uma instituição adaptada ao regime dentro da ordem”.

É essa trajetória que Welmovicki busca desvendar. Após nos fornecer uma breve localização do conceito de cidadania e suas diferentes versões em distintos momentos históricos, o autor passa a analisar as condições da realidade da luta de classes no Brasil e no mundo, que propiciaram a burocratização, adaptação institucional e mudança nos rumos da atuação do sindicalismo nascido das greves do fim da década de 1970.

A atualidade do debate
Compreender a realidade para poder atuar sobre ela, modificando-a a favor da luta dos trabalhadores: essa talvez seja a principal contribuição do trabalho desenvolvido por Welmovicki.

Militante de longa data, José Welmovicki, ou simplesmente Zezoca, é um daqueles companheiros valiosos que converte a atividade intelectual em instrumento a serviço da luta da classe trabalhadora.

Em um período marcado pela ofensiva do capital e grande ofensiva ideológica, aberto nos anos 1990, a prática sindical consolidada na CUT, fundada na conciliação de classes, desarticula e enfraquece ainda mais a resistência dos trabalhadores.
O desafio colocado, portanto, para o conjunto da classe trabalhadora passa pela unificação cada vez maior de suas lutas. Passa ainda pela retomada de uma prática sindical sustentada num projeto ideológico de classe, que supere os limites da atuação institucional, rompa com a prática do sindicalismo-cidadão e a lógica concorrencial do mercado, isto é, que vá além do projeto social fundado na lógica da sociedade produtora de mercadorias. O desafio, portanto, conforme nos aponta Welmovicki, passa ainda pela construção de uma nova ferramenta de luta para a classe trabalhadora.

O projeto fundado nas propostas “viáveis” e “realistas”, fortalecido pela chegada do PT ao governo federal, que acaba assumindo o papel de auxiliar o capital na gestão dos seus negócios, vem convertendo-se em instrumento de propagação das medidas neoliberais e ampliação da precarização do nível de vida da classe trabalhadora.

É nesse sentido que a tarefa de entender a realidade se torna fundamental. Entendê-la para transformá-la. Essa é a grande contribuição do livro Cidadania ou classe? o movimento operário da década de 80, editado em 2004 pelo Instituto José Luiz e Rosa Sundermann.

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Post author Luci Praun, de São Paulo (SP)
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