Os aplicativos tem gerado grandes polêmicas sobre o machismo na nossa sociedade

Lançado no Brasil no dia 20 de novembro, o aplicativo Lulu tem gerado grandes polêmicas desde então. Trata-se de um aplicativo no qual os homens são avaliados por suas amigas de facebook através de notas e hashtags em distintos quesitos (aparência, humor, educação, ambição, compromisso, beijo e sexo). As hashtags são padronizadas e divididas entre “melhor” e “pior”. São comuns as hashtags #PagaAConta, #TrêsPernas, #CurteRomeroBritto e #PrefereoVideogame.

A grande polêmica em torno do aplicativo é que, para algumas mulheres, este é visto como a hora da revanche! Finalmente as mulheres que sofrem com assédios diários, sofrem por serem reduzidas a peitos e bundas e com o julgamento dos homens, podem revidar, julgando os homens nos mais diversos padrões e de acordo com seu bel prazer. Finalmente, a hora da libertação das mulheres!

No entanto, isso não tem nada de feminismo, muito menos de libertação feminina. Às mulheres, principalmente as mais jovens, que viram no Lulu a chance de “devolver” o machismo, queremos dizer que nós também queremos lutar contra o machismo. Mas é importante que se diga: não existe “machismo ao contrário”, feminismo não é o oposto de machismo. O lado oprimido não é capaz de oprimir o opressor. Concretamente: uma mulher, na nossa sociedade, não vai oprimir um homem com feminismo. Assim como um negro nunca vai oprimir um branco com “racismo ao contrário”. A sociedade capitalista se desenvolveu se utilizando das diferenças entre as pessoas para criar desigualdades entre determinados grupos e assim explorar melhor o conjunto da classe trabalhadora. Isso não muda com um aplicativo ou com uma mulher dando características sexuais de um homem.   

 Na verdade, esse aplicativo não dá poder às mulheres, dá espaço para premiar ou punir homens segundo critérios que reproduzem o machismo no qual a nossa sociedade vive mergulhada. Os principais critérios são educação e cavalheirismo; ou seja, se o homem abre a porta do carro ou paga o jantar, recebe notas super altas. Porém o cavalheirismo e educação demonstrados no “te leva em casa”, estão dentro de uma lógica de que mulheres são incapazes, ou seja é fundamentado na “fraqueza e inferioridade” das mulheres. Não queremos que os homens nos tratem como crianças ou incapazes, queremos ser respeitadas pelo que nós somos, ter nossa sexualidade respeitada e, acima de tudo, queremos que não haja diferença entre os direitos dos homens e das mulheres.

O que é mais grave no uso deste aplicativo é a objetificação das pessoas e das relações. Na sociedade capitalista a opressão existe para manter e para garantir os privilégios dos opressores sobre os oprimidos e mais lucros para as classes dominantes. Desta forma, tudo é transformado em mercadoria, inclusive os seres humanos que, no caso de um aplicativo como o Lulu, viram objetos, dignos de notas dadas em consequência de seu desempenho sexual.

A transformação das nossas relações em mercadoria é algo tão presente que mesmo o surgimento de aplicativos como estes nem sempre permite o questionamento sobre o que significa avaliar nossos amigos, amantes, namorados, ex-namorados, paqueras, destruidores de nossos corações, etc, da mesma forma com a qual responderíamos a uma pesquisa de mercado sobre qualquer produto: “nossa, que material leve”, “o designer não é tão legal, por isso nota 5”.

Agora, sob a justificativa de resposta ao Lulu, surgiu o Tubby (nome original do Bolinha, rival da Lulu nos desenhos animados). A lógica do Tubby é bem parecida com a do Lulu, sendo que desta vez são homens dando notas a mulheres sobre o seu desempenho.

Se o Lulu já é um aplicativo que não responde em nada a luta contra as opressões, o Tubby, na verdade, seria um aplicativo que apenas reproduziria todo tipo de machismo que existe na sociedade. As notícias demonstravam que o aplicativo seria completamente voltado para o desempenho sexual das meninas, é possível perceber já por seu slogan: ““sua vez de descobrir se ela é boa de cama”.

 Enquanto no Lulu as hashtags eram até consideradas bobas, por serem, em sua maioria, direcionadas a “educação” e “cavalheirismo” dos homens, no Tubby  a grande maioria das hashtags anunciadas são sexuais, machistas e agressivas como #ComeriaTodinha, #JeitoDeSafada, #ChupariaInteira, #BucetaFedida, #DáNoPrimeiroEncontro, #DáABunda, #DáDeQuatro, #FazComMaisDeUm, #MamaEuEUzamigos, #EngoleTudo e #CurteTapas. Ou seja,  o Tubby é a tentativa de levar para o virtual o machismo que as mulheres sofrem diariamente.

Mesmo antes do dia anunciado para o aplicativo começar a funcionar, os criadores do aplicativo decidiram permitir que as mulheres que não querem ser avaliadas possam remover seus perfis direto no site do aplicativo. Apesar de parecer ótimo, na verdade demonstra uma lógica perversa do aplicativo. A mulher que resolver retirar seu perfil do site  recebe uma mensagem de despedida dizendo que ela “arregou”. Ou seja, se a mulher pede para sair certamente arregou por quem tem muito o que esconder, se não sai pode ter sua vida sexual exposta. Parece uma bela prévia do machismo e violência que este aplicativo promete.

Nós mulheres sofremos com a objetificação desde sempre, somos transformadas pela indústria de cerveja em peitos e bundas. Nossos corpos são vistos como públicos, como passíveis de qualquer avaliação a qualquer momento.  Sofremos com assédios diários, o risco de ser estuprada ou chamada de vadias por fazer sexo, nós somos tratadas como objetos sexuais e estupradas e assassinadas vítimas do machismo, e um aplicativo como o Tubby apenas colabora com tudo.

Lulu e Tubby surgem como modo de perpetuação do machismo, da relação de gêneros como uma relação de opressão e desigualdade, além de reafirmar a heterossexualidade como regra. Porém não são iguais. As mulheres não oprimem os homens através do Lulu, na sociedade em que vivemos são os homens que oprimem as mulheres e isso não muda com um aplicativo. Na verdade, o que as mulheres fazem ao usar o Lulu é reproduzir uma ideologia que no final das contas as oprimem ainda mais, pois continuam a perpetuar valores machistas e moralistas.

O Tubby seria lançado no dia 04 de dezembro, porém a Frente de Mulheres das Brigadas Populares de Minas Gerais, o Coletivo Margarida Alves, o Movimento Graal no Brasil, a Marcha Mundial de Mulheres, Movimento Mulheres em luta, Marcha das Vadias e COMPA (Coletivo Mineiro Popular Anarquista), conseguiram uma decisão liminar da 15ª Vara Criminal de Belo Horizonte/MG para que sejam bloqueados os acessos ao “Tubby”, sob pena de multa diária de dez mil reais. Ou seja, a Google Play Store, a AppleStore, o Facebook e a equipe Tubby não podem disponibilizar o aplicativo para o público, em qualquer parte do país.  Esta é uma vitória do movimento feminista no Brasil. Mas obviamente não resolve em nada a nossa opressão do dia-a-dia, que não acontece apenas na forma dos aplicativos e sim na concretude da vida real.

Depois que saiu a decisão judicial surgiram notícias de que seria um aplicativo fake, uma brincadeira, em resposta ao Lulu, para ver a reação das mulheres. Para nós não importa se o aplicativo é realmente um fake, surgimento de um aplicativo como o Tubby seria bem coerente com a sociedade machista que vivemos, por isso o debate é necessário.

Nossa luta é pela libertação e emancipação de todos os oprimidos. Para que as mulheres tenham direito a seus corpos e possam usar as roupas que quiserem e ter relações com quem tiverem vontade. Para que os LGBTs possam amar livremente e para que os negros e as negras não sejam vítimas permanentes do racismo da polícia, dos governos, da mídia, dos empresários e de um longo etc.

E essa não é uma luta apenas dos setores oprimidos, e sim de todos os trabalhadores e jovens que desejam viver em um mundo sem opressão e exploração. Queremos uma sociedade em que seja possível a libertação da humanidade e na qual aplicativos como estes não tenham vez!