Lula rasgou o acordo que pôs fim à greve dos controladores de vôo. O governo tomou essa decisão depois de ter sido pressionado fortemente pelos militares e pela burguesia. Em discurso durante a posse do brigadeiro José Américo do Santos na chefia do Estado-Maior da Aeronáutica, o presidente disse que “não há qualquer espaço para tergiversar sobre a hierarquia e a disciplina”.

A cerimônia se tornou um ato de desagravo ao comandante da aeronáutica, Juniti Saito. O comandante defendeu na ocasião a “estrita observância dos princípios basilares da hierarquia e disciplina, sobre os quais não há qualquer espaço para tergiversar”.

Está mais do que explícito que o governo, junto com as Forças Armadas, vai desencadear uma ampla repressão ao movimento. Por outro lado, os controladores civis declararam estado de greve. Isso pode indicar que os controladores militares (proibidos de realizar greves ou declarar “estado de greve”) poderão retomar algum tipo de paralisação.

Ameaças
A ação do governo tem um motivo bastante claro: impedir que uma ação semelhante possa se ampliar no interior das Forças Armadas. Recentemente, a Polícia Federal realizou uma paralisação reivindicando melhores salários. Segundo a imprensa, existem vários militares de baixa patente descontastes com suas remunerações. Uma vitória da greve dos controladores poderia ser um exemplo a ser seguido, não apenas pelos militares, mas, inclusive, por outras categorias. Lula confirma o que escrevemos: “Se enquanto militares eles já fazem isso, imagine o que farão subordinados a um comando civil”, disse. Por isso, é preciso é preciso esmagar o movimento, dizem numa só voz, generais, governo e a burguesia.

A fúria da imprensa é tamanha que alguns jornais aproveitam para, além de exigir a punição dos controladores, ampliar a proibição de greves ao conjunto dos servidores públicos. O editorial da Folha de S. Paulo do dia 3 de abril não podia ser mais explicito: “Uma rígida lei de greve nos serviços públicos essenciais deveria constar do pacote. Precisaria prever demissões sumárias, a bem do serviço público, em casos de paralisações como a de sexta”. Evidentemente, Lula tem acordo com isso. Afinal, foi ele mesmo que disse que “só ex-sindicalista pode propor restrição a greves”.

Concurso de hipocrisia
Toda a crise do “apagão aéreo” desenvolvida nos últimos dias nos mostra um verdadeiro torneio de falsidades. Caso tivéssemos que entregar um prêmio – um “Oscar da hipocrisia” -, teríamos uma disputa muito dura para ver quem ganharia.

Em primeiro lugar, temos o governo. O ministro de Planejamento, Paulo Bernardo, assinou um acordo que prometia não punir os grevistas, tirar o controle aéreo da jurisdição militar e melhorar as remunerações. O ministro assumiu a negociação por decisão de Lula, colocando à margem a chefia da aeronáutica. Posteriormente, depois de ser pressionado pelos chefes militares, Lula se somou a uma campanha furiosa contra o “motim” dos controladores, acusando-os de “irresponsáveis”, “traidores” e devolve o controle do problema para o Chefe da Aeronáutica, incluindo a autorização, negada na sexta-feira passada, para punir os controladores.

Como vemos, para o antigo sindicalista e ex-dirigente de greve, muitas delas que se chocaram diretamente com os militares, não há problema em negociar reivindicações com uma categoria, fazendo qualquer promessa para encerrar a greve e depois tranqüilamente negar todo e qualquer compromisso assinado.

A burguesia não ficou atrás. Por meio de seus partidos, fez um escândalo sobre o “motim”, a ruptura da hierarquia nas Forças Armadas, denunciando que isso significava “o fim do mundo”, a destruição das instituições e ameaçando com todas as calamidades do universo caso os grevistas não fossem punidos. Curiosamente “não perceberam” que no, episódio, não teve uma, mas duas quebras da disciplina: além dos sargentos, também quebraram a disciplina os oficiais a cargo dos Cindacta (Centro de Controle Aéreo), que abandonaram o serviço quando as negociações foram transferidas para as mãos dos civis.

Tudo indica que foi uma atitude aprovada pela chefia da Força Aérea, ou seja, simplesmente abandonaram um serviço de enorme responsabilidade, já que há milhares de vidas em suas mãos. Difícil achar um caso mais claro de amotinamento. Porém, “inexplicavelmente”, ninguém reparou no assunto.

O promotor do Ministério Público Militar, João Rodrigues Arruda, coordenador acadêmico do Centro de Estudos de Direito Militar (Cesdim), disse, em entrevista a BBC Brasil, que os comandantes também poderiam ser enquadrados no Código Penal Militar, que considera crime a “omissão de eficiência”. Ele ainda disse que há um claro tratamento diferenciado no interior das Forças Armadas. “Toda vez que os militares fazem algum movimento, o tratamento é diferente: se for sargento, Código Penal em cima, se forem oficiais, anistia e volta tudo ao normal”, afirma.

Tampouco a grande imprensa ficou de fora da campanha de “satanização” dos controladores. Lançou, encabeçada pela rede Globo, uma campanha feroz de denúncia contra os controladores. De um minuto para outro, foram “esquecidas” todas as denúncias e notícias do desastre que é o sistema de controle aéreo brasileiro e os únicos “malvados” que provocaram a crise foram os grevistas. Desapareceu o desastre do avião da Gol, a falta de investimentos, os radares e sistemas de comunicação obsoletos, a falta de controladores… A quebra de hierarquia foi utilizada para mascarar todos os problemas.

Manifestamos nossa total solidariedade aos controladores de vôo. Sua luta era e é justa, pois visa conquistar condições dignas de trabalho, e assegurar segurança ao tráfego aéreo do país.

LEIA A ÍNTEGRA DO ACORDO ENTRE GOVERNO E CONTROLADORES DE VÔO:

Pauta de Negociação
O Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão e a Secretária-Executiva da Casa Civil da Presidência da República comprometem-se com os seguintes itens de negociação a respeito do controle do tráfego aéreo:

1. O Governo Federal fará a revisão dos atos disciplinares militares, tais como transferências, afastamentos e outros, envolvendo representantes de associações de controladores de tráfego aéreo, ocorridos nos últimos seis meses, assim como assegura que não serão praticadas punições em decorrência da manifestação ocorrida no dia 30.03.2007;

2. Abrir um canal permanente de negociação com representantes, inclusive de controladores militares, para o aprimoramento do tráfego aéreo brasileiro, tendo como referência de início dos trabalhos a implantação gradual de uma solução civil, a partir de terça-feira, 03 de abril de 2007;

3. Abrir um canal de negociação sobre remuneração dos controladores civis e militares a partir de terça-feira, 03 de abril de 2007.

Paulo Bernardo Silva