Proteção ambiental é vista como empecilho pelo governo.Durante reunião realizada no Palácio do Planalto no último dia 23, o presidente Lula teria se irritado com a demora do Ibama em liberar a construção de duas usinas hidrelétricas no Rio Madeira, em Rondônia, consideradas as duas principais obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). “Se eu pudesse, acabaria com o Ibama”, teria dito Lula a seus interlocutores. No entanto, o presidente não só pode como, com a ajuda da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, já está implementando o desmonte do órgão.

Através principalmente da Medida Provisória 366, que desmembra o Ibama em dois, criando o Instituto Chico Mendes, o governo Lula quer esvaziar as funções do antigo instituto, deixando o órgão definhar até a completa extinção. Desta forma, o governo se veria livre do empecilho que representa o órgão público para o “andamento do PAC”.

“Alguns peixes não podem travar o desenvolvimento do país”, teria dito ainda o presidente na mesma reunião. “Jogaram o bagre no meu colo”, afirmou. Lula se referia ao parecer do Ibama que não autorizava o início da construção das hidrelétricas, devido ao devastador impacto ambiental e danos às inúmeras espécies que a obra causaria. Com esse discurso, o governo passou à ofensiva contra o órgão criado em 1989 através da unificação das agências de fiscalização ambiental.

Os grandes bagres
Por trás do ataque ao Ibama, estão o interesse da mega-empreiteira Odebrecht e, pra variar, dos grandes latifundiários. Isso porque a construtora, aliada à Furnas, está de olho na licitação das obras, um negócio que promete envolver cerca de R$ 20 bilhões. Tanto que contratou especialistas para realizarem um parecer alternativo ao do Ibama que, evidentemente, minimizou os impactos no meio ambiente.

As hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio produziriam juntas cerca de 6.450 MW. Apesar dos estudos da construção das usinas serem elaborados desde 2006, o governo resolveu incorporá-las ao PAC, com o argumento de que o inevitável crescimento econômico iria impulsionar a demanda por energia. Assim, a construção das hidrelétricas seria imprescindível para evitar um possível apagão em 2010.

O governo e a grande mídia denunciam um suposto radicalismo ambientalista na direção do Ibama, que barraria o desenvolvimento econômico do país às custas de meia dúzia de bagres. No entanto, o que os apoiadores do projeto esperam é amparar o fortalecimento do pólo agro-industrial local, para onde seria destinada a maior parte da energia gerada. Com isso, o irreversível prejuízo ao meio ambiente não viabilizaria o crescimento econômico do país, mas sim o enriquecimento de um punhado de grandes empresas e latifundiários.

O parecer do Ibama adverte que as obras prejudicariam algo em torno de 400 espécies. O rio Madeira é um dos maiores rios do mundo, abrigando uma rica biodiversidade. As hidrelétricas comprometeriam o fluxo migratório dos peixes, impedindo sua reprodução e extinguindo uma das principais fontes de renda para milhares de pessoas que vivem nas margens do Madeira. Também há o risco de sedimentos se depositarem no fundo do rio, diminuindo sua profundidade e duplicando a área alagada.

Além disso, os efeitos da construção das hidrelétricas podem até mesmo transcender as fronteiras do Brasil, atingindo a biodiversidade na Bolívia. Isso ocorre pois o Madeira é um dos principais afluentes do rio Amazonas, que atravessa também o país andino.

Uma falsa polarização
Os noticiários apresentam uma aparente polarização entre Lula e a ministra da Casa Civil, Dilma Roussef, de um lado e a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva de outro. Enquanto Lula e Roussef pressionam pela rápida liberação das licenças ambientais, Marina ocuparia o lugar de defensora do Meio Ambiente.

Porém, os fatos mostram que tal antagonismo é apenas aparente. Ao invés de exigir um novo projeto de construção das hidrelétricas, o governo pressionou, e Marina encampou, a demissão de uma série de técnicos do Ibama. Lula demitiu dois altos funcionários do Ministério do Meio Ambiente. Já a ministra afastou uma série de funcionários contrários à concessão da licença e anunciou uma apressada reestruturação para adequar o órgão às necessidades do governo.

Fica cada vez mais evidente o papel cumprido pela ministra na gestão Lula. O governo utiliza o prestígio internacional conquistado pela então militante Marina Silva para legitimar sua política de destruição do meio ambiente e favorecimento a usineiros e latifundiários. Foi sob o governo Lula que se aprovou o projeto de concessão de florestas públicas, que aluga áreas florestais inteiras para a iniciativa privada por dez anos. Sob a gestão petista, os latifundiários de soja e madeireiras avançaram sobre a floresta amazônica, causando um dos maiores desmatamento da história. De acordo com a ONG Greenpeace, só nos últimos três anos, o índice de desmatamento superou os 23 mil km2.

Como se tudo isso não bastasse, o governo Lula ainda deu um grande passo para a completa liberação comercial dos transgênicos no país. Tal medida pode causar efeitos imprevisíveis ao ecossistema. Para beneficiar seus heróis usineiros e latifundiários, o governo não mede esforços nem vê obstáculos intransponíveis.

Caso não consiga o licenciamento das obras pelo Ibama, Lula já ameaçou investir em usinas termelétricas ou até mesmo nucleares, a fim de atender a demanda da burguesia por energia. Tais usinas prejudicam bem mais o meio ambiente que as hidrelétricas. No entanto, a própria Marina Silva oficializou o desmonte do Ibama a fim de facilitar a aplicação do PAC.

Ibama em perigo
Uma Medida Provisória e três decretos presidenciais iniciam oficialmente o fim do Ibama. O desmembramento do órgão dá um salto no processo de sucateamento do Instituto imposto pelo governo Lula, indo na corrente contrária à consciência ecológica que cresce no país e no mundo. O recém-criado Instituto Chico Mendes tira atribuições do Ibama, levando também recursos e parte do quadro de funcionários.

O novo órgão seria responsável pela fiscalização e policiamento das áreas de conservação. Após a criação do Serviço Florestal Brasileiro, parte do projeto de Concessão de Florestas Públicas, esse novo instituto esvazia ainda mais as atribuições do Ibama.

Os servidores do órgão, no entanto, já demonstraram que não aceitarão calados a destruição do Ibama. Assembléia realizada no dia 27 de abril aprovou indicativo de greve nacional contra o desmembramento e em defesa do órgão. O funcionalismo está indignado com a ministra e a política do governo Lula que, diante da ameaça ao meio ambiente, coloca-se ao lado dos latifundiários predadores.
Porém, pela disposição de luta dos servidores, o bagre será o menor dos problemas do governo.

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