Em um eventual governo de Luiz Inácio Lula da Silva, haverá um processo de mobilizações sociais para pressionar por mudanças. Caso Lula entenda a “mensagem do povo“, o movimento será de apoio. Mas, se Lula tentar “enganar o povo pedindo paciência, acabará como [o ex-presidente argentino Fernando] de la Rúa“.

A opinião é de João Pedro Stédile, dirigente e o principal ideólogo do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), em entrevista ao jornal espanhol “El País“ sobre a posição do movimento em caso de vitória petista.

Fernando de la Rúa renunciou em dezembro de 2001, depois do colapso do regime de câmbio fixo e com o país virtualmente em moratória, decretada dias depois.

O fracasso do modelo econômico neoliberal colocou o Brasil em um “beco sem saída“, afirmou Stedile ao diário madrilenho. “Isso exige mudanças, porque senão a crise social será devastadora e acabaremos como a Argentina.“

Uma vitória do petista, afirmou Stédile, “teria um peso simbólico que se traduziria no ressurgimento do movimento de massas“. A partir do momento em que a campanha do PT diz para votar em Lula, que a hora é de Lula, o “povo“ brasileiro entende que chegou a sua hora, disse.

“Haverá um processo de mobilizações sociais das quais participarão os sem terra, os trabalhadores do setor público, que apoiarão as mudanças de que o Brasil necessita“, disse Stedile ao “El País“.

Indagado se as mobilizações seriam de apoio, Stedile declarou que os atos não devem ser inseridos no terreno partidarista.

“Estou falando em movimento de massas para pressionar em favor de mudanças. Se o governo Lula entender essa mensagem, ela fortalecerá o processo de mudança. Se, pelo contrário, tentar enganar o povo pedindo paciência, acabará como De la Rúa“, disse.

O dirigente do MST ressaltou a importância da atuação da sociedade civil, dizendo que as mudanças necessárias não dependem da vontade de Lula, mas de mobilização popular. “Nossa missão no MST é mobilizar o povo para exigir do novo governo essa ruptura“, disse ao “El País“.

Hipocrisia

Indagado sobre as alianças políticas feitas pelo PT com setores mais conservadores e o apoio recebido de setores empresariais, Stedile afirmou que na política eleitoral brasileira “há muita retórica e poucos compromissos“.

Em sua avaliação, as campanhas políticas têm sido “muito hipócritas“. “O que prometeu em campanha Fernando Henrique Cardoso e o que fez depois não têm nada a ver.“

O dirigente do movimento sem-terra disse que, “honestamente, não nos preocupa o teor do discurso de Lula nem as alianças partidárias que possa fazer. Nos dá confiança que Lula represente forças sociais organizadas da sociedade, à margem de partidos“.

Em relação às invasões de terra (sic), Stedile declarou que a questão não é partidária. O dirigente enfatizou que o movimento age de forma autônoma em relação ao PT. Ele afirmou que o que determina as ocupações de terra não é a vontade dos dirigentes, mas o aumento ou a diminuição dos problemas dos sem-terra.

Ainda sobre as invasões (sic), afirmou que, em um eventual governo Lula, a maior dor de cabeça a ser enfrentada não será o MST: “Chama-se capital americano, com todas as suas representações“, como bancos, o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio.

Publicado na Folha de São Paulo, em 24/10/2002