A abertura dos arquivos da repressão na época da ditadura militar vem sendo protelada infinitamente pelo governo Lula. Aparentemente, isso se deve a uma bagunça dentro do governo. “Nilmário Miranda diz uma coisa, o ministro da Justiça diz outra e o presidente diz uma terceira coisa”, afirma Roberto Busato, presidente da OAB. Para ele, a renúncia do presidente da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, João Pinaud, no último dia 15, é resultado da falta de unidade do governo nas questões relativas aos direitos humanos.

Mas a verdade é bem outra. O que está ocorrendo de fato é uma enorme pressão dos militares para que os arquivos permaneçam fechados. E dentro do governo Lula não há confusão alguma. Ele concorda em gênero, número e grau com os militares.

Comissão não tem apoio do governo

A Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos existe desde 1995. Ela foi instituída para ajudar o governo a esclarecer o que foi feito com as vítimas do regime militar. Já se passaram nove anos e até hoje a Comissão não conseguiu fazer com que os militares abrissem os arquivos. Fernando Henrique ajudou os militares, emperrando ao máximo os trabalhos da Comissão e agora é a vez de Lula fazer o mesmo.

Foi por isso que Pinaud saiu. A Comissão não é levada a sério pelo governo. A tal ponto que em outubro de 2003 foi criada uma comissão paralela, formada apenas por membros do governo, para investigar o que ocorreu na Guerrilha do Araguaia, que seria atribuição da Comissão. Essa atitude, criticada pelas famílias dos desaparecidos, enfraqueceu ainda mais a Comissão chefiada por Pinaud. Por outro lado, ele acusa Nilmário Miranda, ministro-chefe da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, de não pressionar os militares para abrir os arquivos.

No lugar de Pinaud, entrou o advogado Augustino Veit, que tratará de esvaziar ao máximo o conteúdo e as funções da Comissão que preside, e de parar de pressionar o governo e os militares, se não quiser ter o mesmo fim de seu antecessor.

Lula cede à pressão

O grande responsável por essa farsa tem nome: Lula. E cargo: é o presidente da República, com poder suficiente para conseguir a abertura dos arquivos. Mas mantém como ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional um general que é radicalmente contra, Jorge Armando Félix. Com todo o cinismo a que tem direito, por ser militar, Félix disse que está mais preocupado com os militantes de esquerda que foram torturados do que com torturadores. “Tem gente que naquela época estava na clandestinidade, tinha outra mulher e hoje está com a antiga. Se isso aparecer, você pode destruir uma família. Tem os companheiros que entregaram, está escrito”, disse ele ao jornal Folha de S.Paulo no dia 14.

Essa versão é rebatida pelo Grupo Tortura Nunca Mais, formado por ex-presos políticos e que há 20 anos luta pela abertura dos arquivos: “Sabemos muito bem que nos arquivos do terror nada há de bonito. Há os assassinatos, a ocultação de cadáveres, as torturas. Tortura que foi utilizada não como uma prática de alguns ‘mais exaltados’ e por isso mesmo ‘fora do controle do governo’, mas como uma prática institucionalizada, empregada em todos os centros de repressão daquela época e, ainda hoje, utilizada de forma sistemática”.

É justamente isso que vai aparecer se os arquivos forem abertos. Durante a ditadura (1964-85), os militares prenderam inúmeros militantes de esquerda, até mesmo aqueles considerados “suspeitos”. A abertura dos arquivos não visa apenas saber o que aconteceu com a maioria destes. Isso é fundamental, e não apenas por uma questão humanitária, mas, sobretudo, porque os organismos de repressão mudaram de nome, mas continuam intactos, formados pelos militares e acobertados por Lula. A abertura dos arquivos pode identificar onde estão esses organismos e quem são os responsáveis por eles. Não é por acaso que o golpe de 1964 ainda é reivindicado na alta oficialidade das Forças Armadas.

O governo não quer abrir os arquivos, porque quer preservar as Forças Armadas em sua principal função para o Estado burguês, que não é a de “defender o país” em caso de guerra, mas de defender a propriedade burguesa em caso de revolução. Ou, mais freqüentemente, poder preservar “a ordem estabelecida” em caso de grandes mobilizações.

O governo Lula não só não abre os arquivos como ainda por cima quer reduzir as indenizações às famílias das vítimas. Considera que as indenizações impostas pela lei de FHC, que institui o pagamento às famílias das vítimas, são uma “pesada herança”. “Quando recebemos essa pesada herança, começamos uma negociação com as entidades a fim de reduzir o montante”, disse Thomaz Bastos à Folha. A morte e a humilhação dos militantes hoje não passam de um incômodo para o governo Lula, além de gastos no Orçamento e atritos com os militares. Tudo o que ele gostaria de ver pelas costas.

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