Com a intensificação das ações do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o debate sobre a reforma agrária no Brasil voltou à cena política. No entanto, de fato, aqui nunca houve uma política de reforma agrária e sim a intensificação da luta pela terra, principalmente na década de 90, que forçou o governo FHC a assentar e regularizar as famílias acampadas nas áreas ocupadas.
O território brasileiro tem aproximadamente 850 milhões de hectares. Cerca de 285 milhões de hectares são de latifúndios; 250 milhões referem-se às áreas devolutas; 81 milhões, estão em áreas totalmente ociosas e 115 milhões de hectares constituem-se em grandes propriedades improdutivas.

A concentração da propriedade da terra é medida por um índice denominado Gini, que indica o grau de concentração ou distribuição das terras de um país entre seus proprietários rurais. O Brasil possui o segundo maior Índice de Gini, ficando atrás apenas do Paraguai. Cerca de 40 mil grandes proprietários controlam cerca de 400 milhões de hectares no país.

Apenas 18 grandes grupos industriais, como Votorantim, Belgo-Mineira e Mannesmann, detêm 11 milhões de hectares, produzindo só em 2 milhões. Quinze dos maiores grupos financeiros, entre os quais Itaú e Bradesco, são donos de 5 milhões de hectares. E 13 grupos agropecuários dominam 6 milhões de hectares dos quais utilizam apenas um milhão. No total, os 46 grupos são proprietários de 22 milhões de hectares, dos quais apenas 3,7 milhões são efetivamente ocupados.

Além desses 22 milhões de hectares, dados do Incra/IBGE estimam em cerca de 30 milhões de hectares as propriedades das empresas estrangeiras no país. Os 46 grupos e as empresas estrangeiras controlam uma área quase tão grande quanto Minas Gerais. O resultado dessa concentração espantosa são os mais de quatro milhões de famílias sem-terra.

Apesar de o MST propor ao governo Lula assentar em seu mandato um milhão de famílias, o que não resolve o problema dos sem-terra, o governo vem apresentando números ínfimos. Para este ano, fala em assentar 60 mil, mas dados do Ministério do Desenvolvimento Agrário revelam que no máximo serão assentadas 20 mil famílias. Não haverá reforma agrária enquanto o governo não romper com o FMI e deixar de pagar a dívida externa.

O governo Lula vem cumprindo à risca a cartilha do Banco Mundial. Em vez de expropriar o latifúndio improdutivo, liberou cerca de 26 milhões ao “Crédito Fundiário”, versão petista do “Banco da Terra” de FHC, pelo qual agricultores recebem dinheiro para negociar diretamente com fazendeiros e empresários, que vendem apenas terras que não lhes servem, a preços supervalorizados, e ainda desmobiliza os movimentos sociais, transformando a reforma agrária num negócio altamente lucrativo aos empresários e latifundiários.

AGRICULTURA FAMILIAR É SÓ PROPAGANDA

Além disso, a agricultura familiar brasileira sempre teve sua importância garantida na produção de alimentos para a classe trabalhadora. São mais de 4,1 milhões de estabelecimentos familiares ou o equivalente a 84% dos imóveis rurais do país. De cada dez trabalhadores do campo, cerca de oito estão em atividades familiares. Quase 40% do Valor Bruto da Produção Agropecuária vêm da agricultura familiar, valor que deve alcançar cerca de R$ 57 bilhões este ano.

Parte significativa dos alimentos que chegam diariamente à mesa dos brasileiros é produzida por agricultores familiares. Quase 70% do feijão consumido pelo país vêm desse tipo de produção. Vêm daí também 84% da mandioca, 58% da produção de suínos, 54% da bovinocultura de leite, 49% do milho e 40% de aves e ovos. No entanto, o governo Lula não vem dando a importância tão divulgada durante a campanha eleitoral para este setor.

Pra começar, colocou um grande empresário — Roberto Rodrigues —, membro da burguesia agrária, no Ministério da Agricultura. Lula vem aplicando a mesma política de FHC para o campo. Dos 32,5 bilhões destinados ao financiamento da agro-pecuária nacional este ano, apenas 5,4 bilhões vão para a agricultura familiar, ou seja, pouco mais de 16%. O restante será abocanhado pelos grandes empresários e latifundiá-rios rurais, membros da UDR e representantes da oligarquia agrária. Fica claro em qual time o governo está jogando.

* Romier Souza é agrônomo e membro do Instituto Agroecológico da Amazônia (IAAM)

Post author Romier Souza*,
especial para o Opinião Socialista
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