`ZoelickA reunião que ocorrerá em Miami é decisiva para que o calendário da Alca acertado por Bush e Lula, janeiro de 2005, possa ser cumprido. Lá serão definidos os temas que o “acordo” abarcará, dando a largada para valer nas negociações em 2004. Estamos diante de momentos decisivos.

Um impasse na reunião de Miami, junto com o fracasso das negociações da OMC enfraqueceria ainda mais o imperialismo, numa situação internacional marcada pela crise da ocupação norte-americana no Iraque, e quando os povos da América Latina olham esperançosos para a insurreição na Bolívia, que derrotou a política do imperialismo norte-americano.

Se o governo Lula se retirasse das negociações, causaria um forte golpe no imperialismo e em sua estratégia de recolonização da América Latina. Mas contrariando a expectativa de mais de dez milhões de brasileiros que exigiram a saída do Brasil das negociações no plebiscito popular de 2002 e em um momento excepcional na conjuntura internacional, Lula faz o oposto, ao costurar um acordo com os EUA no sentido de viabilizar as negociações e o calendário da Alca.

Nestes meses de negociações, os partidos que sustentam o governo no interior do movimento afirmaram um cem número de vezes que o Brasil se mantinha nas negociações defendendo a soberania nacional e o interesse de todos.

Quando Lula viajou aos EUA e acertou com Bush a assinatura da Alca para 2005, João Pedro Stédile, coordenador do MST, afirmou em nota pública que estávamos diante de um exagero da imprensa.

O PCdoB, parte da esquerda do PT e parte da direção da Campanha Contra a Alca tentaram se apoiar na crise real das negociações: o fato de os EUA se negarem a abrir seu mercado às exportações de suco de laranja, carnes e álcool dos latifundiários brasileiros. E por isso afirmavam que a política do Itamaraty inviabilizaria a Alca.

Quiseram ver a defesa de uma política soberana onde, na realidade, se expressava um atrito comercial, que nem de longe questionava a Alca, somente buscava migalhas para diferentes setores da burguesia brasileira.

Nestes dias que antecedem a reunião de Miami, Adhemar Bahadian, o representante brasileiro na co-presidência da Alca, afirmava: “Caiu a ficha nos outros parceiros que entenderam finalmente que a proposta brasileira de Alca Light não tinha um caráter ideológico (leia-se defesa da soberania). Ela não passa de business (negócios)”, afirmou o embaixador. Pois bem, é necessário que a “ficha” também caia para todos os que tinham expectativa de que Lula inviabilizaria a Alca.

Submissão sem limites

Desde o inicio das negociações, os limites impostos pelo Itamaraty à Alca estavam baseados no compromisso de que os EUA garantissem a abertura de seu mercado agrícola e reduzissem os bilhões de subsídios às exportações que destinam aos seus fazendeiros.

O governo Lula afirmava que os EUA tinham gerado um impasse nas negociações, ao exigir a abertura dos mercados alheios e não concordar em abrir o próprio.
De repente, o governo já não exige nem o fim dos subsídios agrícolas, nem a completa abertura do mercado agrícola norte-americano. E ainda abre mão dos temas que o Brasil tinha se negado a discutir na Alca em resposta à política protecionista norte-americana em sua agricultura.

Lula agora se compromete a discutir a abertura do setor de serviços, regras de proteção aos investimentos estrangeiros, e ampliação das regras da chamada “propriedade intelectual” e compras governamentais. Agora tudo se discute, e se buscará um acordo “mínimo”, ficando a critério de cada país ceder mais ou menos aos EUA.

Por que o governo Lula deu este giro aparentemente brusco nas negociações? Quem responde é o ministro da Agricultura e chefe do latifúndio, o exportador Roberto Rodrigues, em declaração ao jornal O Estado de S. Paulo: “Mesmo insistindo em manter sua política de subsídios internos, os americanos podem tornar o comércio agrícola mais aberto, se mexerem nas cotas de vendas aos seus mercados”.

Ai está o nó da questão. Se os latifundiários do Brasil puderem exportar um pouquinho mais, acabou o impasse. Quem tinha a ilusão de que o latifúndio iria “resistir ao imperialismo” não levou em consideração 500 anos de história do Brasil, que o atual governo repete ao se submeter aos interesses destes mesmos setores.

Os latifundiários brasileiros, como o vice-presidente da Câmara dos Deputados, Inocêncio de Oliveira, podem competir com os subsídios agrícolas dos EUA, porque utilizam trabalho escravo em suas fazendas. Por isso, em vez de fim dos subsídios e abertura total, se contentam em aumentar a cota de exportação ao mercado americano.
Conseguida a cota, concedida a soberania! Esta é a exata medida da política soberana do Itamaraty, ardorosamente defendida pelo PT e PCdoB. A defesa da soberania não resiste à cota e ao lucro dos latifúndiários.

Acordo Lula-Bush para uma Alca abrangente

Se o formato anterior da Alca, defendido pelo governo Lula e que restringia a Alca somente à livre exportação de mercadorias, a chamada Alca Light, já significaria um grande retrocesso na soberania do Brasil e dos povos latino-americanos, a proposta atual significa de fato aceitar a Alca Abrangente.

Um acordo que se pautasse no livre comércio já seria algo extremamente prejudicial para a maioria da população trabalhadora. Se o nível de emprego no Brasil não absorve os atuais trabalhadores e tampouco o país gera emprego no ritmo em que cresce a população, com o aumento das importações da Alca a praga do desemprego só aumentará.

Pode ser que o PT e o PCdoB ainda tentem tapar o sol com a peneira, mas o acordo Lula-Bush trouxe temas como compras governamentais e investimentos e, mesmo que se fale em um acordo de mínimos, é de fato a Alca abrangente.

A capitulação a todas as exigências dos EUA será uma questão de tempo. O imperialismo se utilizará de dois mecanismos básicos para ir concretizando seu projeto de recolonização. Por um lado firmará acordos bilaterais como fez com o Chile e América Central, e os já anunciados com Peru e Colômbia. Por outro utilizará o FMI e o Banco Mundial para ir transformando o mínimo em máximo.

O governo Lula está prestes a realizar algo que nenhum outro governo que serviu aos interesses da burguesia foi capaz: transformar o Brasil em uma colônia dos EUA.
Em Miami, os governos Lula e Bush estarão de um lado, defendendo a Alca, e os manifestantes estarão do outro. Esta realidade se imporá em toda a América Latina. Mas as massas latino-americanas podem seguir o exemplo dos bolivianos e se levantar contra a Alca. Agora é retomar a campanha e impedir que o Brasil vire uma colônia.
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