De janeiro a setembro, o governo federal, os estados e municípios “economizaram”
57 bilhões de reais para pagar a dívida interna, o que significou 5,08% do PIB (mais que os 4,25% impostos pelo FMI). Como sempre, não foi suficiente para pagar nem os juros dessa dívida

Se observarmos especificamente o orçamento federal de 2003, veremos que, enquanto foram destinados 145 bilhões de reais para o pagamento das dívidas externa e interna, apenas 81,3 bilhões de reais serão destinados à soma dos gastos com Segurança Pública, Assistência Social, Saúde, Educação, Cultura, Urbanismo, Habitação, Saneamento, Gestão Ambiental, Ciência e Tecno-logia, Agricultura, Organização Agrária, Energia e Transporte. Quando consideramos o gasto já realizado de janeiro a setembro, vemos que foram destinados à dívida mais de 76 bilhões de reais, quase o dobro dos 40 bilhões de reais gastos com todas estas áreas sociais. Além disto, gastos fundamentais estão sendo relegados a segundo plano, como urbanismo, habitação e saneamento, onde foram consumidos menos de 5% do programado para o ano. Não sobrou quase nada para os investimentos: apenas 6% dos parcos R$ 14 bilhões foram efetivamente aplicados nos oito primeiros meses do ano.

E a dívida diminuiu por causa deste enorme sacrifício imposto à sociedade? Não. A dívida líquida do setor público passou de 56,5% do PIB, em dezembro de 2002, para 57,7% em setembro de 2003.

Enquanto isto, a dívida externa continua subindo, devido aos três primeiros saques do acordo com o FMI (que totalizaram 14,3 bilhões de dólares). A dívida, que era de 227,7 bilhões de dólares em dezembro de 2002, atingiu em julho (segundo a última informação do governo) a cifra de 235,5 bilhões de dólares. Nos primeiros nove meses de 2003, do tão comemorado saldo comercial recorde (de 17,8 bilhões de dólares), 16 bilhões de dólares foram gastos para pagarmos os juros desta dívida (8,9 bilhões de dólares), as remessas de lucros das multinacionais aqui instaladas (3,5 bilhões de dólares), e os serviços contratados do exterior (3,7 bilhões de dólares). Ou seja, continuamos a drenar as riquezas do país para o exterior, sob o pretexto de pagarmos os juros de uma dívida que já pagamos.

Porém, a conta de capitais (que inclui a tomada de empréstimos, amortizações e a entrada de investimentos no país) mostra nossa vulnerabilidade. São 30 bilhões de dólares de amortizações todo ano, o que nos obriga, permanentemente, a depender de novos empréstimos para pagar as dívidas anteriores. Se analisarmos como essa conta se comportou até setembro, veremos que ela somente fechou positiva nesses nove meses devido ao empréstimo de 17,6 bilhões de dólares do FMI este ano. Nesse período, a entrada de investimentos diretos foi de apenas 6,2 bilhões de dólares, bem menos do que o observado no mesmo período do ano passado (10,3 bilhões de dólares), o que nos deixa dependentes do capital especulativo.

Além do mais, todos estes 17,6 bilhões de dólares emprestados do FMI deverão ser devolvidos até 2007. A fim de garantir a continuidade dos pagamentos aos credores e ao próprio Fundo, o governo optou por renovar o acordo com o FMI. Nessa linha, as reformas anti-sociais têm sido cada vez mais aprofundadas pelo governo.

As Reformas da Previdência e a Tributária

Duas grandes marchas de milhares de pessoas a Brasília não impediram que o governo continuasse trabalhando pesadamente para a aprovação da Emenda Constitucional da reforma da Previdência. O projeto que privatiza a Previdência dos servidores públicos foi votado na Câmara em agosto, em meio a denúncias de compra de votos de parlamentares e oferta de verbas e cargos, expediente inaceitável sob todos os aspectos, especialmente sob o prisma ético. Manobra nunca vista vem sendo utilizada mediante a apresentação de uma “PEC Paralela”, medida claramente inconstitucional que desrespeita o Poder Legislativo.

Quanto à reforma tributária, o governo vem conseguindo garantir a aprovação da prorrogação da exigência de CPMF e a manutenção da Desvinculação das Receitas da União (DRU), que se prestam a garantir a continuidade de produção dos elevados superávits primários para o pagamento dos juros da dívida.

A Nova Lei de Falências

No dia 15 de outubro, foi aprovada a nova Lei de Falências na Câmara, que coloca os créditos tributários em igualdade de condições com seus credores, geralmente bancos. Essa alteração imposta pelo FMI é muito grave, pois coloca o interesse privado acima do público. O credor mais importante é a coletividade, na forma do pagamento de impostos, e não o setor financeiro privado, como indica o novo texto. A lei também prejudicará o recebimento de créditos trabalhistas, ao garantir a prioridade absoluta ao pagamento de empréstimos concedidos a empresas exportadoras, geralmente, por instituições financeiras. O projeto segue para o Senado.

Como vemos, o governo e o FMI não estão brincando. Caso não nos mobilizemos para impedir as reformas, haverá um retrocesso sem precedentes na luta histórica dos trabalhadores pelos seus direitos. As conquistas mais importantes, conse-guidas após muita luta, estão sendo atacadas pelo governo Lula.

* Maria Lúcia Fattorelli é auditora fiscal da Receita Federal, presidente da Unafisco Nacional e coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida pela Campanha Jubileu Sul

VEJA QUEM GANHOU…

  • Capitalistas

    Banqueiros
    Até setembro, o governo Lula pagou 76,69 bilhões de reais aos banqueiros, referente a juros das dívidas externa e interna.
    Como se não bastasse, os bancos aumentaram seus lucros no primeiro semestre, em comparação ao mesmo período de 2002. Só o Bradesco lucrou 1,59 bilhões de reais.

    Empresários
    Aumentaram seus lucros em 2003. Empresa do ministro do Desenvolvimento, Luis Fernando Furlan, a Sadia lucrou 108,422 milhões de reais no terceiro trimestre do ano, resultado 12,5% superior a 2002. E a Bunge Brasil, que exporta soja, teve o seu melhor resultado no país, lucrando 832 milhões de reais.
    Em setembro, a indústria aumentou a produção em 6%. Os operários trabalharam mais horas, mas aumento de salário e criação de empregos que é bom, nada.

    …E QUEM PERDEU

  • Trabalhadores

    Emprego
    Lula prometeu criar 10 milhões de empregos, mas só criou mais desemprego. Segundo o Dieese, só na grande São Paulo mais de dois milhões de pessoas estão desempregadas e a taxa de desemprego voltou a atingir 20,6% da População Economicamente Ativa, a mais alta desde 1985.

    Salário
    A queda da renda dos trabalhadores foi de 14,6%, segundo o IBGE. Nas seis regiões pesquisadas a renda só desce: Recife (-13,3%), Salvador (-5,4%), Belo Horizonte (-11,8%), Porto Alegre (-9,1%), Rio de Janeiro (-16,0%) e São Paulo (-15,9%).

    Reforma Agrária
    Outra promessa que virou lenda. Lula afirmou na campanha eleitoral que faria a reforma agrária com “uma canetada”. Mas até 10 de outubro, o Incra havia assentado apenas 13,6 mil das 4,5 milhões de famílias sem-terra. No orçamento para 2004, só há dinheiro para assentar pouco mais de 25 mil famílias.

    Post author Maria Lucia Fattorelli*,
    especial para o Opinião Socialista
    Publication Date