Poucos dias após o surpreendente anúncio de pagamento antecipado de US$ 15,5 bilhões ao FMI, cujos pagamentos seriam devidos somente nos dois anos seguintes, ou seja, até 2007, nos deparamos com a manchete do jornal Gazeta Mercantil, na última quarta-feira, dia 28 de dezembro de 2005: “O governo acelera as captações no exterior”.

A referida matéria tratava do lançamento antecipado, em 2005, de US$ 3,5 bilhões em títulos da dívida externa brasileira que só estavam previstos para 2006 e justificava: “a estratégia do Tesouro Nacional de antecipar as captações externas previstas para o período de 2006/2007, iniciada em setembro de 2005, pode ser acelerada no primeiro semestre de 2006. A vantagem seria fugir da proximidade das eleições presidenciais, que pode encarecer os financiamentos e driblar uma eventual redução da liquidez internacional…” Em 2005 foram feitas emissões soberanas de títulos da dívida brasileira no exterior no montante de US$ 8 bilhões, consideradas um grande “sucesso”, prevendo-se a continuidade do interesse dos investidores estrangeiros em 2006.

Buscando compreender a razão desses dois movimentos contraditórios – pagamento antecipado de uma dívida ao mesmo tempo em que se antecipa a emissão de títulos e se aumenta o endividamento – pesquisamos notícias de jornais e as páginas na internet da Secretaria do Tesouro Nacional e do Banco Central do Brasil, onde obtivemos as informações que comentamos a seguir:

1.Ao todo, em 2005 foram feitas emissões soberanas de títulos da dívida brasileira no exterior no montante de US$ 8 bilhões, além da troca de C-Bond por A-Bond no valor de US$ 4,4 bilhões. Porém, até o momento não estão disponíveis, nos sítios oficiais, as informações sobre as emissões antecipadas para 2005 no montante de US 3,5 bilhões. O quadro abaixo, retirado do sítio do Tesouro Nacional, detalha apenas as operações de emissão dos US$ 4,5 bilhões originalmente programados para 2005:

Emissão de títulos da Dívida Externa em 2005
Data Valor (US$ milhões) Taxa de Juros
(% ao ano) Observação
03/02/2005 648 7,55 Emissão de títulos
04/02/2005 1.250 8,9 Emissão de títulos
07/03/2005 1.000 7,9 Emissão de títulos
17/05/2005 500 8,83 Emissão de títulos
02/06/2005 500 8,81 Emissão de títulos
27/06/2005 600 7,73 Emissão de títulos
TOTAL (sem considerar a troca de C-Bond por A-Bond) 4.498
01/08/2005 4.400 7,78 Troca de C-Bond por A-Bond
Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional

Não estão disponíveis as informações sobre os demais custos para a colocação dos referidos títulos no exterior, nem a diferença entre o valor de face dos mesmos e sua efetiva comercialização.

2.As emissões antecipadas de títulos da dívida externa brasileira no montante de US$ 3,5 bilhões (previstos inicialmente para serem emitidos apenas em 2006) se deram a taxas de juros que variaram de 8% a 12,75% ao ano, conforme se depreende a partir da reportagem do jornal Gazeta Mercantil, citada. Destaca-se a emissão de 19 de setembro de 2005, quando o Brasil emitiu títulos denominados em reais no montante de US$ 1,5 bilhão, oferecendo rendimento de 12,75% ao ano. Como o real se desvalorizou apenas 2,4% frente ao dólar de 19/09/2005 a 03/01/2006, foi garantido até o momento, ao investidor estrangeiro, um rendimento de cerca de 10% ao ano, em dólares.

3.Durante o ano de 2005, o Tesouro Nacional efetuou inúmeros leilões de títulos da “dívida interna”. A taxa Selic, que define os juros incidentes sobre a maior parte destes títulos, apresentou média de 19,13% em 2005. Descontando-se a taxa de inflação medida pelo IPCA, de cerca de 6% em 2005, obtém-se que os juros reais pagos superaram os 13% ao ano! Esta taxa é a maior do mundo, e equivale a mais que o dobro da taxa praticada pelo México (6,1%), o segundo colocado. É preciso ainda ressaltar que, como o Real se valorizou 13,4% frente ao dólar em 2005, os títulos da dívida interna garantiram um rendimento de nada menos que 35% ao ano para os investidores estrangeiros!

A partir destas informações, constata-se que as condições das emissões de títulos da dívida brasileira – tanto interna quanto externa – foram altamente onerosas para o país. Não houve o acompanhamento criterioso de tais operações pelo Senado Federal, como prevê o artigo 52, inciso V, da Constituição Federal, pois todas estas emissões de títulos foram previamente autorizadas pelo Senado Federal desde 16 de novembro de 2004, quando, por meio da Resolução nº 20, permitiu-se a emissão e colocação de títulos da dívida externa no montante de até US$ 75 bilhões, sem estabelecer qualquer exigência quanto à modalidade dos títulos (nominativos; ao portador; listados ou não em bolsas de valores) ou quanto às demais condições de pagamento (prazos e juros), deixando o poder Executivo à vontade para “negociar”!

Na sequência dessas emissões onerosíssimas para a nação, em dezembro de 2005, o governo Lula ANTECIPOU o pagamento de US$ 15,5 bilhões ao Fundo Monetário Internacional. Comparando-se o cronograma inicial de pagamentos devidos ao FMI com a anunciada economia de US$ 900 milhões, a título de juros, com tal antecipação, verificamos que o custo financeiro da dívida para com o FMI era de cerca de 4% ao ano.

Portanto, na prática, o Brasil ANTECIPOU e ACELEROU o endividamento em títulos da dívida externa ao custo de cerca de 10% ao ano em dólares, aumentou o endividamento “interno” ao custo real de 13% ao ano (sendo que os investidores externos ganharam 35%) e ANTECIPOU o pagamento das dívidas junto ao FMI, cujo custo era de apenas 4% ao ano. Qual é a explicação para movimentos tão contraditórios?

Como justificar antecipação e aceleração “a todo vapor” da emissão de títulos no momento, se o próprio governo diz ser confortável a situação das reservas cambiais e das contas públicas, o que estaria inclusive permitindo a antecipação do pagamento de outras dívidas junto ao FMI, Clube de Paris e até à ONU?

Enfim, por quê o governo Lula aumentou a dívida em títulos, a preços onerosíssimos, acarretando maiores gastos com juros, e antecipou o pagamento ao FMI, que cobrava taxas bem mais baixas? Qual é a lógica desse procedimento, especialmente considerando o sacrifício social imposto à nação, com cortes de gastos sociais e investimentos em saúde, educação, transportes, segurança, etc; aumento contínuo da carga tributária; aumento da Desvinculação das Receitas da União; redução de benefícios previdenciários e arrocho salarial, tudo para se produzir o elevadíssimo superávit primário?

O Governo Lula deve explicações ao povo brasileiro sobre estas operações.