Enquanto atletas testam limites da capacidade humana, multinacionais tornam festa cada vez mais excludente.Mais rápido, mais alto, mais forte. O velho lema olímpico, inspirador do esforço de gerações de atletas pela glória esportiva, parece, cada vez mais, animar a feroz sanha por lucros por trás de mais uma edição dos Jogos Olímpicos. Em Londres 2012, a mercantilização do esporte parece bater recordes ainda mais impressionantes do que os vistos nas quadras, pistas e piscinas.

Os olhos do mundo estão voltados à capital inglesa, seja na busca pelos saltos impressionantes da ginástica, pelas sensacionais corridas do atletismo ou pelos belos ippons do judô. Pela televisão, podemos presenciar um verdadeiro espetáculo de desafio aos limites do ser humano, cada vez mais superados por atletas como o nadador norte-americano Michael Phelps ou corredor jamaicano Usain Bolt. Um show que só o esporte é capaz de proporcionar.

Um olhar mais atento, porém, vai nos levar a entender que, por trás do fascínio do esporte olímpico, quem faz a festa são enormes corporações transnacionais, que se utilizam das competições para fazerem mais e mais dinheiro.

Acopladas ao COI (Comitê Olímpico Internacional), empresas como a General Electric, Proctor & Gamble, Coca-Cola e McDonald’s promovem, em paralelo aos jogos, uma ofensiva capitalista que não tolera limites. Estando as próximas Olimpíadas marcadas para o Rio de Janeiro, em 2016, os trabalhadores brasileiros poderão, se souberem o que realmente se passa em Londres, tirar importantes conclusões sobre o que o megaevento realmente implica para as pessoas comuns.

Austeridade só para os pobres
O cenário dos Jogos está profundamente marcado pelo contexto de crise econômica que atravessa a Europa. Apesar de não fazer parte da Zona do Euro, o Reino Unido está oficialmente em recessão, após três trimestres consecutivos de retração em seu PIB. Acompanhando a lógica imposta pela burguesia de seu continente, o governo de David Cameron (Partido Conservador) trata de aliviar a pressão dos bancos por meio dos cortes nas áreas sociais e da política de austeridade.

A situação econômica contrasta com os gastos diretos na organização do megaevento, cujo orçamento não se pode chamar de austero. Contrariando a previsão inicial de custos em torno de 2,4 bi de libras, foram gastos cerca de 9,3 bi libras – ou quase 30 bilhões de reais. O montante equivale a quase um quarto do orçamento do sistema público de saúde.  Os investimentos, no entanto, tendem a não reverter a dinâmica negativa da combalida economia britânica.

Em meio a poderosos interesses, Londres 2012 edifica uma enorme rede comercial que se vale de nacionalismo e medidas autoritárias para se realizar. No meio da cidade, as chamadas Zonas de Exclusão de Marcas definem ilhas onde os comerciantes estão proibidos de oferecer produtos que não os dos patrocinadores oficiais. Torcer, só se for vestindo grife.

 O controle das corporações é tão grande sobre o evento, que os espectadores no interior das praças esportivas estão sujeitos a restrições de todo tipo. Desde a proibição de tambores e apitos, até o banimento de bandeiras de países não reconhecidos pelo COI. Mensagens políticas em faixas ou camisetas também não serão toleradas nas arquibancadas. Impedidos de entrar nas áreas de competição portando alimentos, o torcedor deverá pagar cerca de 12 libras (quase R$40) por um almoço. Londres 2012 não quer pobres na platéia.

Remoções e higienização
Não bastasse não serem convidados à festa, muitos trabalhadores ingleses ainda foram expulsos de suas casas. Em um processo que já estamos vendo no Brasil, as comunidades atravessadas pelas Olimpíadas, em sua marcha pelo lucro, foram cruelmente retiradas de seus territórios. Seja com remoções forçadas ou pelo mecanismo da venda compulsória, milhares de trabalhadores foram expulsos para bairros mais distantes.

Toda a região Leste de Londres, onde estão instalados os principais equipamentos esportivos, passou por um enorme processo de “revitalização”, sob a batuta da especulação imobiliária. No lugar das comunidades, prédios de luxo rodeiam as arenas olímpicas. Em um processo conhecido como “gentrificação”, a população pobre desses locais vai sendo expulsa, também, por um mecanismo econômico – a valorização imobiliária eleva de conjunto o custo de vida na região. É idêntico ao que já ocorre no Rio de Janeiro, por exemplo.

As medidas de higienização social também podem ser bem menos sutis. A circulação durante os jogos será restrita em diversas áreas da cidade. Igualmente, qualquer iniciativa de protesto contra as consequências sociais do megaevento está sob ameaça de criminalização. Através da Lei dos Jogos Olímpicos, aprovada em 2006, a polícia está autorizada a reprimir qualquer evento que possa supostamente colocar em risco o bom andamento dos jogos.

Militarização e controle
Para garantir os lucros exorbitantes com que contam os patrocinadores, Londres viverá duas semanas em meio a uma ostensiva militarização. O sistema de segurança das Olimpíadas conta com mais de 23 mil homens, entre soldados do exército britânico e funcionários da empresa privada G4S. É o equivalente a quase metade das tropas reais estacionadas na guerra do Afeganistão e a maior presença militar em Londres, desde a segunda guerra mundial.

Completando o sítio à cidade, foram instaladas pequenas bases de lançamento de mísseis antiaéreos no topo de prédios, inclusive residenciais, sem nem ao menos haver consulta aos moradores. Oficialmente, há, ainda, 500 agentes do FBI oferecendo a colaboração norteamericana a esse aparato.

Tamanha a presença de um ambiente militar nos Jogos, que a bandeira olímpica com seus 5 anéis, supostamente um símbolo de paz, foi conduzida na Cerimônia de Abertura por 16 militares condecorados por feitos de guerra – incluindo a recente intervenção na Líbia. A patriotada grã-bretã é o esforço por transparecer uma imagem de glória a um império decadente.

Há resistência 
Contrariando a ideia transmitida pela grande mídia de que há um eufórico consenso no Reino Unido em torno aos Jogos, os movimentos sociais vêm organizando uma ampla rede de ativistas descontentes. No último dia 28 de julho, primeiro dia oficial de competições, uma importante manifestação marchou pela Zona Leste de Londres.

Cerca de 1000 pessoas compareceram aos chamados “Jogos da Austeridade”. Vencendo a ameaça de proibição, um protesto irreverente denunciou as injustiças e o vale tudo pelo lucro por trás dos Jogos.
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