Manifestante enfrenta a polícia na Inglaterra

Crise na Europa do capitalO mundo assiste a um agravamento da crise econômica e política na Europa do capital. Uma crise que é histórica, parte da falência do sistema e mercado mundial. A situação é tão dramática que ameaça não só a própria existência do euro como sistema monetário unificado, como também da própria União Europeia (UE) como projeto político-econômico estratégico do imperialismo local. O tão mencionado “Estado de bem-estar social” europeu está desmoronando de forma escandalosamente clara.

O aprofundamento da crise no velho continente significa, de um lado, uma intensificação brutal dos ataques à classe operária europeia por parte dos capitalistas e banqueiros internacionais – representados nos planos de ajuste colonizadores e bonapartistas aplicados pelos governos. Por outro lado, há o crescimento da resistência organizada que os trabalhadores, a juventude e os povos estão realizando, no contexto de uma verdadeira guerra social desatada pelo imperialismo para sair de sua crise. Uma guerra que visa impor um retrocesso histórico aos direitos e ao nível de vida do proletariado e dos povos da Europa. Como fortalecer e fazer mais efetiva a resposta dos trabalhadores do continente? Que saída a classe trabalhadora deve propor diante dos planos de fome e colonizadores da Troika e do imperialismo?

Economia europeia desacelera e recessão se aproxima
Em um relatório divulgado recentemente, a própria Comissão Europeia (CE), integrante da chamada “Troika”, junto com o Banco Central Europeu (BCE) e o Fundo Monetário Internacional (FMI), fala de um perigo concreto de recessão na zona do euro a partir da estagnação da economia de diversos países da União Europeia (UE).

A CE prevê uma forte desaceleração do PIB global europeu, anunciando um crescimento de apenas 1,5% em 2011, e de 0,5% para o próximo ano. Olli Rehn, comissário europeu de Assuntos Monetários, advertiu no documento do CE que “o crescimento na Europa parou e podemos entrar em uma nova fase de recessão”. Por outro lado, a expectativa de dívida bruta (percentual da dívida diante do PIB) da zona do euro é de 88% neste ano, mas vai aumentar para 90,4% em 2012 e chegar a 90,9% em 2013.

Assim, o caso da Grécia é aterrador. A expectativa para a economia do país é de uma recessão direta de -5,5% de seu PIB. Quanto à dívida bruta deste país, em 2011 é de 162,8%, em 2012 será de 198,3%, podendo chegar a 198,5% em 2013.

Na Itália, país que entrou recentemente na chamada “zona de resgate”, anuncia-se praticamente uma estagnação econômica. Seu PIB cresceu apenas 0,5% em 2011. A previsão para o ano que vem é de 0,1% de crescimento. A dívida externa italiana representa 121% de seu PIB.

Este processo de desaceleração da economia europeia afetará também os Estados mais poderosos da UE, como a Alemanha, onde se prevê um crescimento pequeno de 2,9% em 2011, mas que recuará para 0,8%, em 2012. O mesmo ocorre na França, que iria de 1,6% em 2011 para 0,6% no ano que vem. O Reino Unido não escapa a essa realidade, desacelerando sua economia de 0,7% para 0,6% neste mesmo período.

Guerra social se agrava
Os capitalistas e banqueiros – por meio de seus governos e Parlamentos – estão levando adiante uma guerra social contra a classe trabalhadora da Europa. Não se trata do risco de perder esta ou aquela conquista, mas da possibilidade de se impor um retrocesso histórico no nível de vida e em todo tipo de direitos do proletariado que possui a maior tradição de luta na história.

Estamos falando que existe uma pretensão e uma possibilidade real de que vários países que compõem os elos capitalistas mais frágeis da Europa retrocedam a um nível de vida similar ao das semicolônias.

Em meio a um tremendo confronto entre as classes, as classes dominantes chegam, inclusive, a arrancar as máscaras de sua falsa democracia burguesa ao aplicar medidas de caráter bonapartista, como é o caso da demissão dos governos da Grécia e da Itália, substituídos por servos diretos do FMI, da Troika e dos chefes de Estado Angela Merkel (Alemanha) e Nicolas Sarkozy (França).

Eles têm total clareza de que, nesta crise, alguém tem que perder e querem que nós sejamos os derrotados. Querem sair de sua crise à custa de nossa miséria, da fome de nossas famílias, da perda de nossas casas, do fim das conquistas sociais como educação, saúde e direitos trabalhistas.

Nós, trabalhadores, por outro lado, devemos ter a mesma noção da gravidade da situação. Ou são eles ou somos nós. Esta consciência está começando a tomar corpo nas lutas e mobilizações em vários países, embora existam desigualdades. Nosso grito de guerra é e deve ser: Que os capitalistas paguem pela crise!

Crise política na União Europeia e colonização dos países mais frágeis
Há poucos dias, Yorgos Papandreu e Silvio Berlusconi (premiês da Grécia e da Itália, respectivamente) caíram em desgraça e foram substituídos por Lucas Papademos e Mario Monti. Estes são agentes e interventores diretos da Troika, que chegam com a única e clara missão de aplicar com todo o rigor o receituário dos banqueiros.

O processo de “latino-americanização” que está em curso em alguns países da Europa começa a se expressar também no terreno da perda de soberania política. No caso grego, Papandreu foi substituído por Lucas Papademos, um tecnocrata que foi vice-presidente do Banco Central Europeu e ex-chefe do Banco da Grécia.

O novo premiê italiano – e também ministro da Economia –, Mario Monti, é um economista renomado nas instituições imperialistas europeias e entre os banqueiros norte-americanos. Foi, por dez anos, comissário de Mercado Interior da Comissão Europeia e assessor do poderoso banco de investimento Goldman Sachs. Seu “governo técnico e de experts” é formado por treze “tecnocratas” que, na realidade, são representantes dos banqueiros. Entre eles se encontra Corrado Passera, novo ministro de Desenvolvimento Econômico, Infraestrutura e Transportes e Telecomunicações, que é um agente direto do Banco Intesa Sanpaolo, entidade com participações em empresas como Telecom e Alitalia.

A Troika, com essas mudanças, demonstra que não quer dirigentes “frouxos” que titubeiem ou demorem na aplicação de suas receitas contra os povos europeus. Fica claro que eles mantêm os governos na medida de sua capacidade política para aprovar e avançar na guerra social ao menor custo político e social possível. Nessa lógica, se um fusível não funciona, ele é substituído sem hesitação.

Assistimos a fatos que, há pouco tempo, poderiam parecer inimagináveis. Nestes países da Europa vemos processos de colonização não só econômicos, mas também políticos. Neste ponto é importante sermos categóricos na caracterização: estamos diante de governos colocados diretamente de cima para abaixo, diretamente substituídos pelos escritórios da Troika para que apliquem seus planos. Foi por isso que Papandreu caiu à simples ameaça de convocar um referendo sobre a aplicação dos planos impostos pela Troika.

Diante dos golpes da crise e da polarização social, esses regimes democrático-burgueses têm poucas saídas: ou recorrem às eleições que não decidem nada, ou aceitam presidentes indicados “a dedo”. Por exemplo, no Estado Espanhol, as eleições de 20 de novembro não foram convocadas para decidir a política do país. Foram somente para tentar “legitimar” o futuro administrador dos planos de ataque, previamente concebidos e acordados com a Troika. Qualquer que fosse o resultado eleitoral, o único (e antecipado) vencedor são os banqueiros. Agora, a tarefa do Partido Popular [PP – vencedor das eleições espanholas no dia 20] não será outra que implementar o plano econômico dos banqueiros europeus.

Nesses países, é necessário defender bandeiras democráticas em torno da soberania nacional, contra o eixo EUA-Alemanha-França-Troika, que impulsionam a colonização de vários países mais frágeis da Europa. Como na América Latina ou em outros países semicoloniais, está colocada a tarefa de denunciar e lutar pela expulsão do FMI e dos bancos alemães e franceses de países como Grécia, Itália, Irlanda e outros que estão sendo subjugados.

Classe trabalhadora entra em combate
Os trabalhadores, ainda que com desigualdades em cada país, estão respondendo com muita força à guerra social desatada pela Troika. As mobilizações do dia 15 de outubro (15-O) foram um ponto alto no sentido de avançar para jornadas de luta coordenadas em nível nacional e internacional.

Nessa data, milhares de jovens e trabalhadores saíram às ruas contra os efeitos da crise gritando que os de cima “não nos representam”. As bandeiras de luta do 15-O em muitos lugares, a exemplo de Nova York, tiveram uma tônica mais anticapitalista e contra o capital financeiro do que em ocasiões anteriores, sendo os grandes bancos, as sedes de organismos internacionais ou os parlamentos os alvos definidos pelas mobilizações. Isso expressa um avanço alentador no grau de consciência do movimento. É preciso manter os setores que se mobilizaram e somar cada vez mais trabalhadores aos protestos, assim como é determinante poder unificar as lutas ou greves dos trabalhadores com as lutas da juventude que, com razão, se vê sem futuro.

Neste sentido, destacamos fatos muito positivos. Na Grécia, no final de outubro, ocorreu outra nova greve geral da qual participaram mais de 250 mil pessoas. No início de novembro e como “recepção” ao novo governo da Troika, os jovens e trabalhadores gregos saíram mais uma vez às ruas massivamente para lutar contra os planos que Papademos-Troika tenta impor.

No dia 17 de novembro, na Itália, no mesmo dia em que Monti pedia o “voto de confiança” do Senado a seu governo fantoche dos bancos internacionais, estudantes e alguns sindicatos protestavam em 60 cidades do país contra os cortes e os planos anunciados. Os manifestantes questionaram duramente “o governo dos bancos” e as medidas de austeridade propostas pelo novo governo para “sair da crise”. Em Roma, Milão, Turin e Palermo, mais de 10 mil manifestantes se enfrentaram com a polícia. Em Milão, o grito era: “Nem Berlusconi, nem Monti”. Em Florença, os estudantes levantavam cartazes com lemas contra o novo gabinete “tecnocrata”: “Monti porco, servo do capitalismo”, “A crise é deles e o dinheiro nosso”.

Na Espanha, foi convocada uma greve dos trabalhadores da saúde pública, que está sendo desmantelada. Os trabalhadores da educação e os estudantes continuam em luta após uma jornada de greve no último dia 17.

Em Portugal, está sendo convocada uma greve geral para o dia 24 de novembro. Na Inglaterra, o TUC (Trade Unions Congress), central sindical única do país, votou o chamado a uma greve geral para o dia 30 contra os ataques à classe operária britânica, sobretudo contra o corte nas aposentadorias.

Cruzando o Atlântico, como reflexo de todas essas lutas, sob o grito de “Somos os 99%”, milhares de pessoas ocuparam Wall Street e a Ponte Brooklin, nos EUA. No dia 14 de novembro, a polícia de Nova York desocupou violentamente o Parque Zuccotti, a “Porta do Sol” ou a “Praça Tahrir” dos EUA, palco das manifestações nova-iorquinas. Milhares se juntaram contra a ação policial com cartazes que diziam: “podem nos expulsar de uma praça, mas não podem nos tirar uma ideia”. O dia 17 foi batizado como “o dia da ação” e ocorreram jornadas de lutas e mobilizações em todo o país. Em Nova York, mais de 30 mil manifestantes, entre estudante e sindicalistas, reuniram-se na Ponte do Brooklin para marchar pela cidade e fechar Wall Street. Apesar da repressão policial, o movimento cresce ao grito de “Somos os 99%”, “Ocupe Wall Street”, “Ocupe Alasca”, “Ocupe Los Angeles”, “Nada pode nos parar”, “Isto é o início do início”, “Outro mundo é possível” etc.

Qual é a saída e a política operária perante a crise e os ataques?
A classe operária e os povos da Europa precisam responder à crise e a esta guerra social com um programa, uma saída concreta, que aponte para as lutas e para sua organização.

Diante dos planos de fome, miséria e de “resgate” (dos capitalistas e banqueiros sanguessugas), é preciso propor um plano de resgate dos trabalhadores e do povo. Esta deve ser a resposta político-programática e ideológica em todo o continente e que, em cada país, tomará as formas mais adequadas e específicas.

O mais importante é tomar consciência de que, somente batalhando à morte por um plano de resgate de nossa classe, poderemos resistir aos planos de guerra social da UE-FMI-BCE contra os trabalhadores e povos europeus.

Este plano de resgate deve partir dos seguintes pontos: o não pagamento da dívida interna e externa aos agiotas e bandidos da Troika; a redução da jornada de trabalho, sem redução do salário; o investimento em serviços públicos para defender a educação e a saúde públicas e um plano de obras públicas e sociais a serviço dos povos; e rechaço às privatizações. Mas, para garantir essas e outras medidas, será inevitável a expropriação e a nacionalização, sob o controle dos trabalhadores, de todo o sistema financeiro, o controle dos capitais e o monopólio do comércio exterior, bem como a saída da zona do euro e a ruptura com a União Europeia do capital.

É necessário lutar por um governo dos trabalhadores e do povo que aplique essas medidas na perspectiva de uma Europa para os trabalhadores e os povos. Ou seja, dos Estados Unidos Socialistas da Europa.

Com qual política lutar para impor nosso plano de resgate? Este é um problema crucial. Defendemos, categoricamente, que é indispensável impulsionar e unificar as lutas de todos os setores contra os ataques da Troika e seus governos fantoches. Devemos nos unir contra os planos de miséria e fome dos banqueiros e capitalistas.

É muito importante manter e acelerar a dinâmica aberta pelas mobilizações em massa do 15-O. É urgente transformar a indignação em ação organizada, em respostas políticas contundentes que possam derrotar a Troika e seus agentes em cada país da Europa, unindo as lutas dos setores sindicalizados com as lutas da juventude indignada. Nesse sentido, é necessário seguir o exemplo de unidade entre estudantes e sindicalistas do movimento Occupy Wall Street [Ocupe Wall Street]. É fundamental coordenar ações e greves entre operários, desempregados, estudantes e imigrantes, pois todos esses setores sofrem as consequências dos planos de miséria e enfrentam os mesmos inimigos políticos. Essas lutas, em cada país, devem apontar para greves gerais até derrotar os planos de ajuste.

A política unitária em nível nacional deve estar a serviço de conseguir que as lutas confluam em um dia de greve europeia em defesa dos direitos, dos salários e das aposentadorias. É primordial fazer este chamado, de tal maneira que as lutas que se dão em diferentes países fortaleçam umas as outras para darmos um golpe contundente à Troika-Merkel-Sarkozy-Obama.

No entanto, para avançar nas lutas nacionais e para concretizar uma jornada europeia de greve contra os planos da Troika, deveremos enfrentar as burocracias sindicais e políticas que, mais abertamente ou não, colocam-se ao lado da Europa do capital, apoiam os governos e os planos de ajuste, tornando-se obstáculos para as lutas dos trabalhadores. Neste sentido, devemos fazer exigências claras às direções sindicais, aos partidos reformistas e à direção do movimento dos indignados no sentido de impulsionar lutas unitárias. Se a pressão obrigá-los a aceitar, a luta será muito fortalecida. Se, por outro lado, se recusarem a aceitar nossas reivindicações, serão desmascarados para setores importantes de nossa classe.

Ao mesmo tempo em que denunciamos a política e as concepções de setores como “Democracia Real Já”, que apontam para uma perspectiva por dentro do sistema, tentando reformá-lo e opondo-se a qualquer tipo de organização sindical e política da juventude e dos trabalhadores, devemos fazer a esses setores as exigências mencionadas, sem deixar nem por um minuto de impulsionar as lutas, explicando pacientemente e chamando os trabalhadores, a juventude e o povo a lutar por uma saída operária à crise. Isso exige colocar a questão do poder para a classe operária.

Será desse modo que construiremos, ao calor das lutas e do combate programático, a direção revolucionária da classe trabalhadora.

Secretariado Internacional da LIT-QI

São Paulo, 21 de novembro de 2011

Notas:
Troika – palavra russa que designa um comitê de três membros. A Comissão Europeia (CE), junto com Banco Central Europeu (BCE) e o Fundo Monetário Internacional (FMI), que obrigam os governos a aplicarem os “planos de austeridade”, foram apelidados de “Troika” pelos manifestantes europeus.
Bonapartismo – Regimes que recorrem a medidas autoritárias.
Zona do Euro – Área onde vigora uma união monetária, tendo o euro como moeda comum, constituída por 17 Estados-membros dentro da União Europeia e mais nove fora dela.

Post author Secretariado Internacional – LIT-QI
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