Protesto contra ditador sírio em Londres

Leia abaixo declaração atualizada da Liga Internacional dos Trabalhadores sobre as revoluções árabesA revolução árabe continua se expandindo. Inclusive nos países como Egito e Tunísia, onde os governos ou regimes ditatoriais foram derrubados, os processos continuam se desenvolvendo.

Suas raízes são a luta contra ditaduras que já duram 30 ou 50 anos, as terríveis contradições sociais entre a tremenda riqueza dos recursos naturais e a pobreza da maioria da população, e a corrupção destes regimes e governos. Os efeitos da crise econômica internacional serviram de detonadores, ao disparar o desemprego, especialmente na juventude, e o aumento dos preços dos produtos básicos. No mundo árabe, não há país que tenha ficado imune aos processos revolucionários: a Tunísia foi o início, no Egito deu-se um salto, estendeu-se e depois se expandiu para Líbia, Bahrein, Iêmen e toda a região do Norte da África e Oriente Médio, inclusive Síria. Mas, hoje, todos esses processos enfrentam um contra-ataque da contrarrevolução que se manifesta com uma virulência muito grande, embora com diferentes formas e personagens.

A Síria é parte da revolução árabe
A revolução árabe, no seu conjunto, expressa também a luta contra a pilhagem imperialista e contra Israel. A Líbia e a Síria não fogem desse processo. A explicação de seus governos (a luta popular é, na verdade, uma “conspiração” contra regimes que “se opõem ao imperialismo”) é uma completa mentira. Apesar dos discursos, o presidente sírio Bashar al-Assad também é, hoje, um guardião da ordem e da estabilidade regional: suas fronteiras com Israel são as mais calmas de toda a região. Kadafi, por sua vez, já nem sequer mantinha seu discurso anti-imperialista quando a revolução na Líbia explodiu.

A luta do povo sírio já dura mais de 50 dias e cada vez mais cidades e setores se juntam ao processo de luta revolucionária contra a ditadura dos Assad (como se fosse uma “dinastia”, Bashar herdou o poder do seu pai Hafez), que responde com cada vez mais violência à justa luta do seu povo.

Já houve mais de 500 mortes de manifestantes em decorrência da repressão, que chega a utilizar tanques contra civis desarmados. Existem mortos a cada dia. Mas, apesar da repressão, a luta continua se estendendo. E já aparecem as primeiras notícias de divisões no partido do governo e no exército. O governo de Bashar al-Assad (cuja família controla o poder há quatro décadas) começou, em 2000, prometendo algumas “reformas democráticas”, mas, diante do atual processo de lutas, desencadeou uma repressão cada vez mais dura que, além das centenas de mortos, já fez milhares de presos.

Os EUA não querem que o regime sírio caia porque, assim como em Israel, preferem ficar com “o conhecido” diante da revolução síria. Inclusive na Síria, cujo governo tem um “discurso” contra a agressão israelense, o maior medo é a “desestabilização”. Isto é, o avanço da revolução. Por isso, apesar das diferenças em seu “discurso”, apesar de ter sido considerado parte do “eixo do mau” até poucos anos atrás, o imperialismo repete na Síria o que fez diante da revolução egípcia e está fazendo no Iêmen: aconselha “reformas”, pressiona por “aberturas”, mas não se joga para derrubar o regime.

A resposta do imperialismo
No mundo árabe, existe uma situação de encruzilhada em que o imperialismo e as burguesias nacionais iniciam uma contraofensiva contrarrevolucionaria diante do processo revolucionário. Na Líbia, ela se apoia em uma intervenção militar, com o aval da ONU; no Bahrein, na invasão de soldados da Arábia Saudita; no Iêmen, em uma fortíssima repressão do regime. O mesmo acontece na Síria, embora este regime se apresente como “oposição” ao sionismo e ao imperialismo.

Qual é a política do imperialismo diante da revolução árabe? Tentar manter o controle e a estabilidade da região, com regimes que garantam a “ordem”. A revolução árabe ameaça a raiz desta “ordem” e desta “estabilidade” imperialistas com sua luta contra os regimes que são parte explícita deste dispositivo ou contra aqueles que, apesar de certa retórica, ajudam de fato a mantê-lo.

A maior ameaça atual para o imperialismo é a possibilidade de que o processo se estenda para a Arábia Saudita, a maior produtora mundial de petróleo e “garantia” do seu abastecimento internacional. Além disso, há a ameaça à existência do enclave militar imperialista de Israel, que agora sofre “instabilidade” em todas as suas fronteiras: com o Egito, com a Síria e devido à retomada da luta palestina, apesar da colaboração da Autoridade Nacional Palestina (ANP).

Por isso, desde o início da revolução árabe, há um profundo medo do imperialismo e do sionismo de que o processo derrote as ditaduras que, como na Arábia Saudita, garantem a produção de petróleo ou, como no Egito, ajudavam a “segurança” de Israel. E se não é possível impedir que esse regime caia, que seja substituído por outro que também garanta essas questões centrais.

Com este objetivo de manter a ordem e impedir a total desestabilização regional, o imperialismo aplica diferentes táticas e políticas conforme o país. Até agora, apoia Assad na Síria. Na Líbia, tinha recomposto suas relações com Kadafi e apoiava o seu regime, até que a insurreição popular e a guerra civil iniciada pelo ditador desestabilizaram completamente o país e ameaçaram o fluxo de petróleo para a Europa. No Bahrein, apoiou a invasão de tropas da Arábia Saudita para que, por meio de uma feroz repressão, freassem por enquanto a revolução.

Abaixo a intervenção imperialista na Líbia!
A intervenção militar imperialista na Líbia ocorre justamente porque, a partir da perda de controle do país por parte de Kadafi e a explosão da guerra civil, foram organizados comitês populares que se armaram, expulsaram o exército de Benghazi e outras cidades, e causaram uma divisão nas forças armadas, o que faz com que seja praticamente impossível reestabilizar o país com o ditador no poder. Atualmente há um impasse porque os rebeldes, devido a sua debilidade militar, não conseguiram derrubar Kadafi, e nem este conseguiu derrotar os rebeldes, apesar das modernas armas que o imperialismo lhe forneceu no passado. Há semanas a frente militar na prática se estagnou.

O imperialismo aproveita essa situação e intervém, em nome de “salvar vidas” e da “paz”. Por que continua um impasse militar, apesar da intervenção imperialista? Um aspecto central é a característica da intervenção. O imperialismo não enviou tropas terrestres, mas, sim, por intermédio da OTAN, faz ataques com a força aérea e com mísseis a partir de navios próximos. Nem sequer a França e a Grã-Bretanha se atreveram, até agora, a colocar tropas no território líbio.

Qual é o motivo? O contexto é a crise política aberta com a derrota do projeto Bush. Dentro da burguesia imperialista norte-americana há uma profunda discussão sobre o que é e o que não é de “interesse vital” para os EUA na região. Assim, a proposta de setores importantes foi deixar a “peso” da intervenção na Líbia nas mãos dos europeus e inclusive se discute “passar” a guerra do Afeganistão para os novos “sócios” (como Rússia, China, Índia, e até Irã).

É a “síndrome do Iraque” (o péssimo resultado militar da invasão deste país e o desgaste que ocasionou ao governo de Bush) que gera uma nova política de evitar intervenções militares terrestres. Prova disso são as declarações do secretário de Defesa de Obama, Robert Gates, que disse que seria “impensável uma nova intervenção com tropas terrestres. Se algum ministro de Defesa propusesse isso, deveria ser internado em um manicômio.” Por isso, usam tanto os mísseis, a aviação e os drones.

O Conselho Nacional Líbio
Do outro lado, a principal debilidade do campo rebelde é a sua direção: o chamado Conselho Nacional Líbio, baseado em Benghazi. É necessário denunciar que esses dirigentes fazem o jogo do imperialismo: pedem maior intervenção, negociam com os governos imperialistas e assim permitem que Kadafi use um discurso de “vítima” da agressão imperialista. Além disso, o impasse e o consequente sofrimento contínuo da população das cidades líbias dão espaço para que o imperialismo venha com propostas para entrar no país, com a desculpa hipócrita de “salvar vidas” buscando “uma solução política”.

Este Conselho é formado majoritariamente por figuras que fizeram parte dos governos de Kadafi, como Mustafa Abdul Jalil, ex-ministro de Justiça, que renunciou para se unir aos protestos, e o general Omar al-Hariri, que se distanciou do ditador em 1975. A ausência de uma direção no campo rebelde deu espaço para que esses ex-kadafistas ocupassem este espaço. O imperialismo está utilizando o pedido do Conselho Nacional e sua colaboração para justificar os bombardeios que matam um número cada vez maior de civis, inclusive dos que apoiam a revolução líbia.

Ao mesmo tempo, a OTAN se nega a fornecer armamento moderno e adequado aos rebeldes, porque não confia que possam controlar sua base. Dentro dela, segundo a agência Al Jazeera, há um importante número de militantes que se destacaram nos combates anteriores contra os EUA no Iraque, durante a ocupação imperialista deste país.

A “solução” de dividir o país
O imperialismo pôs em discussão uma proposta que repete a que já foi aplicada nos Bálcãs (Iugoslávia) na década de 1990. Naquela ocasião, diante da guerra civil, primeiro a OTAN e depois a ONU intervieram em nome “da paz” e assim transformaram Kosovo em um protetorado da ONU.

Aproveitando-se da paralisia na frente militar, a ONU e a OTAN propõem um cessar-fogo e que se imponha uma divisão do país: de um lado, a Tripolitânia e, do outro, a Cirenaica (região oriental, com capital em Benghazi), e que seja mantida a presença de tropas da ONU vigiando as novas fronteiras. Se isso acontecer, será uma derrota grave para a revolução líbia e toda a revolução árabe, o que irá influenciar negativamente em todas as revoluções do mundo árabe.

Se o imperialismo entrar como “garantidor da ordem” com um acordo das duas partes, vai abrir um grave precedente. Assim como no Egito e na Tunísia, as massas mostraram que podem derrubar os governos odiados e apoiados pelo imperialismo. Nesse caso, a Líbia daria o sinal de que o imperialismo acabou ganhando peso ao intervir em um processo revolucionário e obtendo uma base política em um território estratégico, baseado na “aceitação” dos dois lados.

A revolução árabe divide águas
Diante da revolução árabe, o castro-chavismo mostrou que está contra a revolução mais importante dos últimos 20 anos. Esta corrente defendeu Kadafi desde o início, mas, após a intervenção da OTAN, tentou justificar o seu apoio ao ditador, dizendo que o centro era lutar “somente” contra a intervenção.

Agora, na Síria, depois de várias semanas em que o povo saiu às ruas de forma pacífica, mas determinada, e foi massacrado, os governos e a corrente castro-chavista saem igualmente em defesa de Assad. Na Síria não há intervenção imperialista. Sem esta desculpa, fica claro que o problema de fundo é que eles apoiam essas ditaduras, justificando essa política em nome de uma suposta resistência ao imperialismo e a Israel. Mas já vimos que isso é mentira, tanto no caso de Kadafi como no do governo sírio.

Hezbollah apoia o massacre do governo sírio
Os movimentos de resistência dirigidos pelos setores islâmicos também estão sendo colocados à prova. No Líbano, o Hezbollah, que ganhou um grande prestígio por ter infligido uma derrota militar e política a Israel em 2006, apoiou tardiamente a revolução líbia e agora saiu em defesa de Assad.

Por quê? Por causa de seus compromissos com a burguesia síria, iraniana e libanesa. Alegam os mesmos motivos que os chavistas: dizem que a revolução do povo sírio é, na verdade, uma “conspiração” de políticos sunitas libaneses apoiados pelo imperialismo. Introduziram no Líbano a polarização pró ou contra Assad. Usam, assim, a autoridade política obtida na resistência contra Israel para apoiar uma ditadura que já vendeu várias vezes a luta palestina e do próprio Líbano e confundem milhares de ativistas que olham as revoluções populares procurando uma nova referência de luta.

A esquerda pró-imperialista
No campo oposto, há figuras de “esquerda” que apoiam e defendem a intervenção militar imperialista na Líbia. É o caso de Ignace Ramonet, diretor do Le Monde Diplomatique (um dos impulsores do Fórum Social Mundial e sua política de “outro mundo é possível” sem derrotar o capitalismo), e de Gilbert Achcar, principal referência do chamado Secretariado Unificado (SU) nas questões de Oriente Médio. Ramonet escreveu: “Neste momento a ONU constitui a única fonte de legalidade internacional”, e Achcar afirmou que “seria moral e politicamente equivocado por parte da esquerda se opor à zona de exclusão aérea”.

É uma política criminosa que apoia “pela esquerda” o discurso imperialista de que intervém para “defender a democracia”. Com sua posição, essas figuras e correntes avalizam os bombardeios e as vítimas civis que produzem, ajudam o imperialismo a entrar com tropas na região e criam ilusões nas massas e ativistas líbios e árabes de que essa intervenção militar é a favor de sua luta e para apoiá-la.

Não há um imperialismo “mau” em Bahrein e um “bom” na Líbia. Toda a ação do imperialismo na região é contrarrevolucionaria, só que, voltamos ao afirmar, se vê obrigado a atuar com diferentes táticas.

No mundo árabe, há o campo da revolução, isto é, o das lutas revolucionárias, das massas, e há o da contrarrevolução, integrado pelo imperialismo, as burguesias nacionais associadas a ele, os regimes ditatoriais e sua repressão, e também todas as manobras que são feitas para frear e desviar as revoluções caso estas tenham conseguido derrubar esses regimes.

Nossa posição
Estamos do lado das massas árabes, pela vitória da revolução e, por isso, diante dessas duas posições simetricamente criminosas, que chamam as massas a capitular ante as ditaduras ou ante o imperialismo supostamente “democrático”, a LIT-QI se manifesta por:

Não à intervenção militar imperialista, seja pela via da OTAN ou da ONU!

Não à divisão da Líbia!

Não aos “planos de paz” intermediados pela ONU!

Abaixo Kadafi na Líbia, abaixo Assad na Síria e Saleh no Iêmen! Abaixo todas as ditaduras do mundo árabe!

Viva a revolução árabe! Viva a revolução na Líbia e na Síria!

São Paulo, 12 de maio de 2011
Liga Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional (LIT-QI)

Tradução: Raquel Polla