Derrotemos o golpe parlamentar e o governo de Franco nas ruas!O golpe de Estado reacionário, impulsionado pela direita tradicional paraguaia, que derrubou Fernando Lugo, no dia 22 de junho, com um julgamento político relâmpago instrumentado no Parlamento, é parte de todo um processo que oferece lições fundamentais ao movimento social e à esquerda mundial.

Nossa posição é clara e categórica: estamos absolutamente contra o golpe e chamamos o movimento de massas do Paraguai e de toda a América Latina a enfrentá-lo e derrotá-lo nas ruas, com sua organização e mobilização independentes.

Este é um golpe contra o movimento sindical, camponês, popular e estudantil. É um ataque direto às liberdades democráticas conquistadas ao longo de décadas de luta popular. Somos contra o golpe porque, para nós, é o povo, e somente o povo, quem decide se um presidente deve permanecer ou ser deposto. A ação do corrupto Parlamento paraguaio não é produto de nenhuma pressão popular, como foi o caso do processo que derrubou Fernando Collor, mas responde aos interesses mesquinhos dos grandes capitalistas do país. Este golpe ataca o direito democrático mais básico do povo explorado: eleger seus governantes.

Nossa oposição frontal ao golpe, contudo, não significa nenhum apoio político a tudo o que significou o governo de Lugo. Ele preparou, com sua política de conciliação de classes, o terreno para o golpe.

A pior das derrotas
Este golpe, como qualquer golpe de direita, representa uma derrota do movimento de massas. E não é qualquer derrota. Sofremos, como dizia Trotsky, a pior delas: a derrota sem luta.

E não houve luta nem resistência popular à altura do golpe porque o governo de Lugo, em seus quase quatro anos, alcançou seu objetivo central: confundir, desmobilizar e desmoralizar o movimento social.

Por que do golpe?
O principal motivo do golpe é que Lugo deixou de ser útil para a burguesia paraguaia na tarefa de conter as lutas sociais, fundamentalmente a histórica luta pela terra.
Lugo, por não ter cumprido nenhuma de suas promessas, já estava muito desgastado politicamente e não conseguia desviar ou derrotar os conflitos no campo com a mesma eficiência que no início de seu governo.

Ainda que não exista um grande ascenso nas lutas camponesas e sociais, no último período começaram a surgir sintomas altamente preocupantes para a burguesia paraguaia.

Setores do movimento sem-terra, mesmo que minoritários, foram se radicalizando e superando as direções luguistas. Foi o caso do grupo de Curuguaty, onde ocorreu o confronto e o massacre, em 15 de junho, no qual 11 camponeses e sete policiais morreram.

Estava se configurando uma situação de instabilidade crescente no campo, que irritava toda a burguesia.

Os negócios relacionados à terra são fundamentais para a acumulação capitalista no país. O setor latifundiário, ligado ao agronegócio controlado pelas multinacionais imperialistas, é o principal setor da burguesia paraguaia. A burguesia não podia tolerar que as ocupações de terras aumentassem e, menos ainda, que grupos de camponeses sem-terra andassem armados e matando policiais.

Toda classe dominante quer estabilidade para fazer seus negócios e lucrar. Este é um critério fundamental para os ricos na hora de definir o apoio a um determinado governo.

Assim, é preciso levar em conta que o governo de Lugo foi um governo burguês “anormal”. Sua anormalidade – na forma, não no conteúdo – decorre do fato de ter incorporado setores oportunistas do movimento social e da esquerda em seu gabinete, além de ser visto por setores das massas como “seu” governo.

Entretanto, apesar de todos os esforços de Lugo para ganhar a confiança da burguesia, esta nunca abdicou de seu papel de oposição de direita ao governo, sempre pretendendo recuperar, no momento e da maneira mais oportuna, o controle total e direto do aparato estatal através de um novo governo burguês “normal” ou clássico.

Para deus e para o diabo
Lugo chegou ao poder em 2008 quebrando a hegemonia política do Partido Colorado, um partido-estado, de direita, que governava o país havia 61 anos, incluindo os 35 anos da sanguinária ditadura de Stroessner.

O triunfo eleitoral de Lugo e a consequente derrota do Partido Colorado foi uma enorme vitória das massas – ainda que distorcida pelas eleições –, que estavam fartas desse partido repressor e entreguista.

O ex-bispo católico prometeu, desde o começo, que “governaria para todos”: para empresários e trabalhadores, para latifundiários e camponeses sem-terra, para ricos e pobres. Coerentemente, constituiu uma ampla aliança eleitoral – que continuou quando chegou ao poder – baseada nas forças do conservador Partido Liberal (o outro partido da direita tradicional). Toda a esquerda, menos o PT paraguaio, deu apoio político incondicional ao governo de Lugo-PLRA (Partido Liberal Radical).

O problema é que toda a história demonstrou que não é possível governar ao mesmo tempo a favor de deus e do diabo. Por isso, Lugo rapidamente teve que mostrar sua verdadeira cara: um governo a serviço dos ricos, do agronegócio e do imperialismo. Que tinha a mesma política econômica neoliberal e repressiva dos colorados.
A única diferença com os colorados não era de conteúdo, mas de forma. Lugo fazia tudo o que fazia – ou deixava de fazer – com a máscara de “progressista”, que a própria esquerda, completamente integrada à administração do Estado capitalista, ajudava-o a manter ou a remendar.

Houve reforma agrária?
Apesar de ter sido uma de suas principais promessas, Lugo não avançou nada em relação à reforma agrária. Ele garantiu, cooptando as direções do movimento camponês ou diretamente reprimindo-as, o grande latifúndio dos produtores de soja nacionais, dos “brasiguaios” e das empresas multinacionais que dominam o agronegócio.
Esta estrutura latifundiária é, segundo a FAO, a mais desigual do mundo: 85% das terras estão nas mãos de 2% dos proprietários.

O Paraguai é, atualmente, o quarto produtor e exportador de soja e o nono de carne do mundo. Os empresários ligados ao agronegócio, graças à “paz social” garantida por Lugo, obtiveram lucros recordes. Mas o povo trabalhador passa fome. Atualmente, 32,4% da população são pobres e 18% vivem na extrema pobreza (menos de US$ 2 por dia). No campo, a pobreza chega a 50%.

Repressão e criminalização da luta social
Mas não houve só cooptação. Lugo aplicou uma política repressiva semelhante a dos colorados. Durante seu mandato, segundo organizações de direitos humanos, foram mortos 20 dirigentes ou ativistas camponeses, incluindo seu último serviço aos latifundiários, quando a polícia, sob suas ordens, assassinou 11 camponeses sem-terra.

Seu governo abriu processos judiciais contra centenas de lutadores sociais. Declarou ilegais várias greves na cidade.

A mesma entrega ao imperialismo
Lugo também apresentou projetos de lei para privatizar os aeroportos internacionais. Estava nos planos a privatização das principais estradas do país e, inclusive, da própria navegação comercial pelo Rio Paraguai. Mandou tropas paraguaias para fortalecer a ocupação imperialista no Haiti e foi visitá-las para dar seu apoio.

Renunciou, além disso, a outra de suas promessas eleitorais centrais: a renegociação do vergonhoso Tratado de Itaipu. O Tratado, assinado em 1973 pelas ditaduras militares de Stroessner e Médici, diz que cada país é dono de 50% da energia que a Itaipu produz. O problema é que o Paraguai, por carecer de condições técnicas e de infraestrutura, aproveita somente 5% de sua parte, sendo obrigado, pelo tratado, a vender os 45% restantes exclusivamente ao Brasil, a preço de custo.

O máximo que Lugo “conquistou” foi um aumento de 240 milhões de dólares na cota anual que o Brasil paga ao Paraguai pelo uso de sua energia. Com isso, ele renunciou à revisão do tratado até 2023.

O roubo, sem contar a dívida espúria que o Brasil inventou que o Paraguai tem que lhe pagar, é escandaloso: o Paraguai recebe US$ 360 milhões, quando deveria receber US$ 3,9 bilhões se pudesse vender sua parte da energia a preço de mercado.

Como um limão…
Durante todo um período, Lugo foi bastante útil para a burguesia paraguaia. Sua maior contribuição aos ricos foi ter confundido, desmobilizado e desmoralizado o movimento de massas, seja através da cooptação, seja através da repressão direta.
O destino político de Lugo pode ser comparado a um limão espremido. Enquanto Lugo conteve as lutas sociais com eficiência, a direita, ainda que não deixasse de fazer oposição, tolerava-o como um “mal necessário”. Quando viram que ele já não conseguia fazer isso como antes e vendo que a reação popular contra uma possível destituição seria escassa, devido justamente ao desgaste acumulado por Lugo, a direita tomou a decisão de retomar o poder diretamente. O limão espremido, já sem suco, foi jogado no lixo.

Lugo capitula ao golpe
Consumado o golpe, a posição de Lugo foi de completa e vergonhosa capitulação. O ex-bispo aceitou de forma submissa e passiva o golpe da direita.

Em seu afã de desestimular qualquer tipo de luta popular, disse que toda resistência deveria ser “pacífica” e “respeitar as leis”, mas que “só um milagre” poderia fazê-lo voltar ao poder. Quem sairia às ruas para resistir, lutar e se arriscar a enfrentar a repressão de um governo golpista para defender alguém que sequer defende a si mesmo?

Ele estava contra, inclusive, às falsas ameaças ou possibilidades de que o Mercosul impusesse sanções econômicas ao governo golpista. Explicou seu novo papel e sua nova política dizendo que se declarava um “observador” das ações de Franco e do gabinete golpista.

Lugo não tem nenhum interesse em mobilizar nem em enfrentar o golpe porque, como todos os demais setores burgueses, o Mercosul e o imperialismo, querem evitar qualquer tipo de instabilidade e conduzir toda a crise pela via morta das eleições burguesas, convocadas para 21 de abril de 2013 e para as quais ele já anunciou sua candidatura a senador ou, inclusive, a presidente. É claro que esta política legitima o golpe reacionário.

Qual é a política do imperialismo, do Brasil e do Mercosul?
O imperialismo norte-americano e os governos do Mercosul, começando pelo Brasil, também têm a política de legitimar o golpe e canalizar a crise pela via das próximas eleições paraguaias. O Mercosul só aplicou uma sanção política – vale dizer, simbólica – ao suspender o Paraguai da participação das instâncias de decisão do bloco. Não aprovou nenhuma sanção econômica.

É fundamental exigir tanto de Dilma, como dos demais governos do Mercosul que se apresentam como “progressistas”, que rompam as relações diplomáticas e comerciais com o governo golpista paraguaio. Devem aplicar severas sanções econômicas ao governo de Franco.

Derrotemos o golpe nas ruas!
A tarefa agora é derrotar o golpe nas ruas, com organização e mobilização populares. A principal palavra-de-ordem de todo o movimento de massas e da esquerda deve ser:
“Abaixo o golpe parlamentar! Abaixo o governo golpista de Franco!”
É urgente e necessário impulsionar a mais ampla unidade de ação contra o golpe. Impulsionar de forma unitária todo tipo de ações contra o golpe, por menores que possam ser no início. O movimento social deve tornar a vida do governo de Franco impossível.

Nesse sentido, exigimos do próprio Lugo que convoque a resistência nas ruas; que chame a resistência ao golpe com mobilização popular e ocupações de terra. A luta pela derrota do golpe significa, na prática, lutar pela imediata e incondicional restituição de Lugo no cargo de presidente. Devemos exigir a mesma política dos partidos de esquerda, reunidos na Frente Guasu e que apoiam Lugo, e lamentavelmente, até agora, não se jogaram com tudo para mobilizar para derrotar o golpe.

A mais ampla e sistemática solidariedade internacional será decisiva nesta luta. Todo o movimento de massas e a esquerda mundial devem lutar e exigir de seus governos a ruptura imediata de relações diplomáticas e comerciais com o governo “de fato” paraguaio.

Por outro lado, é preciso explicar pacientemente qual foi o caráter do governo de Lugo. Explicar como foi o próprio Lugo quem preparou a derrota do movimento social paraguaio. É preciso conhecer e debater o papel nefasto da política de conciliação de classes.

O drama paraguaio é central para compreender que uma aliança com a direita, com nossos inimigos de classe, longe de representar “o primeiro passo ao socialismo”, como dizia a esquerda luguista, só nos levará a derrotas trágicas.

Por isso, devemos defender mais que nunca, como uma necessidade vital, a independência da classe trabalhadora que só deve confiar em suas próprias forças e em sua mobilização independente.

Post author Ronald León, de São Paulo (SP)
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