Michel Temer e o Ministro da Casa-Civil, Eliseu Padilha

O governo Temer já mandou avisar que vai liberar a venda de terras para estrangeiros. Uma Medida Provisória (MP) poderá ser editada nos próximos dias no sentido de regulamentar a venda. A medida vai abrir o mercado rural a investidores de outros países.

Segundo reportagem do “Estado de S.Paulo” (20/02), a medida prevê que o investidor estrangeiro poderá comprar até 100 mil hectares de terra. Uma área três vezes maior do que a cidade de Belo Horizonte, ou um pouco menor que a cidade do Rio de Janeiro. O texto também pode arrendar outros 100 mil hectares. Desta forma, o investidor estrangeiro teria 200 mil hectares de terra à disposição.

Atualmente, a legislação brasileira limita o tamanho das terras adquiridas, que não poderiam ultrapassar a, no máximo, 25% da superfície do município onde elas se encontram.

Em 2007, a quantidade de imóveis pertencentes a estrangeiros no Brasil era de 33,2 mil, ocupando uma área de 3,8 milhões de hectares, segundo os dados do INCRA. Mas em 2008, o instituto somou 34 mil imóveis rurais no país, que somavam à época pouco mais de 4 milhões de hectares.  Das áreas ocupadas por estrangeiros, 37% se localizavam no Centro-Oeste e 23% no Sudeste.  Não por acaso, as regiões onde há a maior presença do agronegócio e os monocultivos de cana de açúcar (São Paulo) e soja (Mato Grosso).

Provavelmente, o número de propriedades rurais nas mãos de estrangeiros é bem maior do que o registro do INCRA. Além do tradicional uso de testas de ferro, de 2008 para cá aumentou muito o interesse do capital estrangeiro em adquirir terrar no país, principalmente a partir da ampliação da fronteira agrícola brasileira e a crise econômica mundial.

Ameaça à soberania
A liberação da venda de terra para estrangeiros coloca em sério risco a soberania nacional. Ao abrir a possibilidade de o capital estrangeiro controlar parcelas do território consideradas estratégicas para o país, a medida representa uma ameaça à nossa a soberania hídrica, energética e alimentar. Como a venda de terras caminha junto com a produção de commodities – matérias primas voltadas para exportação – a produção de alimentos tende a diminuir, pois a especulação de terras vai atingir em cheio a agricultura familiar, responsável pela produção de 70% dos alimentos consumidos pela população de acordo com o IBGE.

Pode também gerar novas crises hídricas, uma vez que estimula uma maior apropriação da água pelo agronegócio e amplia a destruição de rios, nascentes e florestas.

Roubo de terras promovido pelo capital
O interesse do governo em liberar a compra de terras para estrangeiro não está separado de um amplo movimento do capital financeiro na aquisição de terras em larga escala. Algo que tem sido realizado, sobretudo, por corporações e fundos de investimento globais que já compraram milhões de hectares em territórios dos países mais pobres. Em inglês esse fenômeno tem sido chamado de land grabbing, ou simplesmente “apropriação de terras”.

A busca por terras cresceu em todo o mundo. Até 2008, dados do Banco Mundial mostram que a comercialização global de terras aumentou em 4 milhões de hectares por ano. Segundo o banco, já foram mais de 56 milhões de hectares agrícolas comercializados entre os anos de 2007 e 2008, a maior parte concentrada na África, cerca de 70%. Essa é uma tendência estimulada principalmente a partir da crise econômica mundial. Fundos de investimentos estrangeiros buscam a valorização de seus ativos com a compra de terras em todo o mundo.

No Brasil, a especulação de terras também cresceu junto com a pressão para a liberação da compra por grupos estrangeiros. Em 2010, o grupo chinês  Chongqing Grain Group disse que tinha a intenção de aplicar 300 milhões de dólares na compra de 100 mil hectares no oeste da Bahia para produzir soja.

Em 2008 foi constituída a Radar Propriedades Agrícolas, cujo objetivo é especular com terras. Em 2016, a Radar (que hoje atua em sociedade com a Cosan) detém aproximadamente 270 mil hectares de terras no valor declarado de R$ 5,2 bilhões. A fonte do capital da empresa é a Tiaa-Cref, administradora de fundos de pensão nos Estados Unidos.

Agricultura em tempos de capitalismo monopolista
Esse movimento de aquisição de terras pelo capital é mais um passo da transformação da agricultura sob o capitalismo monopolista. Esse tipo de agricultura se assenta na produção de commodities, transformando produtos agrícolas, a agropecuária e extrativismo em mercadorias comercializáveis no mercado mundial. Também “financeirizou” essa produção a partir do momento em que as bolsas de mercadorias e futuro tornou-se o principal regulador dos preços destes produtos. E por fim, permitiu o controle dos grandes monopólios na produção das commodities por meio de fusões, aquisições, associações, etc.

No Brasil, esse modelo de agricultura ganhou força sob os governos do PT. Sob forte financiamento do Estado, a produção de commodities se ampliou com base em uma aliança entre capitalistas brasileiros com os grandes monopólios internacionais.

Mais roubo, grilagem e barbárie no campo
A liberação da venda de terras para estrangeiro terá um potencial explosivo. Dos mais de 850 milhões de hectares que compõe o território nacional, 228 milhões (26,8%) são terras devolutas, ou seja, terras públicas da União. Muitas dessas áreas foram apropriadas irregularmente por latifundiários e grileiros a partir de fraudes cartoriais, e são vendidas inclusive para os grandes empresários do agronegócio.

É o que aconteceu, por exemplo, com o Grupo Suzano Papel e Celulose que se apropriou de milhares de hectares de terras públicas que abrangem 12 municípios maranhense da região do Baixo Parnaíba. É o que acontece também na região do Matopiba – a “nova fronteira” do agronegócio, formada por parte dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia – onde imensas áreas de terra devolutas foram simplesmente cercadas e vendidas por especuladores, inclusive pela Radar/Cosan.

Onde avança o agronegócio também avança essa apropriação e roubo de terras. A medida do governo vai ampliar mais esse saque, pois vai incentivar como nunca a especulação de terras e a corrida de companhias estrangeiras para a sua aquisição. E quem paga o preço são as populações que vivem da agricultura familiar, indígenas e quilombolas para quem a terra é fonte da vida e guardiã de riquezas e suas tradições culturais. O resultado vai ser a ampliação da barbárie no campo, mais violência e conflitos.