Protestos no país andino expõem a crise do regime democrático-burguês na regiãoOs fatos ocorridos entre 13 e 20 de abril demonstram que as massas equatorianas, principalmente as da capital, Quito, passaram por cima de todas as instituições do Estado burguês – a Justiça, o Congresso, a Presidência e as Forças Armadas – para exigir “!Lucio Fuera! !Que se vayan todos!”.

A “panela de pressão” fervia há anos. O mesmo povo que havia tomado o palácio do governo, em 2000, cansou de esperar pelas mudanças prometidas pelo governo que se formou como produto da insurreição indígena-popular há cinco anos.
Lucio Gutiérrez, em 2003, tomou posse e formou um governo de Frente Popular com o apoio da Confederação Nacional Indígena do Equador (Conaie) e seu partido Pachakutik, do Partido Comunista (PC), do Partido Socialista (PS) e da Coordenação de Movimentos Sociais (CMS).

Gutiérrez, entretanto, manteve a dolarização da economia, o pagamento da dívida externa, a corrupção, avançou as negociações do Tratado de Livre Comércio (TLC) com os EUA, cortou verbas da saúde e da educação.

Setores da esquerda romperam com o governo e até hoje não fizeram um balanço profundo do erro de ter-se aliado a Gutiérrez, que gerou divisão das organizações sindicais e camponesas e a cooptação dos dirigentes e desmoralização dessas organizações.

Aumento da miséria
As ruas da bela cidade de Quito são cada vez mais marcadas pela migração diária de indígenas que deixam suas cidades para se tornarem vendedores ambulantes. Em Guayaquil, a maior cidade do país, o drama social é ainda mais grave com a multiplicação das favelas na periferia e o crescimento da violência.

Outro grave problema social do Equador é a migração em massa para o exterior. Hoje, cerca de três milhões de equatorianos, o equivalente a 30% da população, está fora do país.

Outro grande problema nacional é a ausência de uma política para os indígenas que compõem cerca de 60% da população e cuja grande maioria vive no campo dependendo da pequena agricultura.

A crise política atual
A insatisfação popular já pôde ser percebida nas eleições municipais de outubro de 2004, nas quais os grandes perdedores foram o partido do governo. Os grandes vencedores foram a Esquerda Democrática (ED), partido burguês de centro, e o PSC, de direita.

A oposição burguesa, baseada na vitória eleitoral, tenta abrir um processo de impeachment para caçar Gutiérrez, que consegue impedi-lo, mas com um alto preço, comprando deputados da oposição e prometendo que permitiria Bucarán voltar de seu exílio. De posse de nova maioria no Congresso, o governo destituiu os magistrados das Corte Suprema, Constitucional e Eleitoral, antes controladas pelo PSC.
A destituição gera uma grande insatisfação nacional e a nova corte não recebe o reconhecimento devido para funcionar. Há renúncias de magistrados, greves no Judiciário e protestos da oposição burguesa.

Até então a oposição burguesa somente queria pressionar o governo para uma saída negociada, que levasse à composição de uma nova corte, com a participação dos partidos que foram expulsos dos cargos jurídicos.

A entrada em cena das massas
Em abril, a crise agrava-se. Lucio consegue atrair de vez a ira da população, permitindo o retorno do odiado Bucarán. O prefeito de Quito e o governador da província de Pichincha convocam as chamadas Assembléias Populares, órgãos de consulta popular da capital e da província. No entanto, as assembléias, convocadas com o objetivo de pressionar as negociações com Lucio e projetar a ED para as eleições presidenciais, saem do controle da direita e aprovam o chamado ao “Fora Lucio e Paralisação Geral”.

Gutiérrez também envia ao Congresso um projeto chamado Lei Topo, com o qual pretendia privatizar ainda mais o setor petroleiro e elétrico, criminalizar os movimentos sociais e fazer uma reforma das leis trabalhistas. O projeto é rejeitado pelo Congresso, mas vários sindicatos aprovam a paralisação convocada pela assembléia de Quito. Até esse momento, percebe-se uma presença marginal da Conaie e das centrais sindicais.

A paralisação geral de 13 de abril sai vitoriosa e consegue a adesão de algumas províncias com bloqueios de estradas e greves de categorias. Acontecem 46 focos de conflitos no país. À noite, a rádio La Luna convoca um panelaço em direção à Corte Suprema. Em questão de horas, multidões da classe média atendem ao chamado e, por volta das 22h, já haviam cerca de 10 mil pessoas diante da Corte.

No dia 16, ocorreu a maior de todas, agora com várias manifestações descentralizadas em toda a cidade. Nesse dia, já eram cerca de 50 mil protestando e começam a entrar em ação setores mais populares e proletários da periferia.
Em 19 de abril, foi o clímax das manifestações. Pela primeira vez, ocorre uma única marcha. Dessa vez, o povo pobre e proletário da periferia comparece em peso e vários sindicatos levam suas bases organizadas. Estima-se que mais de 100 mil pessoas participaram somente em Quito, que possui 1,5 milhão de habitantes. Houve enfrentamentos com a polícia e um jornalista chileno morreu.

A queda de Gutiérrez
No dia seguinte, as massas já não esperam pela convocatória da rádio para protestar. Ocorrem bloqueios de estradas, universidades, escolas, bairros, do Banco Central e da Petroecuador. A reação foi mais forte quando se noticiou que estavam chegando a Quito bandos armados em ônibus para defender o governo. O Ministério de Bem Estar Social, do ministro Antônio Vargas, ex-presidente da Conaie, transformou-se no quartel-general da reação de Gutiérrez. Vários tiros foram disparados do Ministério contra os manifestantes. Mais tarde, os ativistas conseguiram atear fogo no edifício e deter os responsáveis.

Pressionado, o Congresso vota o afastamento de Gutiérrez e dá posse ao vice, Alfredo Palácios. Gutiérrez foge de helicóptero da sede do governo.

Quarta, 20 de abril: as últimas horas do governo Gutiérrez

9h45 – Os deputados abandonam o Congresso e mudam-se para o prédio da Ciespal, longe do Centro de Quito.
12h40 – Forma-se uma nova maioria no Congresso, que destitui o seu presidente. Vinte minutos depois, os deputados destituem Gutiérrez.
13h35 – As forças armadas retiram o apoio ao presidente.
13h57 – Lucio foge em um helicóptero.
14h15 – O Congresso dá posse ao vice, Alfredo Palácios.
14h43 – Manifestantes tomam o aeroporto e impedem a fuga de Lucio.
16h48 – Ativistas invadem a Ciespal, atacam deputados e impedem Palácios de sair.
19h40 – Palácios consegue sair da Ciespal com a ajuda da rádio Luna, que apóia sua posse.
20h – A embaixada do Brasil confirma que havia concedido asilo político a Lucio Gutiérrez.

Post author Camilo Salustiano, do Movimento ao Socialismo (MAS – Equador)
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