Uma revolução acaba de abalar o Quirguistão. Recentemente ocorreram abalos também na Geórgia, Ucrânia, Polônia. A Rússia assiste a cada dia uma revolta em distintos setores da população. Mesmo com algumas diferenças entre si, esses fatos fazem parte do mesmo processo, e mostram que, ao contrário do que parece, já que a mídia esconde ou distorce tudo, o Leste Europeu vive uma situação avançada de ascenso das massas. Elas sentem o gosto amargo do capitalismo, cuja restauração caiu como um tsunami

No dia 24 de março, as massas tomaram de assalto o palácio presidencial em Bishkek, a capital do Quirguistão, e o prédio da rede de TV estatal. Eram milhares de manifestantes enfrentando a polícia nas ruas. Retiraram todos os funcionários do governo do prédio, e arrancaram as fotos do presidente Askar Akayev, que fugiu do país. Abriu-se um vazio de poder. Antes que a revolta e o vazio de poder se espalhasse pelo país, o parlamento nomeou presidente interino Kourmanbek Bakayev, líder da oposição e convocou eleições para daqui a três meses. O presidente da Rússia, Vladimir Putin, condenou a deposição de Akayev, um de seus aliados na região, e ofereceu-lhe asilo político.

O Quirguistão fica na Ásia Central, próximo ao Tibet. Dois terços de seus habitantes são muçulmanos. No século XVIII, fez parte do império chinês, mas, em 1876, o império czarista o absorveu. Em 1936, foi declarado república soviética. Desde então, converteu-se em um país agrícola e minerador, cujas principais exportações são ouro e mercúrio. Declarou-se independente com o fim da URSS, em dezembro de 1991. Foi aí que Akayev assumiu, num regime parecido aos de outras ex-repúblicas da ex-URSS. Continuou sob o controle da burocracia, agora convertida ao capitalismo, formando verdadeiras máfias, nesse caso uma família, usando o poder de Estado para roubar o que puderam e reprimir os protestos, até serem expulsos pelas massas enfurecidas.

Geórgia e Ucrânia
A revolta no Quirguistão faz parte do mesmo processo que abalou também a Geórgia e a Ucrânia. A Geórgia, que foi uma das mais importantes repúblicas soviéticas, há pouco mais de um ano viveu a chamada “revolução das rosas”. O presidente Shevarnadze foi expulso do poder e os novos governantes trataram de apagar tudo o que restava no país de ligação com a ex-URSS. A economia entrou em colapso total.

Os preços da cesta básica subiram em média 30%. O mínimo necessário para a sobrevivência de um trabalhador passou de US$ 65 para US$ 80, quando o salário médio não chega a US$ 40. As pesquisas apontam que o desemprego é tão alto que já afeta 47% da população ativa.

O novo governo acelerou o processo de privatização do pouco que sobrava nas mãos do Estado. Segundo o ministro da Economia georgiano: “na Georgia tudo está à venda, exceto a honra e a consciência”. Pelo visto, nem isso.

Na Ucrânia, o governo de Leonid Kuchma, totalmente desacreditado, tentou perpetuar-se no poder com um processo eleitoral fraudulento, impedido pelas massas nas ruas. Para garantir a continuidade do regime, claramente pró-imperialista, foram preparados dois candidatos saídos do próprio governo: Yuschenko, primeiro-ministro em 2001, e Yanukovich, primeiro-ministro em 2002. Yuschenko capitalizou a insatisfação das massas com promessas de democratização e, desde que assumiu o poder, aprofunda a entrega do país ao imperialismo.

Em 2003, a Polônia foi sacudida por mobilizações massivas dos mineiros, que ocuparam Varsóvia contra o fechamento das minas pelo governo. Na Rússia, em todas as regiões vêm ocorrendo revoltas. Um exemplo é o que ocorreu em janeiro deste em uma cidade satélite de Moscou, Solniechnogorsk. Um ato para comemorar o centenário da revolução russa de 1905 transformou-se em um enorme protesto, com bloqueio da estrada de Leningrado, e deu origem ao Comitê de Salvação, um órgão das massas. O governo foi obrigado a reconhecer o Comitê e tem de prestar-lhe contas de tudo o que faz. Atos de protesto vêm ocorrendo em outras regiões, desde Kaliningrado até Sajalin, e em todas elas vêm surgindo comitês de salvação.

Derrubando as velhas ditaduras
O que vem ocorrendo na região é o reflexo retardado de um processo que ocorreu no Leste Europeu nos anos 90. A restauração do capitalismo trouxe consigo um processo de destruição de forças produtivas, de eliminação das conquistas da revolução socialista, privatização das estatais e serviços públicos, resultando em miséria generalizada das massas e enriquecimento de uma pequena elite parasitária, uma nova burguesia originária, em geral, da burocracia da ex-URSS.

Essa é a explicação para a revolta das massas. Apesar de que ela vem se expressando de formas distintas em cada país, todas expressam a revolta das massas contra a miséria, o desemprego e a entrega das riquezas ao imperialismo.

Em alguns países, como Rússia e Polônia, a restauração capitalista nos anos 80 veio acompanhada por uma revolução política, que quebrou o poder absoluto da velha burocracia, destruindo os regimes stalinistas, mas, em outros países, como o Quirguistão e a Geórgia, a velha burocracia governante continuou no poder, mediante ditaduras.

Por isso, nesses países, a raiva contra a situação econômica e a miséria crescente está sendo canalizada por uma via democrática, no sentido de derrubar o regime e os governos.

O papel do imperialismo
Os EUA buscam aproveitar-se da insatisfação para, apoiados na burguesia nascente, canalizar tudo pela via eleitoral e colocar governos que lhe sejam fiéis. Alguns processos eleitorais são apoiados e incentivados diretamente pelo imperialismo, como foi o caso da Ucrânia. Outros, como no Quirguistão, como se tratou de uma insurreição violenta, e o governo Akayev era completamente servil aos EUA, ficou mais complicado para o imperialismo apoiar claramente o processo.

O imperialismo busca debilitar o regime de Putin para ampliar sua influência na região. Embora Putin seja útil ao imperialismo, os EUA querem mãos livres sobre toda a rica área, sem maiores preocupações com seus clientes. Putin não tem nada de progressista, nem mesmo em relação à independência nacional. Afinal, foi ele quem acelerou a liquidação do que restava do sistema soviético de proteção social e fez vista grossa para a instalação de bases militares dos EUA em territórios das antigas repúblicas soviéticas. Seu governo continua a entregar aos EUA as riquezas naturais do país, investindo o lucro proveniente da venda de petróleo em títulos do tesouro americano.

A burguesia em volta de Putin trata de manter certo controle sobre as riquezas da área para garantir seu quinhão na rapina, em particular na venda de energia. Bush, porém, prefere ter o domínio direto sobre países da importância da Ucrânia, do Cazaquistão e da Geórgia, e de suas ricas jazidas de petróleo e gás.

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