A morte de Brizola encerra um dos últimos elos da sociedade brasileira com o populismo trabalhistaPara os trabalhadores, a ideologia populista e seus políticos representaram a tentativa de impedir o desenvolvimento de uma visão classista e socialista revolucionária. Na perspectiva nacional-desenvolvimentista e trabalhista, o populismo desarmou política e organizativamente a classe operária no pré-1964.

A evolução ideológica de Leonel Brizola de um populismo abstrato para sua radicalização nacionalista burguesa manifestou-se em alguns fatos políticos. Entre eles: a nacionalização da empresa de energia elétrica norte-americana Bond and Share, para atender, principalmente, a setores industriais do Rio Grande do Sul, prejudicados com a falta de energia; a sustentação política do vice-presidente João Goulart, após a renúncia de Jânio Quadros, apoiando-se na população gaúcha; e a tentativa de constituição de grupos nacionalistas armados, que ficaram conhecidos como Grupos dos 11, para enfrentar o golpe militar.

Brizola sintetizou os descaminhos do projeto nacionalista/trabalhista e comprovou o seu “colapso”.

O populismo trabalhista

O desenvolvimento do populismo ocorreu no período histórico de 1930 a 1964. Associou-se ao movimento civil-militar de 1930, quando Getúlio Vargas assumiu o Estado, respaldado por burguesias regionais e por setores militares (“tenentistas”). A partir daí, ocorreu uma recomposição política entre as oligarquias locais, reduzindo o poder político de São Paulo e Minas Gerais e centralizando o poder no Estado. Essa linha getulista foi consolidada com o golpe de 1937 e a instalação do Estado Novo.

O Estado varguista apoiou-se nas “massas urbanas” que se desenvolveram com a industrialização. Para isso, a política getulista utilizou-se do atrelamento das associações operárias ao Estado e, também, realizou as famosas “concessões” trabalhistas. Por outro lado, esse Estado teve um papel dinamizador da industrialização no país, favorecida pela Segunda Guerra Mundial.

Após 1945, o “Estado populista” tornou-se instável, pois se baseava na disputa de interesses de diversas frações burguesas no aparelho estatal, ocasionando crises e recomposições políticas.

O golpe militar de 1964 impôs um projeto capitalista associado ao imperialismo. Esse novo quadro excluiu das decisões estatais os “nacionalistas” e as forças políticas de esquerda. Foi o “colapso do populismo”.

O Estado brasileiro e a burguesia no país, integrados à dinâmica imperialista, impossibilitaram qualquer ilusão pequeno-burguesa de retomada da disputa entre frações burguesas e interesses proletários. Essa foi a ideologia populista que marcou a atuação do trabalhismo e dos partidos comunistas.

A sobrevida política do brizolismo

O enfraquecimento da ditadura militar manifestou-se através da estratégia da distensão política (Geisel) e da “abertura lenta e gradual” (Figueiredo).

Nesse cenário político, Brizola retornou ao país para constituir o trabalhismo. Do populismo trabalhista “evoluiu” para a social-democracia. Especialmente após sua expulsão do Uruguai, em 1977, Brizola foi para os Estados Unidos e depois para Portugal, travando contato com líderes da social-democracia européia. Em suas palavras: “Comecei a assimilar o novo contexto político internacional. Verifiquei que era muito diferente do mundo de 20 anos atrás. Na área capitalista, tínhamos o policentrismo. Aquele monopólio a que estivemos submetidos por parte dos norte-americanos havia sido limitado. Constatei logo que as melhores áreas de relacionamento para os brasileiros que desejavam reconstruir as instituições democráticas estavam nos setores progressistas da Europa, ligados à social-democracia, e nos setores liberais norte-americanos” (Jornal da Vitória, 1982, p. 2).

A década de 1970 constituiu-se internacionalmente como início da Crise Estrutural do Capital, na seqüência de um boom econômico após a Segunda Guerra Mundial. No final dessa década e início dos anos 80, as respostas neoliberais apresentaram-se: Ronald Reagan nos EUA e Margaret Tatcher na Inglaterra.

O projeto brizolista inicialmente mirou-se no então recente movimento operário que despontava no final da década de 1970. Mas o “trabalhismo” brizolista não tinha organicidade nem influência ideológica e política na nova vanguarda, que negava e denunciava as lideranças caudilhescas, populistas e nacionalistas como responsáveis principais por suas derrotas anteriores.

A estratégia brizolista foi surpreendente com sua eleição em 1982 ao governo estadual do Rio de Janeiro: prestígio pessoal e uma campanha eleitoral bem desenvolvida e baseada em contínua e crescente conciliação com personagens e forças políticas, as mais díspares e conservadoras do quadro político. Aproximou-se do regime militar e do chaguismo. No campo sindical, reforçou a CGT, ao lado do PCB, do PCdoB e do MR-8. Combateu a “ferro e fogo” a recém-fundada CUT (1983), como também as “oposições sindicais” em diversas partes do país.

Desenvolveu uma rede de alianças com forças conservadoras dos grotões nordestinos, com políticos burgueses corruptos e estreitou laços com o crime organizado no Rio de Janeiro, possibilitando-lhe transformar os morros cariocas em seu reduto eleitoral.

* Doutor em Sociologia pela Unesp Araraquara. Professor do Depto. de Ciências Humanas – UNESP-Bauru. Militante do PSTU.

Post author Luiz Fernando da Silva*, de Bauru-SP
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