PSTU-SP

Capítulo 19

Pravda

Tony Cliff

Os bolcheviques aproveitavam qualquer ocasião dentro da legalidade para publicar seu material. A conferência do partido de janeiro de 1912, como já mencionamos, decidiu publicar um jornal legal, o Pravda, que deveria substituir o anterior, o Zvezda, um jornal semanal que estava sendo publicado legalmente em São Petersburgo desde 16 de dezembro de 1910. Em janeiro de 1911, o Zvezda começou a aparecer duas vezes por semana e, desde março, três vezes por semana. As autoridades o proibiam constantemente; de um total de 63 edições, 30 foram confiscadas e oito foram multadas. As grandes arrecadações de dinheiro dos grupos de trabalhadores que se organizavam para o Zvezda prepararam o terreno para o Pravda, cujo primeiro número foi publicado em 22 de abril de 1912.

O Pravda também sofreu perseguições contínuas e teve que mudar de nome oito vezes, tornando-se Rabochaya Pravda (A verdade dos operários), Siévernaya Pravda (A verdade do norte), Pravda Truda (A verdade do trabalho), Za Pravda (Pela verdade), Proletarskaya Pravda (A verdade proletária), Put Pravdi (O caminho da verdade), Rabochi (O operário) e Trudovaya Pravda (A verdade do trabalho).

Repetidamente os escritórios do Pravda eram invadidos, números eram confiscados, multas eram aplicadas, os editores eram presos e os garotos que entregavam os jornais eram perseguidos. Apesar de tudo, o jornal continuava aparecendo. De 22 de abril de 1912 a 8 de julho de 1914, 645 edições foram publicadas. Isso foi possível graças à habilidade do pessoal do jornal para evitar ações judiciais, ao apoio financeiro dos leitores, às lacunas existentes na legislação de imprensa e à ineficiência da polícia.

Usando uma linguagem disfarçada, o Pravda podia discutir os assuntos vigentes sem risco de um confisco automático. Assim como estava proibido fazer referência ao POSDR, o jornal falava do “subterrâneo”, do “conjunto” e do “velho”. O programa bolchevique de três partes para uma república democrática, o confisco das propriedades rurais e a jornada de oito horas, eram referidos como “as demandas íntegras de 1905” ou também “os três pilares”. Um bolchevique era “um democrata constante” ou um “marxista constante”. Os trabalhadores melhores informados sabiam como ler e entender o jornal.

A legislação de imprensa exigia que as três primeiras cópias de cada número fossem enviadas para o censor. Os editores do Pravda, no entanto, estavam decididos a distribuir o jornal com a aprovação do censor ou sem ela, de forma que tratavam de ganhar todo o tempo possível entre o envio das três cópias e a chegada muito frequente da polícia na gráfica. Resolveram o problema de uma maneira muito engenhosa. A lei que exigia o envio das cópias ao censor não especificava quanto tempo deveria tardar o envio, de modo que a tarefa diária de entregá-las foi designada a um trabalhador septuagenário da imprensa, que com seus muitos anos e seu passo lento garantia que as cópias não chegassem ao censor em menos de duas horas. Depois de entregar os jornais o homem ficava no escritório, aparentemente para descansar, mas na verdade era para observar de perto o censor, que examina outros jornais além do Pravda. Se, depois de ler este último, o inspetor começasse a ler outro, o homem voltava em passos tranquilos para a gráfica. Mas se o censor telefonasse para o Terceiro Distrito Policial – onde se encontrava a gráfica do Pravda -, o velho saía rápido do lugar, tomava um táxi e voltava com toda pressa. Em torno da gráfica havia vigias que esperavam que ele voltasse, e quando o viam chegando com pressa da esquina eles sabiam imediatamente o que estava acontecendo; tocava o alarme e todo mundo começava a trabalhar com um ritmo febril. Os jornais desapareciam, eram escondidos, o departamento de distribuição era fechado e a gráfica deixava de funcionar. Quando chegava a polícia, a maioria dos jornais já não estava lá; somente alguns eram deixados por “protocolo”.

Eram designados editores nominais que iam para a prisão enquanto os editores reais permaneciam em liberdade; havia cerca de quarenta “editores” desse tipo, pessoas que muitas vezes eram analfabetas. No primeiro ano de existência do Pravda, esses “editores” passaram 47 meses e meio na prisão. Dos 645 números publicados, a polícia tentou confiscar sem êxito 155, e 36 deles foram multados.

De cada edição, metade dos exemplares era vendida nas ruas pelos entregadores e a outra metade nas fábricas. Nas grandes fábricas de São Petersburgo, para cada departamento havia uma pessoa que se encarregava disso: distribuía o jornal, arrecadava fundos e mantinha o contato com os editores. A distribuição fora de São Petersburgo era muito difícil. Embora fosse verdade que o Pravda tinha 6.000 assinaturas por correio, não era tão fácil quanto parece conseguir que os jornais chegassem ao seu destino. Os exemplares tinham que ser embrulhados em uma tela para que não estragassem e eram enviados de meia dúzia de diferentes agências dos correios para despistar a polícia. Além disso, pacotes de cópias do Pravda eram enviados às diferentes províncias por algumas tantas rotas complexas. Os membros do partido ou os simpatizantes que trabalhavam nas ferrovias jogavam os pacotes em pontos designados ao longo da rota, onde outros camaradas estavam esperando. Em uma cidade, as cópias eram enviadas diretamente para os correios, onde um camarada carteiro cuidava delas quando chegavam.

A impressão do Pravda era certamente notável, especialmente se leva-se em consideração o status ilegal do partido que o publicava. Eram entre 40.000 e 60.000 cópias por dia; Sábado era o dia que alcançava números mais altos. Isso significava um passo gigantesco em comparação com as quatro cópias originais que Lenin escrevia à mão e depois copiava cuidadosamente em letras de impressão. Era também um grande contraste comparado com o primeiro jornal em que Lenin colaborou, o Rabochi Listok de São Petersburgo (o Boletim dos trabalhadores de São Petersburgo), que era o órgão da Liga de Luta Pela Emancipação da Classe Trabalhadora de São Petersburgo. Esse jornal de precoce aparição havia tido duas edições: uma que foi mimeografada na Rússia, com 300-400 exemplares (janeiro de 1897), e outra impressa em Genebra (setembro de 1897). Uma tiragem de 40.000-60.000 cópias pode parecer um tanto modesta em comparação com as tiragens ocidentais de agora, mas sob as condições repressivas do czarismo tratava-se de um grande feito, e as ideias do jornal encontraram resposta entre centenas de milhares de trabalhadores (a circulação do Pravda era muito instável e mudava muito de acordo com as circunstâncias. Assim, em abril e maio de 1912, sua circulação foi de 60.000 exemplares e, no verão, diminuiu para 20.000. Ver Lenin, Obras completas, vol. 36, p. 212).

No entanto, Lenin não estava nada satisfeito com a tiragem do jornal. Em abril de 1914, em um artigo intitulado “Nossas tarefas”, ele escreveu:

“Put Pravdi deveria ter uma tiragem de três, quatro e cinco vezes mais exemplares do que agora. Devemos lançar um suplemento sobre os sindicatos e ter representantes de todos os sindicatos e grupos no conselho editorial. Nosso jornal deve ter suplementos regionais (para Moscou, Urais, Cáucaso, Báltico, Ucrânia) […] A crônica da vida organizacional, ideológica e política dos trabalhadores com consciência de classe deveria se expandir, se multiplicar.

 […] Put Pravid, em sua forma atual, é essencial para o operário com consciência de classe, e deveria ser ampliado ainda mais, mas é muito caro, muito difícil, muito grande para o trabalhador da rua, para as bases, para qualquer um dos milhões de trabalhadores que ainda não foram atraídos para o movimento. Devemos começar um Viéchernaya Pravda de um copeque* (o Pravda custava 2 copeques), com uma tiragem de 200.000 ou 300.000 cópias […].

Devemos atingir um grau muito mais alto de organização por parte dos leitores do Put Pravdi que o atual, em suas diversas fábricas, distritos, etc., e uma participação mais ativa na correspondência, na elaboração e distribuição do jornal. Devamos fazer com que os trabalhadores participem regularmente no trabalho editorial.”

As aspirações de Lenin de ter um jornal com uma tiragem massiva não se realizaram até depois da revolução.

Um jornal operário de verdade

O Pravda não era um jornal para os operários; era um jornal operário. Era muito diferente do seu homônimo publicado bimestralmente em Viena por Trotsky (1908-12), que era escrito quase em sua totalidade por um pequeno grupo de jornalistas brilhantes (Trotsky, Adolphe Ioffe, David Ryazanov e outros). Como disse Lenin, “o jornal operário de Trotsky é um jornal para os operários, pois não há nem rastro destes nele, nem qualquer conexão com as organizações da classe trabalhadora.” Em contraste, no Pravda de Lenin foram publicados mais de 11.000 cartas ou artigos de trabalhadores em um único ano, ou seja, cerca de 35 por dia.

Alguns meses depois de começar a ser publicado, Lenin expôs seu conceito de um jornal para os trabalhadores:

Quando olham os informes das arrecadações dos trabalhadores, em conexão com as cartas dos operários das fábricas e oficinas de todas as partes da Rússia, os leitores do Pravda, a maioria dos quais estão espalhados e separados uns dos outros pelas duras condições externas da vida russa, podem chegar a ter uma ideia de como lutam os proletários dos diferentes setores e localidades, como estão despertando para defender a democracia da classe trabalhadora.

A crônica da vida dos trabalhadores está apenas começando a se desenvolver como uma seção permanente no Pravda. Não há dúvida de que mais adiante, além das cartas que falam dos abusos nas fábricas, do despertar de uma nova seção do proletariado, das arrecadações para um ou outro campo da causa dos operários, o jornal operário receberá informes sobre as opiniões e os sentimentos dos operários, sobre as campanhas eleitorais, a eleição dos delegados operários, o que leem os trabalhadores, as questões que os interessam particularmente, etc.

O jornal operário é um fórum para os trabalhadores. Diante de toda Rússia, estes deveriam levantar aqui, uma após a outra, as diversas questões de sua vida em geral e da democracia da classe trabalhadora em particular.

Lenin acreditava que os próprios trabalhadores deveriam escrever sobre suas vidas.

Os trabalhadores deveriam, apesar de todos os obstáculos, tentar compilar, repetidamente, suas próprias estatísticas das greves operárias. Dois ou três trabalhadores com consciência de classe poderiam compilar uma descrição precisa de cada greve, a hora em que começa e termina, o número de participantes (com a distribuição por sexo e idade, sempre que possível), as causas e os resultados da greve. Deveria ser enviada uma cópia de tais descrições para a sede da respectiva associação operária (sindicato ou outro conselho, ou o escritório de um jornal sindical); uma segunda cópia deveria ser enviada ao jornal operário central e, por último, deveria ser enviada uma terceira cópia a um deputado da classe trabalhadora da Duma estatal para que ele tivesse essas informações […]. Apenas se os próprios operários colocarem mãos à obra eles serão capazes de ajudar a uma melhor compreensão de seu próprio movimento – com tempo, e depois de trabalhar obstinadamente e com esforços persistentes -, garantindo assim maiores conquistas para dito movimento”.

Lenin sabia escrever artigos muito populares e curtos para o Pravda. Ele sempre se atinha aos fatos, e cada artigo enfocava apenas em uma ideia, que ele expunha e argumentava. Podia ser que repetisse o mesmo tema uma e outra vez, mas sempre abordando-o desde uma perspectiva distinta, com exemplos e histórias diferentes. Para ter uma ideia de como eram tais artigos, duas amostras serão reproduzidas a seguir.

“RUSSOS E NEGROS

Que comparação mais estranha, pode pensar o leitor. Como pode se comparar uma raça com uma nação?

É uma comparação legítima. Os negros foram os últimos a serem libertados da escravidão, e ainda carregam, mais do que ninguém, as cruéis marcas desta última – mesmo em países avançados -, porque o capitalismo não tem “espaço” para outra emancipação que não seja a legal, e reduzirá esta também tanto quanto seja possível.

No que diz respeito aos russos, a história diz que foram “quase” libertados do jugo da escravidão em 1861. Foi mais ou menos nesse mesmo momento, após a guerra civil contra os donos de escravos americanos, que os negros da América do Norte foram libertados da escravidão.

A emancipação dos escravos americanos aconteceu de uma maneira menos “reformista” do que a dos escravos russos.

Esse é o motivo de que agora, meio século depois, os russos ainda mostram muitos mais vestígios de escravidão que os negros. Na verdade, seria mais correto falar de instituições, mais do que de vestígios. Mas neste breve artigo devemos nos limitar a uma pequena ilustração do que dissemos, a saber, a questão da alfabetização. É bem conhecido que uma das características da escravidão é o analfabetismo. Em um país oprimido pelos pashás, pelos Purishkevich e similares, é impossível que a maioria da população esteja alfabetizada.

Na Rússia, 73% são analfabetos, sem contar os menores de nove anos.

Entre os negros dos EUA, havia (em 1900) 44,5% de analfabetos.

Tal porcentagem escandalosamente alta de analfabetos é uma desgraça para um país civilizado e avançado como a República da América do Norte. Além disso, todos sabem que a posição dos negros na América, em geral, é indigna de um país civilizado. O capitalismo não pode oferecer nem a emancipação completa nem a igualdade completa.

É instrutivo o fato de que entre os brancos, na América, a proporção de analfabetos não ultrapasse os 6 por cento. Mas se dividimos a América entre as partes onde havia escravos (a “Rússia” americana) e as partes sem escravos (a não-Rússia americana), encontraremos que nas primeiras há 11% ou 12% de analfabetos brancos, enquanto que nas segundas há de 4% a 6%.

A proporção de analfabetos entre os brancos é o dobro nas áreas onde havia escravos. Não apenas os negros mostram vestígios de escravidão! ·

Que vergonha para a América, a penosa situação dos negros.”

“GRANDES PROPRIETÁRIOS DE TERRAS E PEQUENOS CAMPONESES

A PROPRIEDADE DE TERRAS NA RÚSSIA

Em relação com o recente aniversário de 19 de fevereiro de 1861 [o aniversário da abolição da servidão na Rússia] vale lembrar a atual distribuição da terra na Rússia europeia.

O ministério do interior publicou os últimos dados estatísticos oficiais sobre a distribuição da terra na Rússia europeia em1905.

De acordo com esses dados, havia (em números redondos) cerca de 30.000 grandes proprietários de terras que possuíam cerca de 500 desiatinas [unidade de medida antiga russa de área, equivalente a aproximadamente 1,09 hectares, ndT] cada. A extensão total de suas terras era de 70 milhões de desiatinas.

Cerca de 10 milhões de famílias camponesas pobres somam a mesma extensão de terra.

Com isso conclui-se que, em média, existem cerca de 330 famílias camponesas pobres para cada grande proprietário de terras. Cada família camponesa possui cerca de sete desiatinas, enquanto cada grande proprietário de terras possui cerca de 2.300 desiatinas.

Para mostrar isso graficamente, elaboramos o diagrama acima.

O grande retângulo branco no centro representa a propriedade de um grande proprietário de terras. Os quadradinhos em torno dele representam as terras dos pequenos camponeses.

No total existem 324 quadradinhos, e a área do retângulo branco equivalente a 320 quadradinhos.”

Trata-se de uma explicação magnificamente simples de uma análise marxista complexa, sem vulgarizações e cheia de interesse.

É muito mais difícil escrever em termos marxistas para as massas que para os quadros do partido. Para estes últimos, a discussão pode se desenvolver de forma analítica, mas para as primeiras deve ser baseada na própria experiência dos trabalhadores, abstendo-se do uso de recursos que exijam conhecimentos de marxismo. Lenin dominava com perfeição ambos os tipos de escrita. Seu estilo era simples e direto. Era um homem que só queria convencer, indiferente às formas literárias. Sua prosa é uniforme, contundente e repetitiva, e é precisamente essa sua rigidez e esse seu estilo direto que demonstram a sinceridade e a profundidade de seu pensamento. Em seus escritos não há embelezamentos nem ambiguidades, evasões ou reservas.

Lenin admirava G. N. Chernishevski e o considerava o maior dos revolucionários russos. A semelhança entre os dois, incluindo o estilo, é surpreendente. Chernishevski, no início de seu O que fazer?, dirige-se ao leitor da seguinte maneira: “Não tenho nenhum talento artístico e até uso mal a linguagem. Mas isso não é importante: leia, público amável. Leia e terá um benefício. A verdade é algo grande; e compensa as deficiências do escritor que a serve”. Esta também era a atitude de Lenin. Ele odiava as poses, os especialistas na arte da palavra e os estilistas elegantes que erguiam uma barreira entre seus escritos e a realidade que pretendiam retratar. Para Lenin, e Chernishevsld, não vale a pena perder tempo buscando graça e estilo.

Para justificar um projeto de programa muito pouco elegante que havia escrito em 1919, Lenin diria o seguinte:

Um programa composto de partes heterogêneas não é elegante (mas isso, claro, não é importante), mas qualquer outro programa seria simplesmente errado. Embora seja muito desagradável, ainda que seja desproporcionado, será impossível para nós, por muito tempo, evitar essa heterogeneidade, essa necessidade de construir de materiais diferentes”.

Não tolerava enfeites supérfluos na apresentação se com isso deixava-se de olhar a realidade honestamente. Ele era capaz de explicar problemas muito complicados de uma maneira simples, e não falava com condescendência aos que escutavam, pelo contrário, mostrava-lhes um grande respeito.

“O escritor popular direciona o leitor a pensamentos profundos, para o estudo profundo, avançando a partir de fatos geralmente conhecidos e simples; com a ajuda de argumentos simples ou exemplos chamativos pode apresentar as principais conclusões que resultam de tais eventos, e sempre levanta novas questões nas mentes dos leitores reflexivos. O escritor popular não pressupõe que o leitor não pensa, que não pode ou não deseja pensar; pelo contrário, assume que o leitor pouco desenvolvido tem a intenção séria de usar a cabeça e o ajuda nessa tarefa séria e difícil, o guia, acompanha-o em seus primeiros passos e o ensina a seguir sozinho. O escritor vulgar assume que seu leitor não pensa e que é incapaz de fazê-lo; não o acompanha em seus primeiros passos em direção a um conhecimento sério senão de uma forma simplista e distorcida, adicionando piadas e besteiras e dando-lhe todas as conclusões de uma teoria determinada “feita sob medida”, de maneira que o leitor não precise nem mastigar, mas se limita a engolir o que lhe dão”.

Lenin era um bom professor: não descia até seus alunos das alturas dos deuses, mas chegava a novos níveis com eles. Ele os guiava e eles o guiavam. Esforçava-se junto com eles para encontrar maneiras de superar as dificuldades, e seus ouvintes deviam perceber que o líder estava pensando em voz alta para eles e com eles. Seus discursos não costumavam terminar com retórica, mas com frases muito simples: “Se entendemos isso, se agirmos dessa forma, então podemos ter certeza da vitória” ou então “É preciso lutar por isso, não com palavras mas com atitudes”, ou ainda mais simples: “Isso é tudo que eu queria lhes dizer”.

Muitas pessoas ficavam desapontadas ao conhecer Lenin: esperavam ver um homem de três metros e se encontravam, ao contrário, com um homem muito pequeno. Mas depois de ouvi-lo, eles próprios se sentiam como se tivessem três metros de altura.

Seu estilo simples e sem pretensões pode ser visto perfeitamente em seus numerosos artigos no Pravda, que davam ao leitor operário a confiança de que ele próprio tinha a habilidade de entender os problemas e também o mundo, e que podia mudá-lo. Ao mesmo tempo, não apagavam a linha que separa os bolcheviques de outros grupos, especialmente dos mencheviques; pelo contrário, davam uma direção política clara. Também neste aspecto o Pravda de Lenin era completamente diferente do jornal homônimo de Trotsky. Este “tratava de dirigir-se aos ‘trabalhadores comuns’ em vez dos homens do partido politicamente conscientes, e “de servir, não dirigir” seus leitores.

Sobre esta afirmação, Deutscher comenta o seguinte:

“A linguagem simples do Pravda de Trotsky e o fato de pregar a unidade do partido garantiam-lhe certa popularidade, mas não uma influência política duradoura. Os que defendem a causa de uma facção ou grupo geralmente se implicam em argumentos mais ou menos complicados e se dirigem às camadas altas e médias do movimento, e nem tanto às bases. Os que dizem, por outro lado, que, sem importar as diferenças, o partido deveria cerrar suas fileiras, contavam, como no caso de Trotsky, com um caso simples, fácil de explicar e atraente. Mas muitas vezes essa atratividade é superficial, e é bem possível que os oponentes que conquistem os quadros do partido com argumentos mais complicados, acabem também conquistando as bases; os quadros irão estender seus argumentos, de uma forma simplificada, aos demais. Os apelos de Trotsky à solidariedade de todos os socialistas eram até então aplaudidos por muitos […]. Mas as mesmas pessoas que aplaudiam o apelo depois o ignoravam e seguiriam uma outra facção, e acabaria deixando o pregador da unidade isolado. Além disso, havia, na postura popular de Trotsky, em sua ênfase na prosa simples e sua promessa de “servir, não dirigir”, mais do que um indício de demagogia, porque para o político, principalmente o revolucionário, a melhor forma de servir àqueles que o escutam é liderando-os.”

Os artigos de Lenin no Pravda dirigiam-se não apenas às bases, mas também aos quadros.

“Nunca, em hipótese alguma, deverá esta grande escola negligenciar o ensino do abecê, das primeiras letras do saber e dos rudimentos do pensamento independente. Mas se alguém pensasse em deixar de lado os problemas da ciência superior e se reduzisse ao abecê, se alguém pretendesse contrapor os inseguros, duvidosos e ‘estreitos’ resultados desta ciência superior (acessível a um círculo muito menor de pessoas do que o daqueles que estudam os rudimentos) aos permanentes, profundos, amplos e sólidos resultados da escola fundamental, daria com isso provas de uma incrível miopia. Inclusive contribuiria desta forma, a desvirtuar todo o sentido desta grande escola, já que a ignorância dos problemas da ciência superior não faria mais do que ajudar charlatões, demagogos e reacionários a desorientar aqueles que aprenderam apenas as primeiras letras.”

Lenin praticamente dirigia o Pravda, e era ele quem dava forma de maneira decisiva à linha editorial principal. Todos os dias enviava artigos, críticas de outros artigos, propostas, correções, etc. Para dirigir melhor o jornal, em junho de 1912 mudou-se de Paris para a Cracóvia, na Galícia polonesa, que ficava a apenas 24 horas de São Petersburgo com o trem expresso.

Além do Pravda, Lenin também utilizava outros jornais para servir aos quadros. Por exemplo, estava o Prosveshchenie (A Ilustração), uma revista literária e sociopolítica que foi publicada em São Petersburgo de dezembro de 1911 a junho de 1914. Lenin era o principal colaborador, e a seção de arte e literatura ficava a cargo de Maksim Gorki. Sua tiragem chegou a 5.000 exemplares.

O partido contava com outra revista teórica pensada para os quadros do partido, Sotsial-demokrat, que, por ser ilegal, podia tratar mais abertamente do que a imprensa legal sobre certos assuntos. Entre fevereiro de 1908 e janeiro de 1917 foram publicados 58 números, cinco deles com suplementos. Mais de 80 artigos de Lenin foram publicados nessa revista. Em 1912-13, Sotsial-demokrat só apareceu entre longos intervalos de tempo: em dois anos, apenas seis números foram lançados. Lenin encontrou muitas dificuldades em levar a revista para a Rússia. Em uma carta de 1913, diz: “É quase impossível estabelecer um meio de transporte adequado para a Rússia. A experiência de 1910 e 1911 mostra que as publicações que haviam entrado estavam empilhadas em depósitos e não havia endereços ou pontos de encontro para distribuí-las.” Isso não é nada surpreendente, tendo em conta que o responsável pela distribuição do material que entrava na Rússia até 1912 era Brendinski, um agente da Okhrana (polícia secreta do regime do czar Alexandre III, ndT).

No entanto, a Okhrana cometeu o erro de subestimar a importância da imprensa bolchevique publicada no exterior. O informe de um de seus agentes, em junho de 1914, dizia:

“Apesar da energia e dos recursos que se dedicam a transportá-lo não deu resultados positivos: o material está cheio de teóricos exilados, e quando chega à Rússia, com um atraso considerável, perde todo o interesse, não é inteligível para as classes baixas semianalfabetas e não tem capacidade de despertar sentimentos sociais.”

Ao contrário, o Sotsial-demokrat, como o Proletari antes dele, desempenhavam um papel fundamental na direção dos quadros mais importantes do partido bolchevique. Os jornais eram o principal meio de transmissão das ideias de Lenin (e de alguns exilados perto dele) aos seus colaboradores próximos na Rússia.

Os bolcheviques também tinham uma editora que publicava livros e panfletos. Uma das publicações mais populares foi um calendário de bolso de 1914, o Spútnik Rabóchiego (O manual dos trabalhadores), que continha informações essenciais sobre a legislação trabalhista russa, o movimento operário russo e internacional, sobre partidos políticos, associações e sindicatos, imprensa, etc. O Manual dos trabalhadores foi confiscado pela polícia, embora tenha sido esgotado em apenas um dia, antes que pudessem colocar as mãos nele. Quando Lenin recebeu uma cópia, escreveu à Inessa Armand que já tinham 5.000 cópias vendidas. Em fevereiro de 1914, uma segunda edição foi publicada, com supressões e alterações pensadas para driblar a censura; um total de 20.000 cópias foram vendidas.

Lenin insistiu no fato de que todas as publicações políticas deveriam ser totalmente subordinadas às instituições do partido:

“Em contraposição aos hábitos burgueses, a imprensa burguesa comercializada, mercantilista, ao profissionalismo e o individualismo literário burguês, ao “anarquismo aristocrático” e à corrida pelo lucro, o proletariado socialista deve afirmar, realizar e desenvolver na forma mais ampla e completa possível o princípio das publicações do partido.

Em que consiste esse princípio de publicações do partido? Não apenas em que para o proletariado socialista o trabalho de redação não é um meio de enriquecimento para indivíduos ou grupos; em geral não pode ser um trabalho individual, independente da causa do proletariado. Abaixo os escritores apartidários! Abaixo os super-homens da literatura! O trabalho de redação deve ser parte da causa comum do proletariado, deve ser ‘a roda e o parafuso’ de um único e grandioso mecanismo socialdemocrata, colocado em movimento por todo o conjunto da vanguarda politicamente consciente de toda a classe operária. A redação deve ser parte integrante do trabalho organizado, planejado e coeso do Partido socialdemocrata. As editoras e distribuidoras, as livrarias e salas de leitura, as bibliotecas e outros estabelecimentos similares, tudo isso deve ser controlado pelo partido.

[…] Queremos criar, e criaremos, uma imprensa livre, não apenas da polícia, mas também do jugo do capital, isenta de profissionalismo; além disso, livre do individualismo anárquico burguês.”

Cerca de um ano depois, Lenin acrescentaria os seguintes comentários, a respeito dos sociais-democratas e da imprensa burguesa:

“É admissível que um socialdemocrata colabore em jornais burgueses?

Não, certamente […]

Temos o direito de nos afastar de tais regras aqui na Rússia? Nos dirão que não há regra sem exceção. Isso é indiscutível. Seria um erro condenar um camarada que, vivendo no exílio, escreva em qualquer jornal. Às vezes é difícil condenar um socialdemocrata que para ganhar a vida trabalha em qualquer seção pouco importante de um jornal burguês. Pode-se justificar a publicação de uma refutação urgente e, formal, etc.”

Pravda como organizador

O jornal servia como organizador não só porque o liam, contribuíam nele e era vendido por milhares de trabalhadores, mas também porque incentivava a formação de grupos de trabalhadores que arrecadaram dinheiro para sua publicação. Tanto o jornal bolchevique como o menchevique, Luch, publicavam relatórios regulares sobre arrecadações e doações. No Pravda de 12 de julho de 1912, Lenin escrevia:

“Do ponto de vista da iniciativa e energia dos próprios operários, são muito mais importantes 100 rublos coletados, suponhamos, por 30 grupos de trabalhadores, do que 1.000 rublos coletados entre algumas dezenas de ‘simpatizantes’. Um jornal fundado nas moedas de cinco copeques coletadas por pequenos grupos de operários fabris é muito mais sólido, estável e sério (tanto financeiramente como, o que é o mais importante de tudo, do ponto de vista do desenvolvimento da democracia operária) que um jornal fundado em dezenas e centenas de rublos contribuídos por intelectuais simpatizantes.”

Alguns dias depois, acrescentava:

“É necessário criar o hábito de que cada operário entregue a cada dia de pagamento um copeque pelo jornal operário. Que as assinaturas sejam feitas como de costume e que aqueles que possam contribuir mais, que o façam, como costumavam fazer. Mas também é muito importante estabelecer e difundir o hábito do ‘um copeque para o jornal operário’.

A importância dessas arrecadações dependerá antes de tudo de que sejam realizadas regularmente a cada dia de pagamento, sem interrupção, e que um número cada vez maior de operários participe nessas arrecadações regulares. As informações dadas no jornal poderiam ser muito simples: ‘tantos copeques’, ou seja, tantos operários de determinada fábrica cotizaram para o jornal operário; e então, se houver contribuições maiores, poderia ser acrescentado: ‘Além disso, tantos operários contribuíram com tanto’.”

Em 1912, o Pravda recebeu contribuições financeiras de 620 grupos de trabalhadores, enquanto o jornal menchevique recebeu de 89 grupos. Durante 1913, o Pravda recebeu 2.181 contribuições, e os mencheviques, 661. Em 1914, até 13 de maio, o Pravda tinha o apoio de 2.873 grupos de trabalhadores e os mencheviques de 671. Assim, em 1913, os do Pravda organizavam 77 por cento dos grupos operários russos, e em 1914, 81 por cento. A formação de grupos para arrecadar fundos para o Pravda compensava a falta de um partido legal. Lenin, muito acertadamente, chegava a esta conclusão: “[…] quatro quintos dos trabalhadores aceitaram as decisões do Pravda como se fossem suas próprias, aprovaram o pravdismo e, de fato, se agruparam ao seu redor.”

O número total de grupos de trabalhadores que fizeram doações para o Pravda, de abril de 1912 a 13 de maio de 1914, foi de 5.674 (é certo que alguns grupos fizeram várias arrecadações, mas não contamos com dados separados para cada uma, de modo que o número real de grupos era consideravelmente menor). A quantia média que doaram os grupos, entre 1 ° de janeiro e 13 de maio de 1914, foi de 6,59 rublos, o que é equivalente ao salário semanal médio de um trabalhador de São Petersburgo.

O Pravda dependia quase inteiramente do apoio financeiro dos trabalhadores. Das doações ao jornal entre as duas datas mencionadas anteriormente, 87% vieram de arrecadações de trabalhadores, e 13% de outras fontes. (No caso do jornal menchevique, as proporções eram de 44% e 56%, respectivamente).

Em 14 de junho de 1914, Lenin escrevia em Trudovaya Pravda: “5.674 grupos operários reunidos pelos pravdistas em menos de dois anos e meio é um número bastante considerável, tendo em conta as difíceis condições existentes na Rússia. Mas isso é apenas o começo. Precisamos, não de milhares, mas de dezenas de milhares de grupos operários. Devemos intensificar dez vezes nossa atividade.

Infelizmente, a guerra estourou algumas semanas depois, e o Pravda nunca conseguiu cumprir os objetivos que se propôs Lenin.