?Não pode haver revolução socialista se a imensa maioria das mulheres trabalhadoras não participa ativamente nela.? LêninLênin, ao contrário do que foi propagandeado (ora pelo reformismo, ora pelo stalinismo), foi profundamente “feminista”. Para Lênin, a luta contra a opressão da mulher e a necessidade de conquistar as mulheres para o campo da revolução não só são partes integrantes do programa revolucionário, como também é um princípio que delimita a ação e a organização dos revolucionários.

Lições do papel da mulher na experiência Russa
As mulheres russas tiveram um papel de vanguarda na deflagração da Revolução de 1917. Em fevereiro, as operárias de algumas fábricas têxteis resolveram declarar greve. A greve se espalhou por outros setores da economia fabril, alcançando a adesão de 240 mil operários em 48 horas. Trotsky descreveu um episódio e o papel da mulher na revolução:

“O soldado da cavalaria se eleva por cima da multidão (…). A mulher operária representa um grande papel na aproximação entre os operários e os soldados. Com maior audácia que o homem, penetra nas fileiras dos soldados, pega os fuzis com suas mãos, implora, quase ordena: ‘Desviem as baionetas e venham conosco’. Os soldados se comovem, se envergonham, parecem inquietos, vacilam; um deles se decide: as baionetas desaparecem, as fileiras se abrem, estremece no ar um urra entusiasta e agradecido; os soldados se vêem cercados de gente que discute, repreende e incita: a revolução dera outro passo à frente.”

Conquistas no Estado soviético
As mulheres soviéticas conquistaram, antes dos países capitalistas mais avançados, o direito ao divórcio, ao aborto, a eliminação do poderio matrimonial etc. Na Rússia pós-revolução, as mulheres e os homens tinham igualdade de direitos perante as leis.
A mulher foi introduzida na economia social, no poder legislativo e nos postos de governo. Tiveram acesso as instituições educacionais e aumentaram sua capacidade profissional, social e intelectual. Foram criadas cozinhas, restaurantes e lavanderias comunitárias, além de creches e escolas para crianças. O esforço era para por em prática o programa comunista de transferir para a sociedade as funções educativas e econômicas da família, que até então recaiam sobre a mulher. Era parte fundamental do programa da revolução libertar a mulher da fadiga e da escravidão doméstica e do estado de submissão ao homem, para que pudessem desenvolver plenamente seus talentos e suas inclinações.

A lição que Lênin tirou desse processo foi que os investimentos na busca da emancipação da mulher fortaleciam a revolução e a construção do poder dos trabalhadores na Rússia. A incorporação de mais mulheres nas lutas revolucionárias e a tomada de suas bandeiras por todos os trabalhadores cumpriam uma dupla função: aproximava as mulheres e contribuía para a educação dos homens, combatendo os privilégios machistas e a divisão da classe.

Com o stalinismo houve uma tragédia histórica também no terreno da luta das mulheres. Foram liquidados todos os principais direitos conquistados pelas mulheres na revolução.

Uma tarefa indispensável
Para Lênin arrastar as mulheres para a luta revolucionária era uma tarefa indispensável para os revolucionários. Para ele, era impossível arrastar as massas para política sem introduzir nelas as mulheres, por um motivo simples: no capitalismo metade do gênero humano sofre uma dupla opressão, ou em suas palavras: “A operária e a camponesa são oprimidas pelo Capital, e mesmo nas repúblicas burguesas mais democráticas, elas não dispõem de direitos iguais aos dos homens, já que a lei não lhes concede essa igualdade, e mais – o que é essencial – elas vivem na ‘escravidão domestica’, sofrendo a opressão do trabalho mais mesquinho, mais sombrio, mais pesado, mais bestializador, o trabalho da cozinha e, em geral, do lar individual e familiar”.

Lênin alertava que se não temos política para trazer as mulheres para o nosso programa, seguramente nossos inimigos terão política para que se coloquem contra nós.

A luta contra opressão no programa revolucionário
Lênin tinha uma preocupação em ter políticas que de fato respondessem à opressão da mulher. Insistia que para atingir as massas femininas os revolucionários tinham que levantar as reinvidicações a favor das mulheres que respondessem a sua condição de duplamente explorada e oprimida em todas as esferas da sua vida, inclusive na esfera da família, com seu companheiro de classe. De nada adiantaria irmos até as mulheres colocando nosso programa geral, sem incorporar suas demandas concretas, pois não seríamos escutados se não fôssemos capazes de vincular nosso programa geral aos temas mais sensíveis das condições de vida e de sofrimento da mulher trabalhadora.
“Por isso é totalmente justo que apresentemos reivindicações em favor das mulheres (…). Nossas reivindicações se desprendem praticamente da tremenda miséria e das vergonhosas humilhações que a mulher sofre, débil e desamparada, no regime burguês.

Com isto mostramos que conhecemos estas necessidades, que compreendemos igualmente a opressão da mulher. Que compreendemos a situação privilegiada do homem e a odiamos – e queremos eliminar tudo o que oprime e atormenta a operária, a mulher do homem simples e, inclusive, em muitos casos, a mulher da classe acomodada. Os direitos e as medidas sociais que exigimos da sociedade burguesa para a mulher são uma prova de que compreendemos a situação e interesses da mulher e de que, na ditadura do proletariado, as levamos em conta”.

Ao discutir as Teses que Clara Zetkin estava escrevendo para o Congresso da Internacional Lênin preocupado em delimitar campo com o reformismo e o feminismo burguês. Colocava a necessidade das teses ressaltarem que a verdadeira emancipação da mulher só é possível através do comunismo, e é necessário de esclarecer o nexo indissolúvel entre a situação da mulher, como pessoa e membro da sociedade, e a propriedade privada dos meios de produção. Para Lênin, o problema da opressão da mulher deve ser visto como parte do problema social, operário, e, consequentemente, vinculado firmemente à luta proletária de classe e com a revolução.

Um programa de mulheres, que inclua respostas à dupla jornada, à falta de creches, à violência doméstica e nos locais de trabalho e moradia, ao fato das mulheres terem os piores empregos e salários, ao assédio sexual e moral, ao direito de decidir sobre seu corpo e sobre a maternidade. Um programa que as ajude a enfrentar as situações de humilhação que sofrem diariamente pelo simples fato de ser mulher, está subordinado à luta de classes, mas, ao mesmo tempo, é parte fundamental das tarefas do conjunto dos trabalhadores, homens e mulheres.

Políticas especiais de organização para as mulheres
Por em prática, esse programa e uma ação política junto às mulheres nunca foram uma tarefas fáceis, nem para os bolcheviques e nem para a Internacional Comunista (IC). A começar por convencer o conjunto da IC desta compreensão. Clara, e outras dirigentes feministas, encontraram enormes barreiras nessa batalha, apesar do apoio de Lênin.

Lênin tinha claro que para conseguir que o conjunto da classe (homens e mulheres) assuma as tarefas de emancipação das mulheres, como parte do projeto socialista, era necessário que as mulheres se organizassem de forma especial para travar uma árdua batalha e romper o ciclo da opressão. Apoiou inúmeras iniciativas nesse sentido e estimulou a luta interna contra o machismo e contra a resistência ao trabalho de mulheres no interior da IC. Defendia métodos especiais de organização e organismos próprios para as mulheres, na classe e no partido. Defendia toda flexibilidade tática, não se prendia às fórmulas organizativas, mas ao objetivo concreto de como chegar até as mulheres e fazê-las nos ouvir e ganhá-las para o nosso programa.

“De nossa concepção ideológica se extraem medidas de organização. (…) Não devemos fechar os olhos diante dos fatos. O partido deve contar com organismos – grupos de trabalho, comissões, comitês, seções ou como decida chamá-los – cuja tarefa especial seria despertar as amplas massas femininas, vinculá-las ao partido e mantê-las sob sua influência. Para isso, naturalmente, é necessário desenvolver plenamente um trabalho sistemático entre as massas femininas. (…) necessitamos de nossos próprios organismos para trabalhar com elas, necessitamos métodos especiais de organização. Não se trata de uma defesa burguesa dos “direitos da mulher”, mas dos interesses práticos da revolução.” (Lênin, Recordações, por Clara Zetkin)
Ao mesmo tempo, constatava os problemas na Internacional. Na maioria dos Partidos Comunistas (vinculados a IC) mantinha-se uma atitude passiva e de expectativa diante da tarefa de criar, sob a direção comunista, um movimento de massas das trabalhadoras. Não existia a compreensão comum que impulsionar esse movimento e dirigi-lo era parte integrante e uma parte muito importante de toda a atividade do partido, e que isso representava pelo menos metade do que deveria ser a atividade do partido. Quando muito havia uma compreensão formal e parcial da tarefa, como descreve Lênin:

“Às vezes, o reconhecimento da necessidade e do valor de um potente movimento feminino comunista, que tenha pela frente um objetivo claro, é um reconhecimento platônico de palavra e não uma preocupação e um dever constante do partido. (…) Concebem (…) como algo secundário (…) tarefa que afeta exclusivamente as mulheres comunistas (…) atribui-se às comunistas o fato desta tarefa não avançar com a devida rapidez e energia. Isto é injusto, totalmente injusto!”
Encorajando Clara, diante das acusações que ela sofria na Internacional (de estar traindo os princípios quando defendia a necessidade de políticas especiais para mulheres), Lênin dizia:

“Não se deixe desorientar. Por que em nenhuma parte, nem mesmo na Rússia Soviética, não militam no partido tantas mulheres quanto o número de homens? Por que o número de operárias organizadas em sindicatos é tão reduzido? Estes fatos obrigam à reflexão. (…) Muitas cabeças de mentalidade revolucionária e confusas recorrem a princípios quando não vêem a realidade, isto é, quando a inteligência se nega a apreciar os fatos concretos nos quais se deve prestar atenção. (…) Todos estes raciocínios caem por terra frente à necessidade inexorável: sem milhões de mulheres não podemos realizar a ditadura do proletariado, sem elas não podemos levar a cabo a edificação do comunismo. Devemos encontrar o caminho que nos conduz até elas, devemos estudar muito, provar muitos métodos para encontrá-lo”.

Para Lênin, o que estava por trás destas visões era uma subestimação da mulher e de seu trabalho. Ou seja, o machismo arraigado dos próprios camaradas em relação às mulheres.

Quando Clara escreveu as teses sobre o trabalho da Internacional Comunista entre as mulheres, ele insistiu que esta discussão tinha que ser pauta no II congresso da IC.
“O congresso é uma palestra de luta, na qual combatemos a fim de conhecer a verdade, indispensável para ação revolucionária”, dizia. Lênin convocava as mulheres no congresso a demonstrar que são capazes de lutar. “Naturalmente, em primeiro lugar contra os inimigos, porém também no seio do partido quando necessário”, precisava.
A compreensão de Lênin e Clara permitem enxergar o problema de maneira marxista. Os homens não se transformam automaticamente em não machistas por fazerem parte de uma organização revolucionária, da mesma forma que a tomada do poder não garante automaticamente o fim da opressão. Ao contrário, em contradição com o programa do partido, carregam a ideologia e as práticas machistas, parte delas enraizadas dentro de cada um. Porém, assim como a tomada do poder assenta as bases para emancipação da mulher, esta é um termômetro do quanto mais estamos perto do socialismo. O partido revolucionário, pelo seu programa, princípios e pela organização das mulheres, permite e necessita que essa contradição seja resolvida a favor do programa revolucionário, a partir de um combate interno como sugeriu Lênin.

A incompreensão do caráter programático e principista da luta contra opressão da mulher e da necessidade prática para revolução de atrair as mulheres trabalhadoras para o nosso lado, divide a classe e enfraquece nosso partido. Em suma, é contra tudo o que Lênin defendeu.

A principal lição que aprendemos com Lênin
Para Lênin a luta contra a opressão é parte e está subordinada à luta de classes. Mas Lênin, junto com as revolucionárias da IC, nos ensinou que a luta da classe trabalhadora por uma sociedade sem exploração, é uma luta de mulheres e homens, contra a burguesia. Porém, para que essa luta seja vitoriosa é necessário resolver um problema que é um entrave para revolução, que é a divisão da classe, em particular pelo machismo. Por isso, qualquer organização revolucionária que se reinvidique como tal, tem a obrigação incorporar todas as tarefas no terreno da luta contra as opressões (além de ser vanguarda na luta contra a exploração), tarefas democráticas não resolvidas pela burguesia. E toda nossa conduta dentro e fora do partido deve ser coerente com esse programa.

Essas lições devem servir de guia para nossa ação e para o nosso programa antes, durante e depois da tomada do poder.