Redação

Recordações de um dos fundadores da corrente que deu origem ao PSTU

Às vezes a vida realmente nos traz surpresas, ficamos sabendo de coisas importantes quase que por acaso. Isso me ocorreu em junho quando fui conhecer a Suécia. O plano era fazer turismo, conhecer a terra do sol da meia-noite, de Bergman, dos vikings, da social-democracia sueca. Mas também queria reencontrar dois amigos com quem militei no Chile, durante o processo da Unidade Popular, que não via há 39 anos. Um deles, Jan Axelsson, sueco, foi quem me passou os documentos da corrente trotskista à qual pertenço até hoje.

Ex-marinheiro, um ano mais velho do que eu, esteve militando no Chile desde o princípio de 1972. Ele engajou no trabalho nos cordões industriais com o grande Hugo Blanco, exilado, perseguido pelo regime peruano pelo seu papel na luta dos camponeses da região do Cuzco. Tive o prazer de rever Jan Lúcido, saudável e militando pela causa socialista na Suécia e na Costa Rica, os dois países em que divide atualmente sua vida. Além das recordações de nosso período, tivemos um interminável contar do que passamos nesses anos, desde coisas muito simples como a forma como saímos do Chile até as opiniões sobre a vida política e os temas da vida pessoal.

Contou-me também como pessoalmente levou Harald Edelstam, o embaixador sueco no Chile naquele período, à casa onde estava escondido Hugo Blanco para que este o levasse pessoalmente à embaixada sueca no carro da embaixada e salvasse sua vida. Edelstam salvou a vida de muitos chilenos e estrangeiros perseguidos nos primeiros meses do golpe, inclusive, colocando sob a proteção da embaixada sueca a representação diplomática cubana. Após sua expulsão do Chile, em dezembro de 1973, no entanto, o serviço diplomático sueco isolou-o em uma obscura embaixada por ter supostamente “exacerbado” suas funções diplomáticas. Há um belo filme sobre seu papel, “O cravo negro”. Veja abaixo.

Houve um detalhe na conversa, no entanto, que me deixou extremamente emocionado: Jan havia militado com Túlio Quintiliano e contou-me um episódio impressionante poucos dias antes do golpe militar, quando os trotskistas do Chile já previam que um golpe se aproximava e se preparavam para enfrentar mais um encontro com a contrarrevolução. Pedi que me escrevesse o que tinha a relatar, para que se publicasse, já que Túlio foi o nosso primeiro mártir, entregou sua vida pela revolução. Vejamos o que contou Jan:

“Túlio, Hugo Blanco e eu estávamos uma tarde em um café em Santiago poucos dias antes do golpe. No meio de uma conversação política, mas muito tranquila e serena, tal como era a personalidade de Túlio, ele perguntou a Hugo se tinha medo da morte. Hugo pensou alguns segundos e depois disse: ‘não, se faço isso não posso viver e fazer o que temos que fazer, assim que não penso sobre isso’.

Túlio sorriu um pouco e disse: ‘eu penso a mesma coisa’. Os dois tinham experiência de prisão e tortura e estavam sendo perseguidos no Chile, mas a experiência e altura moral dos dois fizeram com que soubessem como enfrentar esse dilema. Essa conversação me ensinou muito para a minha própria experiência frente à vida. Nunca me esqueci dessa tranquilidade, concentração e convicção de Túlio frente a uma situação tão grave. Depois do golpe recebi a notícia de sua morte com muita dor”.

Nesse momento em que procuramos resgatar a memória da luta dos que antecederam o atual PSTU, desde os tempos dos grupos fundadores no Chile (os dois Pontos de Partida, passando pela Liga Operária, PST e Convergência Socialista), essa serenidade frente às tarefas históricas em um momento decisivo é uma lição de como os revolucionários encaram as duras consequências que podem advir da militância revolucionária: lutamos por preservar nossas vidas, mas sabemos que a luta revolucionária têm riscos e perigos e que incluem até o sacrifício supremo.

É um testemunho raro de dois militantes calejados que enfrentam corajosa e serenamente o seu encontro com a história e que nos serve a todos, em especial às novas gerações de militantes. Isso nos faz repetir, mesmo para quem não o conheceu pessoalmente, com mais orgulho ainda: Companheiro Túlio, presente! Até o socialismo!