Sim, temos orgulho e queremos lutar

Soraya Menezes,
da Associação de Lésbicas de Minas Gerais e da Secretaria Nacional GLBT do PSTU

A construção de um Novo Partido é uma necessidade imposta por milhões de explorados e oprimidos. São trabalhadores e jovens, desempregados e idosos, gente da cidade e do campo que precisa de uma alternativa para suas lutas e para o enfrentamento decisivo com o sistema que lhes nega condições de vida e dignidade. Gente que não pode, contudo, ser tomada como uma “massa homogênea”. Afinal, entre nós, há homens e mulheres; brancos, negros, indígenas e mestiços; e, também, de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transgêneros (GLBT). Por isso também é tarefa para o Novo Partido formular políticas para os que são marginalizados, agredidos e, muitas vezes, mortos por manifestarem uma orientação sexual diferente daquela que é tida como “normal” apenas por ser majoritária. Neste sentido, saudamos a possibilidade de fazer uma discussão sobre este tema já no início do debate do Movimento por um Novo Partido. Esta iniciativa nos faz acreditar que o Novo Partido que venhamos a construir nascerá como algo também “novo” no que se refere à tradição da “esquerda”. Como costumamos ironizar, no interior da maioria dos partidos, diante das demandas do movimento social, muitos diziam que as questões referentes à marginalização de negros, homossexuais e mulheres só poderiam ser tratadas depois da Revolução. Essa versão equivocada não só fez com não se formulasse um programa classista para estes setores, como também com que milhares de ativistas caíssem nos braços de organizações inconseqüentes na luta contra opressão: das de “direita” aos grupos assistencialistas; de ONG’s oportunistas a grupos completamente despolitizados. E mais: mesmo entre os mais progressistas do movimento GLBT, criou-se uma resistência em relação aos partidos políticos.

Afirmo isso como mulher negra e lésbica, dirigente sindical e militante de uma organização, o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), que tem feito um esforço para ser uma exceção a esta regra, já que, desde sua fundação, incentivou a criação de Secretarias de Mulheres, Negros e Negras e GLBT. Uma experiência que queremos compartilhar com o Movimento.

“Com licença, nós vamos à luta”

Para nós, a luta contra a homofobia, não pode ser vista como um “apêndice” ao nosso projeto político. Para que esta luta seja coerente ela deve estar sintonizada com os princípios que apresentamos no Manifesto do Movimento. Queremos discutir com gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transgêneros que, também para nós, “só haverá transformação social se rompermos com essa ‘democracia’ do capital, para instituir uma ordem verdadeiramente democrática, da classe trabalhadora”. Nossa atuação deve privilegiar aquelas camadas geralmente “esquecidas” pelo movimento GLBT: aqueles que estão nas fábricas e escolas, nas comunidades carentes e entre os mais explorados. Temos que levar esta discussão para o movimento sindical, estudantil e popular. Também acreditamos que os GLBT devem entender que “a concepção de ‘cidadania’ limitada a direitos e deveres ou a redução do cidadão/trabalhador, a consumidor, de mercadorias ou do ‘espetáculo’ da política” não nos serve. Não queremos lutar para ter “direito” ao acesso a bens de consumo e serviços voltados para homossexuais; nem acreditamos que nossas manifestações, como vem ocorrendo na maioria das Paradas do Dia do Orgulho GLBT, sejam transformadas em “espetáculos” despolitizados. Particularmente no que se refere às Paradas, o que queremos é resgatá-las como um dia de luta. Algo, inclusive, que tem a ver com a própria história do “28 de junho”, escolhido por marcar uma rebelião contra a repressão que mobilizou gays, lésbicas e travetis, por quatro dias, em 1969. E este resgate é possível. Por exemplo, na VI Parada Mineira, em 2003, em Belo Horizonte, tínhamos mais de 40 mil pessoas. Além das faixas e balões trazendo as cores do arco-íris, de muita gente fantasiada e da alegria dos manifestantes, vários trios elétricos portavam faixas denunciando a violência contra homossexuais, a discriminação e o desemprego. E dos carros de som saiam falações de repúdio à reforma da Previdência e à implementação da Alca. O que necessitamos é construir um instrumento que “deve privilegiar a luta e a ação direta”. Uma luta que tem muito a combater: a violência dos órgãos de repressão e setores neofascistas; a discriminação dos hemocentros, que recusam nosso sangue; o discurso preconceituoso e discriminatório de instituições (muitas delas parceiras de primeira hora do governo Lula) que pregam o ódio contra nós. E, também, temos muito por conquistar.

Queremos leis, como a de Parceria Civil, que obriguem o Estado a reconhecer nossos direitos. Como também queremos uma legislação que puna quem nos discrimine ou nos ataque. Na verdade, queremos muito mais. Mas a discussão programática pode ficar para depois. No momento, o importante é colocar este tema na pauta do Movimento, é apresentar também para os homossexuais a possibilidade de construção de uma nova direção política não só revolucionário e socialista, como também radicalmente contrária a toda e qualquer forma de opressão.